
A crítica já há muito que se rendeu à qualidade do seu trabalho. Basta escrever que este ano Rita foi distinguida como melhor atriz nos Prémios Sophia pela sua interpretação da personagem Milene no filme “O vento assobiando nas gruas”, realizado pela cineasta suíça Jeanne Waltz, a partir do romance de Lídia Jorge. Noutros palcos, Rita recebeu o Globo de Ouro e o Prémio Autores 2018, da SPA, para melhor atriz de teatro, pela sua interpretação na peça “A estupidez”, encenada por João Pedro Mamede. E, no ano passado, em 2024, voltou a ser distinguida com o mesmo prémio, da SPA, pelo seu trabalho na peça “Equador”, de Sílvio Vieira. Outros filmes onde Rita participa vêm aí, mas um dos grandes projetos da sua vida está a uma semana de se realizar: Rita vai ser mãe junto com a sua companheira, e chega a falar neste episódio dessa alegria e inquietação. E não deixa de refletir sobre os medos e revoltas que a acompanham, o que mais a move enquanto atriz, e de revelar a sua opinião sobre as tão badaladas balizas do humor.
A participação recente da atriz Rita Cabaço na série de humor “Ruído”, de Bruno Nogueira, na RTP, foi um verdadeiro acontecimento.
E se tudo era bom nesse formato, a começar pela inteligência, pertinência e qualidade dos textos, a direção, e o brilhante elenco, Rita Cabaço superava tudo isso, fazendo subir a fasquia para o sublime.
Recorde-se a última rábula da série, sobre a “renovação da licença de humorista”, que certamente ficará para a história como um dos momentos televisivos mais certeiros a gozar com todos os intervenientes e todos os ângulos sobre os tão famosos limites e fronteiras do humor.
Mas agora já não se pode dizer nada? Vivemos o tempo da caça aos humoristas e atores de comédia? Ou as bruxas extremistas são mesmo as redes sociais? E o humor? Anda acossado com medo das críticas e dos tribunais ou nunca foi tão longe e tão livre como agora? Ou a grande piada é haver quem ache que pode ser realmente cancelado em Portugal por dizer uma piada?
Todas estas questões são lançadas a Rita Cabaço.
Noutro plano, importa referir que a crítica já há muito que se rendeu à qualidade do seu trabalho.
Basta dizer que este ano Rita Cabaço foi distinguida como melhor atriz nos Prémios Sophia pela sua interpretação da personagem Milene no filme “O vento assobiando nas gruas”, realizado pela cineasta suíça Jeanne Waltz, a partir do romance homónimo de Lídia Jorge.
Um filme que é um abre olhos para as raízes do racismo, e até do capacitismo, e como a palavra ‘normal’ é tantas vezes um conceito falho, perverso e enviesado.
E quanto a outros palcos, Rita recebeu o Globo de Ouro e o Prémio Autores 2018, da SPA, para melhor atriz de teatro, pela sua interpretação na peça “A estupidez”, encenada por João Pedro Mamede. E, no ano passado, em 2024, voltou a ser distinguida com o mesmo prémio, da SPA, pelo seu trabalho na peça “Equador”, de Sílvio Vieira.
Uma história distópica que nos leva a refletir sobre uma certa divisão entre nós e eles, e como dessa clivagem animalesca surge a intolerância, a ausência de escuta e o medo da derradeira diferença.
Qualquer semelhança com o que anda a acontecer na vida, na sociedade, não terá sido certamente pura coincidência.
A lente da arte e da ficção, por vezes mais ampliada, outras vezes mais distorcida é um poder e uma forma de intervir no pensamento coletivo e na vida social que interessa particularmente Rita enquanto criadora?
O isso para si tem tanto interesse, valor, e importância, como o lugar do sonho, da utopia, do puro entretenimento? Rita responde também a isto na primeira parte deste podcast.
Olhando pelo retrovisor, Rita nasceu no Barreiro, em 1992, e é a filha mais nova, com sete anos de diferença do seu irmão, e pelo que me contou, cresceu a atormentá-lo como qualquer irmã mais nova que se preze.
Durante os anos 90, quando não estava na escola, o aborrecimento e a solidão foram os seus companheiros e impulsionadores dos primeiros disfarces e fingimentos.
Consta que Rita Cabaço passou a adolescência sem grandes traumas, a ler a Bravo, a Super Pop e a jogar à bola nos intervalos das aulas.
Aos 14 anos foi estudar Teatro por acaso, na escola profissional de teatro de Cascais.
E, segundo Rita, foi durante esses três anos estruturantes, que o seu olhar crítico e consciente sobre si própria e sobre o mundo surge pela primeira vez. É o poder do teatro.
Quando terminou o curso, Rita Cabaço começou logo a trabalhar no Teatro Experimental de Cascais com Carlos Avilez. E assim se estreia em 2010 com A Nossa Cidade, de Thornton Wilder.
Mais tarde quis continuar a estudar e decidiu ir para a Escola Superior de Teatro de Cinema, mas não gostou.
Ao fim de um ano, com a impaciência e arrogância própria dos 18 anos, de quem acreditava que já sabia tudo aquilo que ali tinham para ensinar, Rita decidiu que ia sair da escola, despedir-se do restaurante onde na altura trabalhava para pagar as propinas e comprar uma viagem para Nova Iorque para ir atrás do sonho.
Mas poucos dias antes de ir, assaltaram-lhe o carro onde tinha a mochila e lá dentro o cartão de crédito, acabado de fazer para a viagem, juntamente com a carta do banco com os códigos desse mesmo cartão. Há azares do arco da velha que ditam caminhos surpreendentes.
Já que por causa disso, Rita nunca foi para Nova Iorque, voltou para o part-time no restaurante e para o conservatório que mais tarde soube valorizar.
Nesse ano, conheceu o encenador e diretor Luís Miguel Cintra e a Cornucópia , grupo extraordinário de pessoas com quem teve o privilégio de conviver e trabalhar assim que terminou o conservatório e que continuam a inspirá-la.
Depois, há dez anos, em 2015, co-fundou o Teatro da Cidade, com mais quatro amigos, com quem tem feito muitos outros espetáculos.
Ao longo do seu caminho, Rita afirma ter-se cruzado com muitas magníficas e magníficos nesta área, que pelas suas palavras “tem tanto de transcendente e revolucionária como de impiedosa e cruel”, mas a atriz vai tentando fazer justiça à sorte que tem.
De onde nasce o seu impulso de criação? Do desejo de ser compreendida, de se revelar e ser aceite, como um ato de libertação, ou do desejo de compreender e de chegar aos outros?
E agora que o seu nome anda na boca de tanta gente, como encara Rita a sua profissão e o seu caminho? Ser atriz é viver num limbo entre a glória, os aplausos e os prémios e a falha, as críticas, o esquecimento e outros horrores da precariedade? Rita responde.
Certo é que trabalho não lhe falta. Nos últimos meses, Rita esteve em filmagens na primeira longa-metragem de Flávio Ferreira e na rodagem do próximo filme do realizador Marco Martins, sobre a qual chega a falar longamente neste episódio.
No cinema, participou também no filme “Great Yarmouth – Provisional Figures”, também de Marco Martins, ou “Diálogos Depois do Fim” de Tiago Guedes.
E na Televisão destacam-se ainda as suas participações nas séries “Princípio, Meio e Fim”, de Bruno Nogueira; “Glória” de Tiago Guedes; Sul, de Ivo Ferreira e “As Três Mulheres”, de Fernando Vendrell.
Quem a conhece de perto destaca-lhe o génio, a dedicação, o rigor no trabalho, com um sentido de propósito com a sua arte, mas que não se leva muito a sério.
E cuidado com a sua ‘poker face’. Nos bastidores, consta que Rita Cabaço é uma perfeita endiabrada com gosto em pregar partidas aos colegas e de agitar as águas, com um pouco de insanidade e parvoíce. Abençoada seja…
Como sabem, o genérico é assinado por Márcia e conta com a colaboração de Tomara. Os retratos são da autoria de Matilde Fieschi. E a sonoplastia deste podcast é de João Martins.
A segunda parte desta conversa fica disponível na manhã deste sábado.