Agosto ainda não vai a meio e já arderam 63 mil hectares — seis vezes mais do que até 31 de agosto do ano passado, quando se registaram 4.457 incêndios rurais e 10.294 hectares de área ardida. A situação mais grave vive-se neste momento em Arganil, onde o fogo já chegou ao concelho de Oliveira do Hospital. Populações de aldeias serranas estão a ser evacuadas para o concelho vizinho de Seia, que ativou o plano de emergência.

Portugal enfrenta um dos dias mais difíceis do ano no combate aos incêndios, com fogos que duram há dez dias e novas ignições a surgir rapidamente. A mobilização de meios para estes novos focos deixa rescaldos por consolidar e vastas áreas sem vigilância, favorecendo a reativação das chamas.O mapa dos incêndios, disponibilizado pela Proteção Civil, revela um cenário dramático. Em Vila Real, onde o fogo começou no dia 4 de agosto, há frentes no concelho-sede que avançam para Vila Pouca de Aguiar; o incêndio está contido no Parque do Alvão. No distrito, há ainda um incêndio em Sabrosa.

Situação crítica em Viseu, Guarda e Coimbra

Em Viseu, há fogos em Sátão, que avançam para Penalva do Castelo, e em Tabuaço. O incêndio de Moimenta da Beira, iniciado a 8 de agosto, continua ativo, assim como um segundo foco em Tabuaço.

Na Guarda, o incêndio de Trancoso já dura há mais de quatro dias e chegou aos concelhos de Aguiar da Beira, Mêda, Celorico da Beira e Fornos de Algodres. Em Sirarelhos, Vila Real, as chamas lavram há mais de uma semana, com registos que, por três vezes, indicaram o fogo como “concluído”.

No distrito de Coimbra, o fogo em Arganil chegou a Oliveira do Hospital, junto à Aldeia das Dez. Várias aldeias estão a ser evacuadas e a autarquia ativou o plano de emergência. A população está a ser encaminhada para Seia.

Falhas na vigilância e reacendimentos sucessivos

Paulo Fernandes, investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, alerta para “evoluções caóticas” devido à falta de consolidação no rescaldo e à negligência na vigilância. Segundo moradores, “todos os dias há várias colunas de fumo negro” perto de áreas já ardidas.

O académico sublinha que a vigilância prolongada “não é suficiente sem capacidade para reconhecer pontos críticos e agir rapidamente”. Os Bombeiros, sapadores florestais e Forças Armadas “frequentemente limitam-se a estacionar e a circular ao longo do perímetro”, denuncia.

Más decisões estratégicas e gestão de meios criticada

Os incêndios no Norte mobilizaram equipas de combate que foram desmobilizadas para quartéis em Santarém, Lisboa, Setúbal e Alentejo, sendo chamadas de novo menos de 72 horas depois. “O vai-e-vem absurdo desperdiça recursos e tempo”, critica Nuno Delicado, oficial bombeiro, apontando má gestão e ausência de pré-posicionamento de meios nas zonas críticas.

Além disso, bombeiros no Centro e Norte acumulam mais de três semanas de combate sem descanso adequado, o que reduz a eficácia. Técnicas como o fogo técnico e de supressão “continuam subaproveitadas”.

Exemplos de combate eficaz: caso de Arcos de Valdevez

No Gerês, o incêndio em Arcos de Valdevez foi controlado com recurso a equipas locais experientes, que utilizaram bulldozers, ferramentas manuais e conhecimento do terreno. “São os primeiros a chegar e os últimos a sair, mal pagos e, muitas vezes, com mais chefes do que meios”, sublinha o investigador espanhol Juan Picos Martín.

Meios aéreos e previsões meteorológicas

Portugal conta, atualmente, com apenas dois aviões Canadair, enviados por Marrocos. De acordo com a Proteção Civil, estão ativos 108 fogos, combatidos por 3.612 bombeiros, 1.100 viaturas e 20 meios aéreos.

O climatologista Mário Marques prevê descida da temperatura e aumento da humidade, com possibilidade de nevoeiros matinais. No entanto, avisa que o risco de ignição continuará elevado, apesar de uma maior recuperação noturna devido ao fluxo de ar de Oeste/Noroeste.