Existem dois locais aos quais os residentes de Portugal frequentemente recorrem na demanda por cirurgias com um preço mais “em conta”, são eles a Turquia e o Brasil. Esta busca por cirurgias no estrangeiro traz-nos dois grandes problemas. Em primeiro lugar, a falta de acompanhamento no pós-operatório, e em segundo lugar, a falta de controlo da qualidade cirúrgica.

Coloco a falta de acompanhamento no pós-operatório em primeiro lugar porque isto é transversal a qualquer clínica quando a pessoa decide ser operada fora de Portugal. Uma cirurgia nunca termina após a última sutura, nem após a primeira semana de pós-operatório (que é quando habitualmente os pacientes voltam para Portugal). Existem as complicações precoces, que ocorrem habitualmente nos primeiros dias, e as complicações tardias, que ocorrem após várias semanas ou meses.

As complicações mais frequentes são as deiscências (feridas que cicatrizam mal), hematomas, infeções, tromboses venosas e embolias pulmonares. A maioria destas complicações ocorre após a primeira semana de cirurgia. Se a pessoa já estiver longe do seu cirurgião nesta altura, sentir-se-á muitas vezes abandonada, insegura, sem saber a quem recorrer. A maioria das vezes optou pela solução de ser operada no estrangeiro por ser uma solução mais barata, e vê-se deparada com a necessidade de comprar novas viagens para ser reavaliada/re-intervencionada pelo seu cirurgião, por vezes não estando sequer em situação de saúde que permita realizar esta viagem.

A continuação de cuidados entre o cirurgião e os seus pacientes dá-se ao longo de vários anos, diria até que, em muitos casos, para sempre. E este é o principal motivo pelo qual não considero uma decisão acertada realizar uma cirurgia a centenas de quilómetros de distância do próprio domicílio. Numa quantidade não desprezível de casos existem complicações cirúrgicas, ou necessidade de correções, e importa a proximidade ao cirurgião.

Outro problema diz respeito à qualidade cirúrgica e das instalações em que são realizadas as cirurgias. Existem ótimos cirurgiões brasileiros e turcos. No entanto, enquanto em Portugal temos a Ordem dos Médicos(OM) e a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) a fiscalizar a formação e qualidade dos médicos e espaços, poderemos não ter esta mesma segurança ao realizar as cirurgias no estrangeiro.

Relativamente às complicações cirúrgicas, acredita-se que possa existir uma taxa de complicações superior associada a este tipo de “turismo de saúde”. Penso que temos dois fatores causais principais. Em primeiro lugar, as complicações das cirurgias realizadas no estrangeiro muitas das vezes têm apresentações mais graves, uma vez que poderão não ter tido um acompanhamento de perto pelo cirurgião, dado serem muitas das vezes na forma de teleconsulta, e existe um limiar mais alto para a pessoa comprar uma passagem de avião para ser avaliada pessoalmente.

Por outro lado, enquanto em Portugal temos a OM e a ERS a desempenharem um papel exemplar na fiscalização dos atos médicos, cirúrgicos e na qualidade dos blocos operatórios, na Turquia e no Brasil não conheço os dados para poder afirmar que exista uma fiscalização tão rigorosa.

Acho que pode ser interessante relatar a minha realidade do último ano, relativa aos quatro casos de pacientes que realizaram cirurgia estética fora de Portugal e que compareceram posteriormente na minha consulta. Trata-se de uma paciente intervencionada no Brasil e três na Turquia. O primeiro caso refere-se a uma paciente que realizou uma rinoplastia no Brasil no início deste ano, voltou para Portugal ao fim de 2 semanas e ao final de um mês teve uma infeção de cartilagem enxertada, com necessidade de realização de antibiótico, mas que ainda assim perdeu a projeção da ponta do nariz, o principal motivo pelo qual realizou a cirurgia.

Dois dos outros casos foram muito semelhantes, realizaram na Turquia uma mastopexia de aumento com próteses e voaram de regresso para Portugal ao final de 1 semana. Ambos os casos apresentaram dificuldades na cicatrização ao fim de 3 semanas, com deiscência das feridas operatórias, sendo que num deles foi necessária a remoção dos implantes mamários e no outro ficou com cicatrizes alargadas inestéticas. O quarto caso, que gostava de relatar, realizou a cirurgia há cerca de 3 anos, não teve nenhuma complicação precoce mas teve um mau resultado cirúrgico e procurou-me este ano para repetir a abdominoplastia e braquiplastia que tinha realizado na Turquia.

Exposta esta realidade, para os pacientes que estejam a considerar realizar uma Cirurgia Plástica na Turquia, reforço que para mim o principal problema é a realização de um pós-operatório à distância. O pós-operatório é quase tão importante como a própria cirurgia e quando surge alguma complicação têm de ser tomadas medidas urgentes, e por vezes emergentes. Existe o risco de tromboembolismo pulmonar, infeções graves, sépsis, que se não forem detetados a tempo podem colocar em risco a própria vida do doente.

Se ainda assim o paciente pretender ser operado no estrangeiro, sugiro que verifique a formação do seu Cirurgião, bem como se tente informar com as entidades reguladoras da saúde do respetivo país em como a Clínica e Bloco Operatório cumprem todas as normas de segurança. Sugeria que ficassem pelo menos um mês no sítio onde escolherem ser operados e que se certifiquem da política de revisões da clínica, no caso de terem uma complicação ou insatisfação com o resultado cirúrgico. É essencial compreender que o resultado de uma cirurgia vai alterando ao longo do tempo e o paciente e o seu cirurgião são uma equipa para o resto da vida, mantendo uma avaliação continuada ao longo do tempo.

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