
Seis associações de saúde, direitos das mulheres e defesa da parentalidade emitirem, esta terça-feira, um comunicado conjunto a propósito da recente discussão em torno da amamentação, onde repudiam as declarações da ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, e de Elsa Gomes, diretora-adjunta do Centro Nacional de Pensões.
O documento, assinado pela Associação Portuguesa de Consultores de Lactação Certificados, Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e no Parto, Movimento Amamentar em Portugal, Observatório de Violência Obstétrica, European Association of Breastfeeding Medicine e a Associação Portuguesa dos Enfermeiros Obstetras), surge na sequência da polémica em torno de um anteprojeto de alteração ao Código do Trabalho. As associações contestam a intenção de “fixar um prazo legal máximo” à dispensa para amamentação e eliminar a possibilidade de horário de aleitamento no primeiro ano de vida dos filhos, para mulheres que não amamentam.
A medida, afirmam, “não constava do programa do Governo” e foi recebida “com surpresa e consternação”, em particular pelas mulheres trabalhadoras.
As organizações sublinham que o direito à amamentação é “constitucionalmente protegido” pelo artigo 68.º da Constituição da República e reforçado pelo Código do Trabalho e pela Lei n.º 110/2019, que garante que, "a amamentação deve ser protegida e incentivada, sem obrigar a mãe a amamentar." O Estado reconhece ainda a maternidade "como valor social eminente e regula o direito à dispensa de trabalho por período adequado", lembram.
Em causa estão as declarações de Elsa Gomes, em entrevista ao Jornal de Notícias: "Nenhuma mãe amamenta depois dos dois anos. Isso não existe, só existe para quem vive no mundo da fantasia. (...) Os filhos já estão na creche ou no infantário, a comer outros alimentos. Não cabe na cabeça de ninguém que uma mãe o faça”, afirmou a diretora-adjunta do Centro Nacional de Pensões”, acrescentando que a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) deveria intervir nesses casos.
Para as associações, estas palavras são “gravemente lesivas à saúde pública” e configuram “uma forma de discriminação contra as mulheres” e “ingerência desproporcionada na vida pessoal e familiar” das famílias que amamentam.
O comunicado cita ainda orientações de organismos internacionais como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Convenção dos Direitos da Criança das Nações Unidas, que recomendam amamentação exclusiva até aos seis meses e continuada até, pelo menos, aos dois anos ou mais, sem fixar limite máximo. “A amamentação continuada não é excessiva, não é prejudicial e não deve ser alvo de julgamento social”, reforçam.
Para além dos benefícios nutricionais, o comunicado enumera evidências científicas que associam a amamentação prolongada a melhor desenvolvimento cognitivo, linguístico, social e emocional da criança, menor risco de obesidade no futuro e redução da probabilidade de a mãe desenvolver doenças como cancro da mama, dos ovários e patologias cardiovasculares. “O leite humano não tem prazo de validade: continua a assegurar nutrição e proteção mesmo após os dois anos”, lê-se.
As associações alertam que discursos como o de Elsa Gomes podem ter “efeitos particularmente graves” sobre mães em contexto de vulnerabilidade social, emocional ou económica, ao desencorajar práticas de amamentação já reconhecidas e recomendadas pela ciência. “O receio de críticas ou denúncias injustificadas pode levar à interrupção precoce da amamentação”, avisam.
O comunicado acusa a dirigente da Segurança Social de “legitimar o incumprimento do direito à dispensa para amamentação por parte dos empregadores” e teme que as suas declarações possam influenciar médicos a recusarem a emissão de atestados após os dois anos de idade da criança, enfraquecendo a aplicação da lei.
As associações exigem que o Ministério da Saúde e DGS reafirmem publicamente as recomendações nacionais e internacionais, combatam a desinformação e promovam campanhas de esclarecimento com base científica.
Pretendem também que o Instituto da Segurança Social se demarque das declarações de Elsa Gomes.
Texto escrito por Nadja Pereira e editado por Mafalda Ganhão