Faz por estes dias 30 anos que se realizou um dos mais importantes debates para umas eleições legislativas em Portugal. Era o fim de um ciclo de dez anos — o ciclo de maior crescimento económico em democracia — e havia dois candidatos principais a primeiro-ministro. Nesse debate de mais de uma hora, um dos candidatos defendeu penas maiores para uma determinada tipologia de crime. O seu opositor, tendo sido ministro da Justiça, perguntou-lhe então se sabia quais eram as penas atuais. O candidato populista atrapalhou-se e não soube responder. O candidato que queria aumentar penas não sabia sequer quais as penas atuais que queria aumentar.

Perante uma onda de indignação em relação a uma determinada tipologia de crime, a resposta política mais fácil é sempre propor o aumento de penas. Defender esse aumento é sempre popular ,quaisquer que sejam as penas atuais, porque sinaliza dureza em relação às pessoas que menos empatia geram na sociedade, os criminosos. Opor-se a aumentos de penas, independentemente de serem eficazes para combater o crime em questão, é colocar-se do lado dos criminosos, um suicídio eleitoral a que poucos estão dispostos sujeitar-se. Mas será que o aumento de penas tem mesmo resultados na diminuição da criminalidade?

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos, um dos países ocidentais com mais população encarcerada, diz que não. Aumentar penas em determinadas circunstâncias até pode ter um ligeiro efeito na redução do crime, mas o que realmente diminui substancialmente a criminalidade é aumentar a probabilidade de o criminoso ser apanhado. Quando a probabilidade de ser apanhado aumenta, o crime diminui bastante. De acordo com os estudos compilados pelo Departamento de Justiça dos EUA, quando a probabilidade de ser apanhado é baixa, a dimensão das penas tem pouco ou nenhum efeito na criminalidade (afinal, o que importa a dimensão das penas se o criminoso sabe que nunca é apanhado?), podendo até ter efeitos nefastos noutras áreas.

Se o leitor não se quiser dar ao trabalho de ler estudos, pode imaginar-se no lugar de um infrator. Imagine que vai na autoestrada e se apercebe tarde demais que não está na faixa certa para a sua saída. Naquele momento, olha para o retrovisor e não vê nenhum carro na faixa da direita. Tem agora duas opções: ou conduz mais umas dezenas de quilómetros até à próxima saída, perdendo tempo e combustível, ou comete uma infração grave ao Código da Estrada, transpondo um risco contínuo para poder apanhar a saída certa. O leitor — tal como eu, como é evidente — nunca seria capaz de cometer tal infração, mas imagine que era esse tipo de pessoa irresponsável ou que estava com muita pressa. Nesse caso, o que pesaria mais na sua tomada de decisão: a dimensão da multa pela contraordenação (sabe sequer quanto é?) ou o facto de existir um carro da Brigada de Trânsito atrás de si? Provavelmente, a probabilidade de ser apanhado pesaria muito mais na sua decisão do que a dimensão da multa, que sabe que nunca pagaria se não fosse apanhado. Saber que a multa tinha aumentado 200 ou 300 euros recentemente pesaria menos na sua decisão do que perceber se havia fiscalização próxima.

Os estudos e a experiência demonstram que aumentar penas tem um efeito reduzido na diminuição da criminalidade, mas que aumentar a probabilidade de o criminoso ser apanhado pode reduzir significativamente o crime. Então, porque é que quando um determinado tipo de crime vem para o centro da discussão, a proposta mais popular é sempre o aumento de penas? Porque é uma proposta fácil e vai ao encontro do instinto natural punitivo de quem se indigna com um crime. Aumentar penas exige apenas uma mudança na letra da lei. Pelo contrário, aumentar a probabilidade de criminosos serem apanhados envolve alterações complexas no funcionamento do estado e uma melhor gestão de recursos. Por isso é que, quando a indignação passa e o crime deixa de ser discutido, tudo o que resta são penas mais elevadas que, em muitos casos, só se aplicam a uma pequena minoria de criminosos inábeis. Muitas dessas penas acabam por nunca ser cumpridas.

Voltemos ao debate do primeiro parágrafo[1]. Sem querer estragar a surpresa, o candidato que defendia aumentos de penas sem saber as penas que estavam na lei ganhou as eleições, tornou-se primeiro-ministro e mais tarde secretário-geral da ONU. Do outro candidato nunca mais ouvimos falar. Hoje como há 30 anos, a política raramente é justa e o eleitorado nem sempre premeia quem abdica de soluções fáceis, quem entende a complexidade dos problemas e foge às soluções populistas. Uma pena, de facto.

[1] O debate está disponível na RTP Play. Recomendo que o vejam, não só por este momento, mas para entender tudo o que mudou nestes debates em 30 anos. O debate durou 2 horas, em vez de 30 minutos seguidos de 2 horas de comentários. Apesar de o debate ser duro e estar muito em jogo, os debatentes quase não se interrompiam. Já os temas em debate, pelo contrário, eram surpreendentemente semelhantes aos de hoje. Há coisas que nunca mudam.

Carlos Guimarães Pinto escreve no SAPO quinzenalmente