Quando o plano político estava inclinado à esquerda, havia “fascistas” por todo o lado. Qualquer pessoa que discordasse de uma posição de esquerda radical, era imediatamente rotulada assim. Até pessoas de centro esquerda que combateram o Estado novo chegaram a ser rotuladas de fascistas. Abusou-se tanto do rótulo que ele perdeu o significado.
Com o plano político inclinado à direita, apareceu um novo rótulo que, apesar de popular entre nacionalistas, vem em língua estrangeira: woke. Qualquer posição que não corresponda ao cânone da direita radical passa hoje por ser woke.
Há uns tempos perguntaram-me se, afinal, eu era woke ou anti-woke. Pedi-lhe de volta para definir woke. Não obtive resposta até hoje. A definição importa, porque, tal como “fascista” noutros tempos, hoje woke pode significar muitas coisas dependendo de quem o diz. Se por woke querem dizer que me oponho a qualquer posição política ou legislação racista, homofóbica ou sexista, então sou woke. Se ser woke é defender que qualquer pessoa deve poder viver a sua vida como bem entender desde que não afete terceiros, por muito que eu não partilhe das suas preferências, então sou woke. Se ser woke significa achar que as ações de um indivíduo apenas o vinculam a ele e não a todas as outras pessoas com quem partilha características comuns como a etnia ou a cor da pele, então sou woke.
Por outro lado, se ser woke significa perseguir pessoas por opiniões legítimas e tentar que a sua vida pessoal ou profissional seja destruída apenas por terem essas posições, então sou violentamente anti-woke. Se ser woke é perseguir humoristas por fazerem aquilo que se espera que façam, terem piada mesmo dizendo coisas em que não acreditam, então sou anti-woke. Se ser woke significa limitar a liberdade de expressão daqueles de quem discordamos, então sou anti-woke. Se ser woke é ser um bully puritano que busca sinalizar virtude própria apontando o dedo a qualquer pequeno desvio de outro, então sou anti-woke. Se ser woke é escavar qualquer exemplo de desvio ao discurso politicamente correto, nem que tenha sido proferido décadas antes noutro contexto cultural, para cancelar pessoas de quem discordam noutro tema qualquer, então sou violentamente anti-woke. Se ser woke é condenar alguém a uma pena perpétua de exclusão social apenas por terem tido uma opinião no passado, então sou anti-woke. Se ser woke é acusar socialmente ao mínimo indício, julgar sem defesa e condenar no momento sem recurso, então sou anti-woke.
Por mim, podem-me chamar woke ou anti-woke. Qualquer um dos dois pode aplicar-se, dependendo da definição de woke que usarem, mas a definição mais apropriada é, simplesmente, liberal.
O pêndulo das guerras culturais virou para a direita — eventualmente voltará à esquerda, como sempre acontece nestas questões — com todos os exageros e entusiasmos infantis que as guerras culturais sempre causam entre aqueles que estão temporariamente por cima. Tal como “fascista”, o termo woke em breve ficará exausto por excesso de uso e já não significará nada. Será nessa altura que o terreno ficará preparado para o regresso fulgurante de uma nova onda de cultura de cancelamento.
Carlos Guimarães Pinto escreve no SAPO quinzenalmente