A velha máxima portuguesa “é verão, ninguém leva a mal” pode soar simpática nas esplanadas à beira-mar ou nos arraiais da aldeia, mas carrega um risco perigoso quando aplicada ao setor turístico: a normalização da improvisação, da sobrecarga e, pior ainda, da degradação da experiência. Apesar de não sermos, na génese, um destino posicionado no segmento do luxo, Portugal tem vindo a conquistar um lugar entre os favoritos dos turistas mais exigentes. A hospitalidade genuína, a autenticidade cultural, o património natural e histórico, a gastronomia e o vinho, todos estes ativos têm sido valorizados internacionalmente. Mas há um desafio que persiste, como manter esta procura elevada sem comprometer a qualidade, e como melhorar continuamente sem perder a nossa essência?

É preciso alterar o discurso e manter uma trajetória na qual seja afirmado que qualidade não é sinónimo de luxo, mas de consistência. Este caminho de melhoria constante na qualidade aplicada pelo “modelo Kaizen” (metodologia e filosofia japonesa de melhoria contínua), não significa que estamos a criar um modelo de distribuição elitista no turismo em Portugal. Os destinos que baseiam o seu modelo económico no turismo de massas vivem uma aparente prosperidade durante os picos sazonais, mas escondem uma fragilidade estrutural: quando a procura diminui, os primeiros a colapsar são os pequenos negócios. Mas são estes negócios, cafés de bairro ou de proximidade, lojas de produtos regionais, experiências locais, que dão alma ao destino. São os primeiros a sofrer quando há menos procura, mas são também os que tornam o destino memorável e autêntico.

Sem apoio estratégico, porém, eles são facilmente substituídos por franquias internacionais, e o destino torna-se um “não lugar”, igual a qualquer outro destino low-cost. Precisamos de articular na sensibilização que o foco na qualidade é crucial e admiro o exemplo feito pelo destino Madeira, onde a sazonalidade pré-covid era notória e atualmente é um destino transversal. Servirá como benchmark para outros destinos focados no lazer em Portugal.

O elefante na loja de porcelana é a estratégica dos destinos turísticos e da economia comportamental do consumidor no setor, a relação entre aumento de preços, perceção de valor, gestão de yields de preços e as expectativas geradas pelo próprio mercado. Não é possível (nem desejável) aumentar preços de forma generalizada sem que a oferta acompanhe em qualidade, consistência e diferenciação, criando o risco da perceção de desequilíbrio. Se o cliente não visualiza um upgrade (terminologia turística) real da experiência, seja no serviço, nos detalhes, na personalização ou nos benefícios adicionais, o aumento de preço transforma-se em penalização, e não em valorização. Esta discrepância entre preço real e valor compreendido afeta diretamente a fidelização do cliente, a reputação do destino e a expectativa futura em relação a promoções ou ofertas de última hora.

A armadilha da expectativa de “última hora” como norma comportamental, onde o próprio mercado turístico dinamizou, nos últimos anos, uma cultura de descontos de última da hora e campanhas agressivas em marketplace fechados, é um padrão que criou um comportamento condicionado no consumidor: esperar até ao fim para reservar, antecipando promoções. Assim, quando existe uma normalização da procura, especialmente nos mercados clássicos de proximidade (Reino Unido, Espanha, França, Alemanha), o cliente, habituado a descontos ou a valores promocionais, resiste a pagar mais a não ser que algo tenha claramente mudado na experiência ou na proposta de valor. A elasticidade do preço não é um problema em si, é uma ferramenta para compreender os limites e as oportunidades de cada segmento. O que se exige é inteligência na construção do preço, e não simplesmente a sua subida. Mais importante ainda, é necessário que os aumentos de preços sejam acompanhados por uma perceção de melhoria contínua da experiência. Caso contrário, o cliente entra em modo cético, adota um comportamento defensivo de espera e a cadeia de valor desmorona sob o peso da incoerência entre preço e entrega, afetando toda a cadeia de valor turística. Esta dimensão não pode ser menosprezada, mas sim ponderada.

A realidade menos técnica e mais positiva é que Portugal está a viver uma era de ouro no turismo. Mais do que um setor isolado, o turismo tornou-se a força motriz que impulsiona não só a economia, mas também diversas outras indústrias ligadas à imagem e à influência do país no cenário global. A importância do turismo vai muito além do fluxo de turistas, é hoje um verdadeiro pilar estratégico para a abertura e fortalecimento de setores que beneficiam diretamente da marca Portugal. Assumindo que o turismo pode e deve ser a alavanca estratégica para reconfigurar a economia portuguesa, assim Portugal tem no setor do turismo mais do que um ativo económico de curto prazo, mas a chave para a transformação estrutural da nossa economia, mas será necessário visualizar como um ecossistema estratégico capaz de mobilizar setores a montante e a jusante, de forma coordenada, regenerativa e inteligente. Para isso, é urgente abandonar a visão tradicional do turismo como um fim em si mesmo, limitado ao número de chegadas ou às dormidas. O turismo deve ser reposicionado como plataforma integradora de valor, conectando agricultura, produção alimentar, tecnologia, energia, cultura, transportes, construção e economia criativa. Essa visão exige governança inteligente onde modelos colaborativos, interministeriais e baseados em dados alinhem políticas públicas, investimento privado e agendas locais num só plano estratégico. Só assim o turismo deixará de ser apenas um setor forte e passará a ser o setor que fortalece todos os outros.

É também fundamental evoluir para uma lógica de valor e impacto nacional e internacional, sendo o foco em experiências autênticas e sustentáveis, que permite ativar cadeias de valor locais, desde vinhos e azeites até tecnologia de mobilidade, design, moda e cultura imaterial. Em certa medida esta caminho está a ser feito por organismos públicos e entidades privadas, mas não como uma simbiose de visibilidade do made in Portugal setorial. Mas este modelo não é sustentado sem capacitação transversal. Os profissionais do turismo devem ser embaixadores da inovação e da hospitalidade inteligente, preparados para traduzir o território em valor tangível e emocional. Ao mesmo tempo, os produtores locais precisam de ferramentas digitais e know-how de mercado para integrar a oferta turística de forma natural e competitiva.

Finalmente, o turismo deve ser o catalisador da reindustrialização verde de Portugal, promovendo a economia circular, atraindo investimento sustentável, exportando a marca Portugal através de experiências imersivas e tornando-se um dos pilares do novo posicionamento geoeconómico do país no século XXI. Somos a porta de entrada da América do Norte e Sul na Europa e devemos maximizar as relações diplomáticas com os EUA, Brasil, Canadá e México. Não se trata de romantismo económico, mas de visão estratégica com base em evidência. Portugal pode ser um estudo de caso global de como o turismo estrategicamente planeado, integrado e profundamente ligado ao território e à inovação pode reconstruir uma economia, valorizar comunidades e projetar um país para o futuro.

Em suma, é necessária uma visão de gestão estratégica e orgânica que permita ter uma governança e coordenação que na sua génese crie uma plataforma de governança multistakeholder, com metas claras e monitorização contínua de KPI económicos, sociais e ambientais, alinhando uma segmentação de mercado baseada em dados ao analisar perfis e comportamento do turista para personalizar produtos que maximizem o gasto médio e envolvimento com indústrias locais.

A maximização da economia circular deve estimular o uso eficiente de recursos e a integração das cadeias produtivas locais, ampliando impacto socioeconómico e reduzindo externalidades negativas. E na era da IA e da análise de dados, é crucial a digitalização e a inteligência de mercado, sendo crucial desenvolver dados integrados e multissetoriais em tempo real dos fluxos turísticos e seu impacto na economia, possibilitando a maximização e a gestão inteligente do território.

A questão final é: estamos nós a crescer ao mesmo nível que os nossos concorrentes a nível de REVPAR, ocupação, preço médio? E a diversificar e integrar o destino de forma a maximizar o gasto médio diário? Aumentar preços sem crescimento orgânico e valorização do produto à receita é o equivalente a uma estratégia boomerang. Porque estamos a bater recordes turísticos, devemos questionar e alinhar a estratégia a operacionalizar para momentos de menor procura turística.

Votos de boas férias e aproveitem para conhecerem o destino Portugal. Todas as regiões têm o seu carisma e uma beleza que atrai milhões a visitar-nos.

Nota: Este artigo apenas expressa a opinião do seu autor, não representando a posição das entidades com as quais colabora.