Em Portugal, a política não se faz com leis ou reformas. Faz-se com dança. E hoje, no Parlamento, assistimos a um espetáculo magistral de tango – essa dança intensa, cheia de paixão, tensão e reviravoltas inesperadas. Os protagonistas? Os dois maiores partidos do país, o PS e o PSD, que garantiram ao público que não queriam novas eleições, mas passaram a tarde toda a tentar fazer o outro tropeçar.
O enredo foi simples, mas eletrizante: uma moção de confiança ao governo. Um daqueles momentos em que se espera que as forças políticas assumam uma posição clara. Mas, como em qualquer tango bem ensaiado, ninguém liderou de verdade. O PS deslizou pelo salão dizendo que não queria eleições e que estava pronto para governar. O PSD respondeu com um rodopio gracioso, garantindo que também não desejava uma ida às urnas, mas que não podia deixar passar a oportunidade de ver o adversário vacilar.
E assim, entre olhares intensos e passos sincronizados, dançaram. Um avançava com uma proposta, o outro recuava com um argumento. Um levantava o tom, o outro respondia com um silêncio calculado. Tudo coreografado com a precisão de um espetáculo bem ensaiado – mas sem a beleza de uma verdadeira arte.
O mais curioso deste número de dança? O PS, até há pouco tempo, parecia estar a perder palco. Com um líder sem o carisma dos anteriores, um eleitorado cansado e uma oposição interna a crescer, a plateia já se mostrava entediada. Mas eis que, à custa deste tango forçado, o partido volta a ganhar tempo de antena e a projetar-se como a figura trágica deste espetáculo político. Entre um olhar sofrido e um passo dramático, consegue rejuvenescer perante os olhos do público, relembrando-lhe que, apesar de tudo, ainda está ali – pronto para continuar a dançar.
No meio deste teatro, destacou-se a Iniciativa Liberal, o adulto na sala, que não perdeu tempo com passos de dança ensaiados e jogos de poder. Enquanto PS e PSD se preocupavam em medir forças, a IL insistiu, repetidamente, que o foco deveria estar na estabilidade e na necessidade de governar com responsabilidade. Alertou para os inúmeros ângulos económicos e mundiais que estavam a ser ignorados enquanto se prolongava este espetáculo político, como se a economia, os mercados e a confiança externa pudessem esperar pelo fim do baile.
No fim, o público – os cidadãos que esperam soluções e não apenas coreografias – saiu da sala com a sensação de déjà vu. O que era para ser um debate sobre governabilidade tornou-se mais um episódio do grande folclore político nacional. Nada de decisões firmes, nada de clareza, apenas o mesmo jogo de sombras e luzes onde ninguém quer assumir a responsabilidade de liderar, mas todos querem dizer que obrigaram o outro a ceder.
Portugal continua sem saber exatamente quem está a guiar a dança – talvez porque nenhum dos dois quer liderar de verdade, apenas segurar a mão do parceiro e garantir que a música nunca pare. Afinal, enquanto o tango continuar, ninguém precisa de sair do palco.
Perante isto, os eleitores têm uma escolha clara nas próximas eleições: romper com esta dança sem rumo. Não há desculpas para ceder à teoria do voto útil – aqueles que o fizeram no passado viram hoje, mais uma vez, que nada serviu. O país precisa de um novo ritmo, de uma política que não dependa de coreografias partidárias ultrapassadas. E a única forma de mudar o espetáculo é escolher um elenco diferente.
Vice-presidente da IL