Em 2015, duas enfermeiras de dois hospitais do Porto foram forçadas a tirar leite das mamas para provar que estavam a amamentar. As trabalhadoras foram chamadas a consultas onde lhes propuseram esguichar leite em frente aos médicos de saúde ocupacional para poderem continuar a ter horário reduzido. Nessa altura, a lei previa que, após a criança completar os 12 meses, as lactantes que continuassem a amamentar tinham de entregar uma declaração médica mensal comprovando-o, para poderem continuar a beneficiar da redução de horário.
Basicamente, é este cenário de há dez anos que o governo de Montenegro propõe.
Como mãe de três filhos, tendo passado, como todas as mães, por várias dificuldades e problemas relativos à amamentação das minhas crianças, mas também por muitas gratificações, e também na qualidade de Psicóloga Clínica, devo dizer que não serão poucas as mulheres cujo leite secará assim que estiverem perante este tipo de pressões. Mesmo que a extração proposta seja através de uma bomba (e não à mão), a situação é de tal forma intimidade e invasiva que não serão raras as lactantes derrotadas. E, com elas, os seus bebés.
Depois, entendamo-nos: o direito à amamentação (pelo menos nos dois primeiros anos de vida) não deve dizer respeito ao leite materno (que, infelizmente, nem sempre existe), mas ao cuidado, proximidade, zelo, que o momento da alimentação proporciona de uma forma absolutamente singular nos primeiros anos de vida. Ou seja, mães que, por algum motivo, não podem “dar mama” devem também ter o direito a esses momentos mágicos e sagrados de nutrir o seu bebé. De encostar o seu ouvido perto do seu coração enquanto, olhos nos olhos, se cuida e ama. Os minutos diários de amamentação — seja natural ou fórmula — são cruciais para a edificação da relação humana. São o nervo da humanidade.
É verdade que muitas mulheres optam por delegar estas tarefas a funcionárias. Isso sempre existiu. Mas também é verdade que a relação precoce é preciosa para a construção de um ser humano, como a ciência demonstra. Ou seja, defender a amamentação e os direitos das mães e dos bebés é proteger o futuro de um país. Ainda mais numa nação como Portugal, na qual a natalidade é hoje uma pálida sombra do que era há umas décadas. Uma nação na qual não pode existir questão mais urgente e estrutural do que a demográfica.
Mas há mais. Quando a ministra advoga estas medidas devia, pelo menos, explicar, por exemplo, quantas lactantes de bebés com mais de dois anos existem a usufruir dessa licença. E quantas, entre elas, são as malandras abusadoras a que Maria do Rosário Palma Ramalho aludiu. É que quando se lança lama sobre as mães de Portugal, quando se cospe no bem mais precioso de todos, convém cumprir os mínimos olímpicos, não acham?
Já há dez anos, nessa situação do Porto, a Ordem dos Enfermeiros apresentou números indicando que um terço das profissionais eram pressionados para não gozarem os seus direitos de parentalidade. O que, de resto, corresponde à experiência que a generalidade das mulheres portuguesas tem já que, logo nas entrevistas de seleção, lhe és perguntado se têm ou querem ter filhos. Se isto não é desencorajar a natalidade dos portugueses, o que será?
Mas é também desincentivar a empatia e a compaixão, a tal que esta ministra já tinha mostrado devedora quando afirmou que não se deve dar comida a um sem-abrigo. Enfim, podemos dizer que não se trata da titular da pasta do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social mas apenas ministra do Trabalho. É só meia ministra, que quer fazer de todos nós apenas meios humanos.
Ativista Política//Escreve à quarta-feira no SAPO