
A recente recomendação da Comissão Europeia para que os cidadãos mantenham kits de emergência capazes de sustentar uma família por pelo menos 72 horas tem gerado debates sobre sua pertinência, especialmente num momento em que se discute a possibilidade de negociações de paz entre a Ucrânia e a Rússia. Embora a intenção declarada seja promover uma cultura de preparação e resiliência, é válido questionar se tal medida não acaba por instigar um sentimento de pânico desnecessário entre os europeus.
A iniciativa da Comissão Europeia inclui não apenas a recomendação de armazenamento de bens essenciais, como água e alimentos não perecíveis, mas também a integração de aulas de preparação nos currículos escolares e a introdução de um Dia Europeu da Preparação. Essas acções sugerem uma tentativa de institucionalizar uma mentalidade de constante alerta, o que pode ser contraproducente ao bem-estar psicológico da população. Embora a preparação para emergências seja sempre uma medida sensata, a forma como é comunicada pode ter impactos diretos no equilíbrio emocional e na sensação de segurança das pessoas.
A comissária europeia responsável pela gestão de crises afirmou que "estar preparado deve tornar-se uma nova forma de viver com serenidade". No entanto, essa abordagem pode ser interpretada como uma normalização do medo, levando os cidadãos a viverem em estado de apreensão contínua. Estudos na área da psicologia indicam que a exposição constante a mensagens alarmistas pode aumentar os níveis de ansiedade e stress crónico na população. O medo prolongado, quando exacerbado por campanhas públicas de alerta, pode resultar em desconfiança nas instituições e afectar o comportamento social, levando à compra impulsiva de suprimentos e até mesmo ao pânico coletivo.
A psicologia do medo é um factor essencial a ser considerado em qualquer estratégia de comunicação em larga escala. O excesso de mensagens preventivas sem um risco imediato claramente identificado pode causar um efeito inverso ao desejado: em vez de uma população mais preparada, cria-se um ambiente de paranoia e híper vigilância. Além disso, o medo pode levar à fadiga emocional, onde as pessoas, cansadas de viver num estado constante de alerta, começam a ignorar completamente as recomendações, comprometendo sua eficácia.
É importante que as autoridades europeias assegurem que as suas recomendações sejam apresentadas de forma equilibrada e contextualizada. A promoção de uma cultura de preparação não deve ser confundida com a disseminação de alarmismo. É necessário garantir que as estratégias de comunicação sejam informativas, mas tranquilizadoras, enfatizando a improbabilidade de cenários catastróficos e reforçando a capacidade colectiva de resposta a eventuais crises. As políticas públicas devem ser desenhadas de maneira a educar os cidadãos sem criar uma sensação artificial de vulnerabilidade e insegurança.
Em tempos de incerteza, o papel dos governos e das instituições internacionais deve ser o de oferecer estabilidade, segurança e confiança ao público. Criar um plano de preparação é uma estratégia responsável, mas este deve ser implementado com bom senso e proporcionalidade. Em vez de induzir ao medo, as iniciativas da Comissão Europeia deveriam focar-se na resiliência comunitária, incentivando práticas sustentáveis e realistas de segurança, sem reforçar um discurso de ameaça iminente. A transparência e a comunicação eficaz são fundamentais para garantir que os cidadãos estejam informados e preparados sem que isso signifique viver constantemente sob a sombra do medo.
Licenciado em Ciência Política e Relações Internacionais e vice-presidente da Causa Real// O autor escreve com o antigo acordo ortográfico