Foi recentemente notícia que um "erro da Justiça deixa violador da Amadora em liberdade. Esteve preso várias vezes nos últimos 20 anos. Juiz liberta-o e manda aplicar pulseira que nunca lhe foi colocada". Apesar de o tema estar longe dos holofotes mediáticos e outra notícia de que se iria reduzir a bitola de qualidade dos juízes em Portugal deixando de ter para a ascensão a esta profissão como requisito o mestrado, bastando uma licenciatura, segundo medidas aprovadas pelo atual governo.
Há uns anos falou-se de um caso de uma juíza ter sido reformada compulsivamente por não dar andamento a centenas de processos. Em dezembro de 2024, noutro caso não relacionado, uma procuradora do Ministério Público foi condenada porque, por "inércia" levou à prescrição de 89 processos. Ainda mais grave, a condenação do Supremo Tribunal de Justiça revelava que a magistrada traçou uma "estratégia de atuação" para ocultar os processos que tinha por despachar e que, consequentemente, dezenas deles prescreveram consolidando a má imagem da Justiça em Portugal e negando a sua aplicação a todas as vítimas destes processos. O nome da procuradora foi ocultado e as vítimas nunca souberam se foram prejudicadas por ela, não podendo, portanto, processar o Estado português (magistrados e juízes não podem ser processados pelas suas vítimas, mesmo quando se prove que houve intenção ou incompetência grosseira).
No século XVIII a maioria dos europeus acreditava que as mulheres não deviam ter os mesmos direitos que os homens e no século XV que os negros não tinham alma. Hoje acreditamos que os juízes não devem ser eleitos mas escolhidos e demitidos (reformados) pelos seus pares.
É verdade que a maioria da população não tem conhecimentos jurídicos suficientes para escolher ou demitir um juiz competente ou incompetente e se houvessem eleições para juízes e magistrados do Ministério Público é possível que fossem eleitos os mais loquazes ou aqueles com mais recursos financeiros para investir em campanhas, mas a verdade é que se os maus juízes forem regularmente submetidos à validação democrática por eleições de sufrágio único e universal não poderão fazer estragos por muito tempo. Um mau juiz ou magistrado não poderá ser muito mau durante muito tempo a coberto da proteção corporativa dos seus pares se for submetido a eleições e se existirem referendos revogatórios de mandato.
Nenhum cidadão, juiz ou não juiz, pode ter a presunção de ter um acesso privilegiado ou infalível à verdade. Se por um processo eleitoral colocarmos vários candidatos a juiz em competição livre e transparente teremos mais oportunidades de no fim termos melhores juízes.
Obviamente que este processo de eleição de juízes não teria de ser alargado a todas as funções judiciais, mas existem grandes vantagens em aplicar a democracia nas instâncias superiores deixando às inferiores a preparação académica e teórica e determinado que apenas poderiam ascender às eleições para a Relação ou para o Tribunal Constitucional aqueles juízes que tivessem cumprido um "tirocínio" na primeira instância.
Eleger juízes e magistrados do Ministério Público (MP) por sufrágio popular direto é uma proposta radical — sem dúvida — e polémica mas garante, desde logo que estes refletem a vontade popular e conferindo-lhes maior legitimidade e não qualquer interesse corporativo e permitiria refundar no cerne do Estado de Direito: a democracia e a legitimação popular todo o sistema de Justiça resolvendo a sensação e experiência da maioria dos cidadãos que o sistema não os favorece, preferindo os mais abastados e politicamente influentes devolvendo a este pilar essencial do Estado um sentido há muito perdido de participação e representatividade.
Se magistrados e juízes fossem eleitos, sentir-se-iam mais responsabilizados perante os eleitores, incentivando um desempenho mais transparente e ético e menos dependentes de avaliações — necessariamente distorcidas — dos seus próprios pares e colegas. Uma eleição direta também iria permitir a entrada de novos profissionais com diferentes perspetivas e mais ligados às realidades locais e das comunidades, afastando-se de uma visão mais tradicionalista da magistratura.
As possíveis desvantagens de eleger juízes e magistrados do Ministério Público (MP) por sufrágio direto poderiam ser mitigadas ou resolvidas introduzindo mecanismos que reduzissem ou resolvessem os riscos de politização excessiva, populismo ou mesmo de perda de independência perante os outros dois poderes do Estado de Direito (legislativo e executivo):
1. Todos os candidatos a magistrados ou juízes deveriam ter de passar uma bateria de testes e exames por forma a garantir a sua qualificação técnica para a função. Esta avaliação poderia ocorrer no seio do Conselho Superior da Magistratura e eventualmente alargar-se — para algumas funções — em audições no Parlamento.
2. Tal democratização radical do sistema de Justiça teria de ser acompanhada de uma grande campanha informativa para informar os eleitores sobre as funções, responsabilidades e limitações dos magistrados e juízes.
3. Todos os candidatos a juízes ou magistrados deveriam apresentar publicamente um currículo detalhado, com histórico de atuação e explicitação de conflitos de interesse, disponibilizado publicamente e sempre atualizado num endereço (URL) web.
4. Nestas eleições deveria ser proibido que partidos políticos ou empresas financiassem campanhas de magistrados, limitando o financiamento a doações de cidadãos ou mantendo apenas financiamento público com transparência total e com limites rigorosos às despesas para evitar desigualdades de recursos entre os candidatos.
5. Todos os mandatos dos magistrados eleitos seriam longos mas não renováveis, para reduzir a dependência de reeleições e pressões eleitorais.
6. A propaganda eleitoral nestas campanhas teria de ser regulada para evitar promessas populistas ou irreais, permitindo apenas a divulgação de planos de trabalho e princípios éticos. Mesmo que eleitos, os magistrados poderiam ser sujeitos a avaliações regulares por órgãos independentes para verificar seu desempenho e conduta.
7. Após a eleição deveriam ser criados mecanismos de revogação de mandatos em caso de má conduta, parcialidade, fraco desempenho ou corrupção.
Acredito que uma tal revolução democrática no sistema de Justiça seja um processo pleno de desafios e obstáculos, as desvantagens podem ser mitigadas por meio de regulamentações rigorosas, transparência e uma combinação de participação popular com critérios técnicos. O foco deve ser equilibrar a legitimidade democrática com a independência e a imparcialidade do sistema judicial.
Rui Martins é fundador do Movimento Pela Democratização dos Partidos