
"Mãe, vou sair sexta-feira à noite mas não quero estar sempre a repetir a toilette da semana passada... ajudas-me?" Estamos em 2014, Giselle é uma jovem fogosa de 21 anos que nasceu e vive em São Paulo e para milhões de jovens como ela manter as aparências com um orçamento adolescente costumava significar uma viagem à Forever 21, por um party top de 12 USD... e inevitavelmente uma mãe generosa. Mas um ano depois tudo mudou. O Brasil tornou-se no maior mercado mundial dum novo colosso.
Em 2015, uma loja online chinesa apareceu a oferecer o que Giselle queria por metade ou um quarto do preço: nascia a Shein (pronunciada SHE-in), um sucesso estrondoso desde o primeiro dia, capturando adolescentes e mães para uma oferta sem comparação na relação variedade/qualidade/preço e colocando pressão sobre as grandes marcas de fast fashion e as próprias griffes clássicas de gama média e alta.
O nascimento e os primeiros anos
A empresa é fundada em Nanjing, em 2008, por Xu Yangtian, mais conhecido como Chris Xu, cujas origens e história são tudo menos claras. Formou-se? Foi um bom estudante? Na verdade não sabemos. Mas a sua energia e determinação tornaram-se lendárias – diz um trabalhador anónimo que visita a sede da empresa em Guangdong: "Seja qual for em que altura aparecer lá, mesmo que sejam duas ou três horas da manhã, vamos encontrar Xu Yangtian e sua equipa — sempre em reuniões, nunca preguiçoso e sempre a procurar aprender todas as coisas boas nas pessoas."

Chris Xu arranca com o negócio como um portal para comprar vestidos de noiva, mas no início da década de 2010 a Shein já se está a lançar no vestuário feminino, focando a oferta em artigos atraentes e muito mais baratos do que qualquer outra marca ou retalhista, ganhando uma tremenda popularidade entre os consumidores millennials, mais jovens, e os mais velhos, da geração Z.
No início, adota um modelo de dropshipping, ou seja, sem estar no design nem no fabrico da sua roupa, colocando simplesmente na sua plataforma online roupas vendidas diretamente por operadores do mercado grossista de Guangzhou. Mas a partir de 2012, começa a estabelecer o seu próprio sistema de cadeia de abastecimento, transformando-se num retalhista totalmente integrado – do design ao fabrico (subcontratado) e à comercialização. Em 2015, estabelece a marca Shein e no ano seguinte junta uma rede de 800 designers e fabricantes de protótipos para conceção da oferta, alarga a cadeia de abastecimento em Guangzhou com uma rede de mais de 3.000 fornecedores, lança uma plataforma online renovada e começa a aparecer nas redes sociais. O seu site serve todo o mundo... exceto a China.

O modelo competitivo inovador por trás do disparo da SHEIN
Hoje, embora se concentre principalmente em roupas femininas, a oferta já abrange roupa masculina e infantil, acessórios, maquilhagem, sapatos, carteiras e outros artigos de moda. A Shein assume a liderança de uma nova geração de fast fashion que envergonha a Zara ou a H&M, produzindo milhares de novos artigos para corresponder às tendências atuais todas as semanas. Num dia normal, a Shein adiciona 2.000 novos itens à sua oferta online.
A sucesso da Shein passa também por quatro atributos distintivos:
· O primeiro assenta em copiar o modelo da Zara, combinando-o com o desenvolvimento de algoritmos que captam de forma instantânea as tendências do gosto dos consumidores e curtos vídeos apelativos, inspirados na Alibaba e no TikTok.
· O segundo parte do primeiro, com um modelo de site com uso intenso de promoções e ofertas para atrair o cliente a gastar e voltar a gastar mais. É quase obrigatório receber pelo menos três promoções na primeira vez que usa o site.
· O terceiro está na atratividade das modelos que surgem nos sites e das suas fotos, realçando de forma superior as peças em venda, muito acima de qualquer concorrente.
· E o quarto passa por trabalhar as redes sociais melhor do que qualquer outra empresa de moda, usando Facebook, Instagram, Pinterest e TikTok, sempre com foco nas peças e fazendo parcerias com centenas de influenciadores em campanhas promocionais bem pensadas.
O resultado é avassalador – uma consumidora norte-americana, Emilie Delaye, hoje com 21 anos, explica-o. "Em teoria, uma pessoa entra a pensar gastar 20 dólares e que está a poupar dinheiro, mas acaba por gastar 200 ou 300 dólares em peças a que não consegue resistir."
O modelo de fabrico da Shein é talvez o ingrediente mais importante do seu sucesso porque determina os imbatíveis níveis de preço. A empresa tem protocolos com centenas de fabricantes de roupas em Guangzhou, que funcionam com base num sistema de pedido e processamento próprio, garantindo que cada peça cumpre os critérios de design, qualidade e prazo de entrega exigidos pela empresa. A Shein é exigente mas consegue atrair e reter fabricantes simplesmente porque, num mercado pouco disciplinado, cumpre os prazos de pagamento estipulados.
Do negócio online ao high street retail
A Shein opera essencialmente através do site e do aplicativo da marca, mas tem considerado desenvolver pontos de venda físicos face à vantagem de relação personalizada com o consumidor e em reforçar a exposição da marca. Ao mesmo tempo, não estava a conseguir controlar a explosão de Shein Outlets "clandestinos" em várias partes do mundo.
Assim, decide começar a desenvolver lojas pop-up para dar vida à sua experiência de marca nas principais cidades, oferecendo aos clientes a oportunidade de ver e potencialmente comprar artigos – e um mergulho no mundo da marca com fotos dedicadas, nail bars e outras atividades.
Não é claro quantas lojas destas existem, mas o ritmo de abertura mantém-se forte – a 27 de junho do ano passado, abriu uma em Lisboa e especula-se que este ano seja a vez do Porto. Algumas destas pop ups são na realidade verdadeiras lojas high street que emulam a Zara, como a de Oxford Street, em Londres (na foto) – mas a Shein mantém-se rígida no conceito e todas estas lojas têm uma data de fecho prevista e conhecida à partida; a loja de Londres, por exemplo, vai fechar a 29 de setembro. Esta política não é naturalmente casual ou inocente... O sentimento de não querer perder a "janela" e o imbatível ritmo de rotação de novas peças cria multidões de clientes todos os dias.

Indicadores de desempenho de fazer corar de vergonha a concorrência
Com este modelo de negócio inovador e a superior capacidade de execução da equipa de Chris Xu, a Shein transforma-se num colosso de moda global. Em 2023, emprega 16 mil colaboradores em 20 países em todo o mundo e tem no Brasil, no México e nos EUA os seus maiores mercados, mas com o maior crescimento a vir da Índia e da Arábia Saudita. No mesmo ano, a Shein gera US$ 32,5 biliões de receitas, um aumento de 43% em relação a 2022 – e quase tanto como a Inditex (casa mãe da Zara) que fatura US$ 36,9 bilhões em 2023. Estima-se que, em 2024, a Shein tenha faturado mais do que a H&M ou a Zara. Atinge um lucro líquido de US$ 2 biliões em 2023, um aumento de 185% em relação ao ano anterior.
Nos últimos cinco anos, o valor da empresa dispara à medida que aprofunda a penetração nos mercados norte e sul-americanos e europeus, passando de US$ 5 biliões em 2019 para US$ 100 biliões no início de 2022 – vinte vezes mais, em apenas três anos. Seria sustentável? Já veremos onde está a Shein hoje e porquê...
As nuvens começam a tapar o sol: problemas de reputação afetam a imagem junto do consumidor e o desempenho da Shein sofre
A partir de 2003, começam a circular rumores de um IPO em Wall Street. Mais exposta a escrutínios das mais variadas origens, a Shein sofre uma série de escândalos e contratempos ao IPO – preocupações com os direitos de propriedade intelectual, opacidade do modelo de governação corporativo, práticas de sustentabilidade questionáveis... e sobretudo as alegações de trabalho forçado na cadeia de produção da empresa.
Esta última questão tem sido a mais grave e lesiva da reputação da Shein. Tempos de resposta e calendários de produção imprevisíveis, externalização intensiva e níveis de preços incompreensíveis exacerbam os rumores de exploração dos trabalhadores – incluindo o trabalho forçado – aumentando os riscos para a reputação e para o normal funcionamento da cadeia de abastecimento. A estes problemas juntam-se as acusações de design de roupas roubados e falta de respeito por práticas ambientais básicas. Os consumidores vão-se apercebendo destas questões, vão abandonando a Shein e assumindo posições ativistas contra a empresa nas redes sociais, ampliando naturalmente os problemas de reputação.
A Comissão Europeia solicita à Shein que forneça documentos internos e informações mais pormenorizadas sobre os riscos associados à presença de conteúdos e bens ilegais no seu mercado, sobre a transparência dos seus sistemas de recomendação e sobre o acesso aos dados por parte de investigadores qualificados. E é nessa altura que surge uma reportagem detalhada da BBC sobre a cadeia de abastecimento da empresa, com consequências devastadoras.
Nas entranhas da Shine: uma visita da BBC às fábricas de Guangzhou mostra uma realidade dura mas igual à que se vive na China há décadas

Em janeiro, a BBC passou vários dias no bairro de Panyu, em Guangzhou, a chamada "aldeia Shein", que abriga mais de 5 mil fábricas. Visitou dez fábricas, falou com quatro proprietários e mais de 20 trabalhadores, esteve no mercado de trabalho e em fornecedores têxteis. Confirmou que o coração pulsante deste império é uma força de trabalho sentada atrás de máquinas de costura durante cerca de 75 horas por semana. Apesar de violar as leis laborais chinesas, é um horário comum em Guangzhou como em toda a China, por opção dos trabalhadores "Se houver 31 dias em um mês, trabalharei 31 dias", disse um deles à BBC. A maioria disse que só tem um dia de folga por mês.
À medida que o dia passa, as prateleiras enchem-se de sacos de plástico transparentes e encadernados no armazém, rotulados com o distintivo substantivo de cinco letras. Mas mesmo depois das 22.00, as máquinas de costura – e as pessoas debruçadas sobre elas – não param, à medida que mais tecido chega, em camiões a transbordar, como aqueles que saem com as peças prontas.
"Normalmente trabalhamos, dez, 11 ou 12 horas por dia", diz uma mulher de 49 anos de Jiangxi, que não quer dar o nome. "Aos domingos, trabalhamos cerca de três horas a menos. Diz que são pagos por peça e o valor depende da dificuldade do artigo: algo simples como uma T-shirt é um a dois yuan (menos de um dólar) e consegue fazer cerca de uma dúzia numa hora. Com este racional, os trabalhadores abordados pela BBC conseguiam ganhar entre 4.000 e 10.000 yuans ($560 USD a 1.400 USD) por mês.
No interior, as fábricas não são apertadas. Há luz suficiente e ventiladores de tamanho industrial foram trazidos para manter os trabalhadores frescos. Cartazes enormes pedem aos funcionários que denunciem trabalhadores menores de idade – provavelmente uma resposta à descoberta de dois casos de trabalho infantil na cadeia de suprimentos no ano passado.
Um dos maiores desafios que Shein enfrenta são as acusações de que obtém algodão da região chinesa de Xinjiang. Antes apontado como um dos melhores tecidos do mundo, o algodão de Xinjiang caiu em desuso após alegações de ser produzido com trabalho forçado por pessoas da minoria muçulmana uigur – uma acusação que Pequim sempre negou.
"Trabalhar com a Shein tem os seus prós e contras", diz um proprietário de fábrica. "As encomendas acabam por ser grandes, mas o lucro é baixo e é fixo. Antes da Shein, produzíamos e vendíamos roupas por conta própria, poderíamos estimar o custo, decidir o preço e calcular o lucro. Agora a Shein controla o preço e temos de ser criativos para reduzir custos. Mas prefiro assim, a Shein é um pilar da indústria da moda e tem um contributo formidável para a economia de Guangzhou." "Comecei quando a Shein começou", relata outro proprietário. "Testemunhei a sua ascensão e, para ser honesto, a Shein é uma empresa incrível na China. Penso que se tornará mais forte, porque cresce e paga a tempo, o que é raro com outros comercializadores. Se o pagamento da nossa produção vence no dia 15, não importa se são milhões ou dezenas de milhões, o dinheiro será pago a tempo."
A Shein, com as suas horas extenuantes e, por vezes, salários mais baixos, pode não ser uma fonte de conforto para todos os seus trabalhadores. Mas é motivo de orgulho para alguns. "Esta é a contribuição que nós, chineses, podemos dar ao mundo", disse uma supervisora de 33 anos de Guangdong, que não quis se identificar.
Está escuro lá fora e os trabalhadores estão de volta às fábricas, depois do jantar, para a reta final. Admitem que as horas são longas, mas "damo-nos bem uns com os outros. Somos como uma família". Horas mais tarde, depois de muitos trabalhadores irem para casa durante a noite, as luzes de vários edifícios permanecem acesas. "Algumas pessoas trabalham até à meia-noite", conta à BBC um proprietário de fábrica "não as podemos impedir, se querem ganhar mais dinheiro".

Chris Xu sonha em fazer um IPO no Ocidente, mas as portas fecham-se
Um IPO (oferta pública inicial em Bolsa) é um processo complexo – e a Shein está a aprender a lição da pior maneira. A empresa passou por uma série de escândalos e contratempos desde que os rumores de IPO começaram a circular, em 2023: preocupações com os direitos de propriedade intelectual, a governação corporativa e a sustentabilidade, para não mencionar as alegações de trabalho forçado nas cadeias de abastecimento da empresa.
O sonho de fazer o IPO em Wall Street desvaneceu-se rapidamente como resultado dos ataques à reputação da empresa e Chris Xu volta-se para Londres, preparando um IPO na City para o primeiro semestre de 2025.

Mas a ameaça do presidente Trump, com o agravamento das tarifas de bens importados da China, traz mais um duro revés à empresa, que tem tido nos Estados Unidos um de seus maiores mercados. A administração impõe em fevereiro uma tarifa de 10% e em março 10% adicionais em bens de consumo. As vendas da Shein caem brutalmente, mesmo apesar de essa ameaça ainda não se ter concretizado.
O valor da Shein caiu drasticamente como resultado dessa mudança de política. A empresa já tinha visto o seu valor cair de US$ 100 biliões em 2022 para US$ 66 biliões em 2023. E relatórios recentes indicam que está sob pressão para reduzir a sua avaliação US$ 30 biliões. É o resultado da maior exposição dos problemas de reputação – mas sobretudo da queda abrupta de vendas e resultados associadas ao aumento de tarifas nos EUA.
Donald Tang, presidente executivo da Shein, tenta pôr água na fervura e escreve no fim de fevereiro uma carta aos investidores, na qual refere que "o crescimento continua forte e o IPO em Londres segue em frente, só está adiado para o segundo semestre". Mas os mercados não acreditam que a entrada na City seja possível nos próximos tempos e o fundraising vai acabar por ter de acontecer onde são feitos todos os IPO chineses – na Bolsa de Hong Kong. O que não é seguramente a mesma coisa e constitui um duro golpe para Chris Xu.
Apesar dos obstáculos e das jogadas da concorrência, a Shein ainda pode sustentar a liderança de mercado durante muitos anos – como a Temu
A crescente onda de ataques à reputação da empresa é claramente o seu maior problema porque deriva de aspetos fundamentais do seu modelo de negócio que são difíceis, demorados de alterar e dificilmente compatíveis com a preservação do price point da oferta. Os efeitos têm sido devastadores – queda de vendas nos Estados Unidos e noutros mercados, queda de 40% nos resultados de 2024 e pressão para reduzir a avaliação da empresa dos USD 100 biliões de 2022 para... USD 30 biliões. Acresce que, em Londres, se levantam cada vez mais obstáculos a um IPO na City, com analistas jurídicos a colocar fortes reservas sobre as práticas laborais da empresa e os investidores sobre a sustentabilidade do valor da Shein. É justo? Não, mais parece estar na sombra o poder de uma concorrência há muito instalada e que se viu fortemente atacada com o advento da Shein nos últimos anos.
De facto, a Shein tornou-se um player dominante no seu espaço, com forte fidelização de clientes e criando sérios antagonismos na concorrência, apostados em denegrir a imagem da Shein por falta de adaptação ao cenário regulatório dos mercados. O mesmo tem acontecido durante anos com a revolucionária Temu. E este terramoto chinês não só faz tremer os grandes retalhistas de fast fashion instalados como tem consequências mais profundas.
A Forever 21 entrou recentemente em falência, culpando a concorrência de retalhistas de fast fashion online no exterior, como a Shein e a Temu. A cadeia não conseguiu responder a um consumidor cada vez mais virado para tendências de oferta ultradinâmicas a preços impossíveis de combater. Todas as lojas físicas da Forever 21, bem como as operações online, fecharão em maio. A Amazon gira no sentido oposto, percebeu a oportunidade e prepara o lançamento da sua loja de descontos, chamada Haul, na Europa ainda este anom segundo fontes não oficiais do Grupo.
Para a Shein, o maior desafio agora é conseguir o IPO numa bolsa reputada. Adiar o IPO na City para o final de 2025 dará à empresa algum tempo para lidar com os desafios reputacionais que tem pela frente e permitir à empresa ajustar a sua cadeia de abastecimento para mitigar o impacto de tarifas e direitos de importação mais elevados. E um IPO apressado pode diminuir ainda mais a avaliação da Shein, se a empresa não conseguir mostrar números realistas que tenham em conta a sustentabilidade a longo prazo e fugir à atração de estratégias de crescimento agressivas e vulneráveis aos caprichos de um chefe de Estado estrangeiro.
Não vai ser um caminho fácil. Podem surgir novos concorrentes copycat, a Amazon está a dar o sinal e os grandes retalhistas de vestuário fast fashion têm músculo financeiro para seguir o mesmo caminho da ultra fast fashion – e até talvez melhor. Mas a Shein mostrou até aqui uma capacidade de conceção, inovação e execução superiores e não é de todo provável que não consiga ultrapassar os desafios que a separam duma liderança mais sustentável de um mercado que em boa medida criou. Merece.
Empresário, Gestor e Consultor