Deparei-me ontem com um artigo de Stephen Collinson, publicado na CNN Portugal, intitulado “Trump está em alta há muito. Mas isso pode estar a mudar”, cujo destaque inicial afirmava: “Trump está a ter sucesso mas parece-se cada vez mais com os reis. E já se sabe o que os EUA fizeram aos reis.”

O destaque inicial, para além de impreciso, revela um duplo equívoco: parte de uma visão distorcida da História e recorre a uma associação injusta entre a figura régia e a ideia de autoritarismo.

A expressão “parece-se com os reis” é utilizada como metáfora depreciativa, pressupondo que todo o monarca seria, por natureza, um governante arbitrário. Tal leitura ignora que, em diversos momentos históricos, a monarquia esteve sujeita a limites jurídicos e institucionais rigorosos.

Sendo a Grã-Bretanha a potência colonizadora dos futuros Estados Unidos, a Magna Carta de 1215 já havia estabelecido princípios fundamentais de limitação do poder régio, garantindo direitos e liberdades aos súbditos e afirmando que o Rei estava sujeito à lei. Séculos depois, a Revolução Gloriosa de 1688 consolidou um modelo de monarquia constitucional que perdura até hoje como exemplo de estabilidade e liberdade, estabelecendo a supremacia do Parlamento sobre o monarca através da Declaração de Direitos de 1689 (Bill of Rights), a qual reforçou garantias fundamentais e instituiu um equilíbrio duradouro entre o poder régio e as instituições representativas — bases que continuaram a desenvolver-se através de outros marcos constitucionais e parlamentares, demonstrando que a figura do monarca não é sinónimo de poder absoluto.

Em Portugal, de igual modo, desde as Cortes de Coimbra de 1211 até à Constituição de 1826, o Rei encontrava-se vinculado a juramentos solenes e a leis fundamentais que protegiam os direitos dos súbditos. Nos dias de hoje, países como Noruega, Suécia, Espanha, Países Baixos ou o próprio Reino Unido, todos monarquias constitucionais, figuram entre as nações mais democráticas e prósperas do mundo.

Quanto à independência dos Estados Unidos, convém esclarecer: a Revolução Americana não se fez contra a instituição monárquica em si, mas contra a forma particular como o Rei Jorge III e o Parlamento britânico administravam as colónias. Os colonos queixavam-se de não terem representação política e de estarem sujeitos a leis e impostos de fora, sem o seu consentimento. O famoso lema “no taxation without representation” exprimia essa exigência de participação, e não um repúdio generalizado à monarquia como sistema de governo.

É também relevante notar que o modelo presidencial criado pelos norte-americanos, ao concentrar na mesma pessoa a chefia de Estado e a chefia de Governo, atribui ao presidente poderes executivos que um monarca constitucional moderno não detém. O soberano numa monarquia parlamentar não governa, não legisla e não actua como líder partidário, mas sim como árbitro e símbolo de unidade nacional.

Usar a palavra “reis” como sinónimo de abuso de poder é, por isso, mais um recurso retórico do que um retrato fiel da realidade histórica. A monarquia constitucional, longe de representar despotismo, tem sido, em muitos casos, garantia de continuidade institucional, neutralidade política e salvaguarda das liberdades. Reduzir esta instituição à imagem simplificada de um governante que decide de forma unilateral é, no mínimo, uma injustiça para com séculos de evolução política e jurídica.

Licenciado em Ciência Política e Relações Internacionais// O autor escreve com o antigo acordo ortográfico