A recente condenação do partido de Le Pen, o Rassemblement National, não se trata apenas de aplicar a lei — é um sinal claro de como as elites europeias estão a instrumentalizar os tribunais para afastar candidatos antissistema. A justiça deve ser imparcial, não política. Se França leva a democracia a sério, precisa de reformar o seu sistema jurídico para garantir que vozes da oposição — por mais controversas que sejam — não sejam silenciadas por via legal.
No dia 31 de março, um tribunal francês decidiu que o Rassemblement National utilizou indevidamente fundos do Parlamento Europeu para pagar a funcionários do partido que foram apresentados como assistentes parlamentares. Resultado: uma multa de 250 mil euros para o partido e penas de prisão suspensas para vários dirigentes. Para muitos, isto foi celebrado como uma vitória moral — a prova de que os populistas não estão acima da lei.
Mas sejamos francos: quando o sistema jurídico só parece mostrar os dentes a certos políticos — precisamente àqueles que o sistema mais teme — temos um problema.
A corrupção política em França não é novidade. De Sarkozy a Fillon, políticos centristas e conservadores enfrentaram investigações e condenações. Mas o discurso é outro. No caso deles, trata-se de "erros pessoais", de "lapsos éticos". Com Le Pen, tudo é retratado como uma ameaça existencial à democracia.
E é aí que está o verdadeiro problema. Isto não é sobre responsabilizar todos os políticos — é sobre eliminar os que desafiam o sistema. Le Pen pode ser polémica, mas representa milhões de franceses que se sentem ignorados por Bruxelas, por Paris e pelas elites que se alternam no poder com um sorriso mediático e discurso ensaiado.
E o padrão repete-se pela Europa fora. Na Alemanha, o partido AfD está sob constante vigilância. Em Espanha, o Vox enfrenta processos jurídicos que coincidem, curiosamente, com períodos eleitorais. Em Itália, Matteo Salvini foi levado a tribunal por “sequestrar” migrantes — e o caso acabou por desaparecer discretamente. Coincidência? É difícil de acreditar.
Isto não é justiça — é instrumentalização da lei: o uso estratégico da justiça para eliminar rivais políticos. E é profundamente antidemocrático.
É claro que, se o partido de Le Pen violou a lei, deve enfrentar consequências. Mas a responsabilidade só tem valor se for aplicada de forma igualitária. Quando a lei é usada seletivamente, transforma-se numa ferramenta de poder — e a democracia passa a parecer um jogo viciado.
Então, o que fazer?
França deve seguir o exemplo de países como a Dinamarca ou os Países Baixos, onde os processos jurídicos envolvendo políticos são supervisionados por conselhos jurídicos independentes, protegidos contra qualquer influência governamental. Ao contrário de França, onde os procuradores mais poderosos respondem ao Ministério da Justiça — um cargo político — nesses países há um verdadeiro “muro de separação” entre justiça e política.
Seria também sensato criar um gabinete independente de ética e fiscalização política, semelhante ao Crown Prosecution Service do Reino Unido, que atua com total autonomia face ao governo. Estas medidas protegeriam a integridade da justiça e assegurariam que decisões jurídicas não são ditadas por sondagens, manchetes ou interesses partidários.
Isto não é radical — é essencial para qualquer democracia que se queira saudável.
A condenação de Marine Le Pen pode parecer uma vitória da justiça, mas também é um sinal de alerta sobre a facilidade com que a justiça pode ser instrumentalizada. Se começamos a usar os tribunais para derrotar adversários políticos em vez de os enfrentar nas urnas, então não estamos a proteger a democracia — estamos a corroê-la. A França precisa, com urgência, de reforçar a independência jurídica e impedir que os processos jurídicos se tornem armas de manutenção do poder. Porque a justiça, se for realmente cega, não pode espreitar para as urnas antes de decidir a sentença.