Reportagem Especial
Angola vive um momento de tensão que poderá definir o rumo político do país nas próximas décadas. Ao centro da tempestade está Alberto Catengue, antigo quadro da UNITA, ativista político e escritor, que lançou um ultimato de quinze dias ao Presidente João Lourenço e ao MPLA. A mensagem foi inequívoca: ou o regime aceita negociar ou enfrentará uma ofensiva popular sem precedentes, com greve geral, desobediência civil e até o risco de um conflito armado.

2002: o silêncio depois da guerra

O cessar-fogo de 2002, que pôs fim a quase três décadas de guerra civil, trouxe para muitos angolanos a esperança de uma nova era de estabilidade. Mas, para Catengue, a paz veio acompanhada de um outro fenómeno: um país politicamente paralisado, mergulhado no que descreve como “neocolonialismo interno”.

“A população estava traumatizada, desmobilizada, sem acreditar que fosse possível reformular ou derrubar o MPLA”, recorda. Ao mesmo tempo, via-se um crescimento acelerado da corrupção, da intolerância política, das prisões arbitrárias e da violência contra opositores.

2010: o nascimento do Grupo de Reflexão

Convencido de que apenas a UNITA tinha, à época, estrutura para enfrentar o MPLA, Catengue tentou alterar a sua linha política. Criou, dentro do partido, o Grupo de Reflexão (GR), para forçar uma postura mais combativa e revolucionária.

O movimento rapidamente chamou a atenção do poder. Segundo Catengue, o então Presidente José Eduardo dos Santos tentou cooptá-lo com “propostas milionárias” para integrar o Governo. Recusou.

Essa recusa, afirma, resultou numa ofensiva coordenada para destruir o GR, com a colaboração de figuras da própria UNITA. A repressão incluiu sanções severas contra ele e contra aliados como Abel Chivukuvuku.

2010-2016: da política formal à mobilização de rua

Expulso dos círculos de poder partidário, Catengue passou a apostar em redes mais amplas. Estabeleceu contactos com líderes religiosos, académicos, veteranos de guerra e figuras políticas de vários partidos, incluindo elementos do próprio MPLA.

Em paralelo, dedicou-se a formar jovens ativistas, incentivando-os a organizar manifestações e a desenvolver um pensamento político crítico. Foi nesse período que surgiram os primeiros núcleos do Movimento Revolucionário (MR), que descreve como “a semente que germinou bem, regada pela má governação”.

2017: um plano para travar eleições

A confiança do MR levou Catengue a preparar uma ação radical: impedir a realização das eleições gerais de 2017. O plano acabou por ser cancelado devido a falhas logísticas. O episódio, no entanto, consolidou a sua imagem junto de apoiantes como um líder disposto a ir além da retórica.

2022: a grande oportunidade falhada

Com o país novamente em eleições, Catengue acreditava que o momento para uma ação de grande escala tinha chegado. Mas, segundo conta, partidos da oposição, em especial a UNITA, recusaram alinhar, travando o avanço do plano.

Mesmo assim, as manifestações daquele ano mostraram um elevado grau de mobilização popular, algo que, para o ativista, confirmou a maturidade política dos jovens que vinha formando.

Exílio e o livro “A Mãe de Todas as Bombas”

Perseguido e alvo de investigação por parte do regime, Catengue optou pelo exílio, escolhendo Portugal como refúgio. Em noventa dias, escreveu “A Mãe de Todas as Bombas”, obra que apresenta um diagnóstico da crise angolana e um calendário para a sua resolução, seja por negociação, seja por via revolucionária.

Distribuiu exemplares a figuras de topo da política portuguesa, incluindo o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, o Primeiro-Ministro Luís Montenegro e líderes de partidos parlamentares. Em Angola, o livro foi entregue a João Lourenço e a líderes religiosos e académicos.

O diagnóstico: “98% dos angolanos vivem como escravos”

Na sua visão, a realidade económica do país é a prova maior da injustiça: um salário mínimo de 37,6 dólares por mês, insuficiente para alimentar uma pessoa durante seis dias, confronta-se com rendimentos milionários da elite política.

Citando o exemplo que mais repete, Catengue afirma que a filha do Presidente recebe 201 mil dólares mensais como funcionária do Estado. A disparidade é, para si, “pior que no tempo colonial”.

“Os colonos pagavam-nos mais do que o MPLA paga hoje. Se o outro foi colono escravizador, este é neocolono e também escravizador”, acusa.

Além da economia, aponta a corrupção sistémica, um sistema judicial “ao serviço do regime” e a manipulação mediática como pilares de um sistema que, diz, “nunca deu boa vida aos angolanos em 50 anos de poder”.

O ultimato de agosto de 2025

A 10 de agosto de 2025, Catengue tornou público o seu plano de ação:

  • 15 dias para negociar uma solução pacífica, segundo o modelo proposto no seu livro.
  • Caso não haja acordo, greve geral nacional de dez dias.
  • Seguir-se-á desobediência civil total e ilimitada, incluindo o saque de estabelecimentos para garantir a subsistência da população e dos grevistas.

“Todo povo que não reage à opressão morre escravo. Chegou a hora de dizer basta.”

Entre Mandela e a guerra

Catengue sublinha que prefere uma solução “à Mandela”, com reconciliação e transição negociada. No entanto, adverte que está preparado para um confronto armado se não houver alternativa:

“A guerra nunca foi desejo nem objetivo, mas para o escravo é e sempre foi uma necessidade existencial. Se não restar alternativa ao povo angolano, que remédio!”

Apelos e avisos

O ativista enviou recados claros: aos militares e polícias, pediu que não reprimam a população; à Igreja Católica, apelou a uma intervenção urgente; a Marcelo Rebelo de Sousa, pediu mediação direta com João Lourenço.

Também aconselhou estrangeiros e investidores a reduzirem a presença no país caso a crise evolua para o caos: “Num país em colapso, não há garantia de segurança.”

“Vitória ou morte”

Encerrando a declaração, Catengue foi taxativo:

“Todos angolanos devem e têm obrigação de participar agora, na reforma ou mudança de regime. O mundo da justiça e da liberdade estará connosco. Vitória ou morte, lutaremos até o último homem e a última gota do nosso sangue.”

Para os que optarem por não se envolver, o conselho é simples: “Fiquem em casa.”

Com o prazo a contar, Angola entra num período de expectativa tensa. Se o ultimato for ignorado, as próximas semanas poderão redefinir o destino político do país — e a figura de Alberto Catengue passará, inevitavelmente, para o centro da história angolana contemporânea.