Académicos consideraram que Brasil e Argentina vão manter posições cautelosas em relação às eleições legislativas e presidenciais na Bolívia, a decorrer no próximo dia 17.

"Apesar de ter tido uma proximidade histórica com o ex-presidente Evo Morales (2006-2019), o chefe de Estado brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, tem-se mostrado bastante cauteloso e diplomático no que diz respeito ao país vizinho, evitando assim qualquer envolvimento direto na política boliviana", avaliou a professora auxiliar do departamento de Direito e coordenadora da licenciatura de Relações Internacionais da Universidade Portucalense, Suhayla Viana de Castro.

"No entanto, o Brasil é um importante parceiro estratégico e comercial da Bolívia e os acontecimentos no país vizinho certamente preocupam o Governo em Brasília", disse à Lusa.

Por outro lado, já é notório que o Presidente argentino, Javier Milei, tem-se posicionado abertamente contra a esquerda latino-americana. Em relação ao Governo do atual Presidente boliviano, Luis Arce, Milei fez declarações polémicas, inclusive pelas redes sociais, que estremeceram as relações entre Bolívia e Argentina, considerou a académica.

"A política económica de Javier Milei tem sido citada pelo candidato à Presidência Samuel Medina [de direita e a liderar as intenções de voto] como modelo a ser seguido pelo Estado boliviano", destacou.

Para o historiador e investigador do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa (IHC-UNL) Cristiano Pinheiro de Paula Couto, "em termos políticos, Brasil e Argentina, os dois países mais importantes do subcontinente, poderão utilizar vias diplomáticas para apoiar a lisura do processo eleitoral, em diferentes momentos".

E "na dimensão política, também poderão exercer pressão em favor da estabilidade e da proteção das instituições, se houver, como em 2019, uma deriva de violência social como resultado de suspeitas de fraude no processo", considerou.

O investigador referiu que, a nível diplomático, no âmbito da diplomacia, poderão utilizar cláusulas e mecanismos do Mercosul, bloco económico e político que a Bolívia acabou de integrar como membro pleno, para "encorajarem boas práticas eleitorais".

Pinheiro de Paula Couto acrescentou que "não é certo que haja intervenções positivas desses dois países nas eleições bolivianas, designadamente da Argentina governada por Javier Milei, ideologicamente nas antípodas dos países governados pelas forças progressistas latino-americanas, como a Bolívia. Pode-se esperar de Milei, em situação de fraude, um reconhecimento sumário de triunfos eleitorais que favoreçam forças conservadoras".

"Já o Brasil deve poupar-se de repetir o fiasco realizado nas eleições venezuelanas, quando, reiteradamente, questionou as autoridades competentes da República Bolivariana" da Venezuela, sublinhou o investigador do IHC-UNL, referindo-se à alegada fraude no processo das presidenciais de 2024, ganhas pelo Presidente Nicolás Maduro, no poder desde 2012.

Por seu lado, Giuliano Braga, investigador do Centro de Investigação em Ciência Política na Universidade do Minho (CICP-UMINHO), disse à Lusa que "na América do Sul, devido à característica da integração regional, os outros países da região tradicionalmente não influenciam diretamente nas eleições uns dos outros. No caso da Bolívia, especificamente, vejo mais o andamento da economia e a questão da crise política e económica com um impacto mais significativo nas eleições deste ano".

Braga considerou que "o impacto do Brasil e da Argentina poderá ser visto já durante o mandato do novo Presidente, ao construir os laços diplomáticos com a nova liderança".

Com 12 milhões de habitantes, a Bolívia elege a 17 de agosto os membros do Senado, da Câmara dos Deputados e os próximos Presidente e vice-Presidente.

A UE e a Organização dos Estados Americanos (OEA) vão ter no terreno missões de observação eleitoral antes e durante as eleições.