A 19 de Setembro de 1846, um sábado, bem cedo, Maximino e Melânia sobem as ladeiras do Monte Planeau, cada uma tocando o seu rebanho de quatro vacas.
Maximino tinha ainda por companheiros uma cabra e a fidelidade do cachorro Lulu.
Era meio dia. No fundo do vale o sino da aldeia anunciava a hora de Ângelus, as nossas tão tradicionais Trindades, hoje bem pouco mais que uma saudade. Os pastores conduzem as vacas até à chamada “fonte dos animais” , uma poça de água límpida abastecida pelo regato que desce pelo vale do Sézia, levando-as de seguida à campina Le Chomoir, nas escarpas do Monte Gargas. O calor aperta e os animais ruminam à sombra fresca e reconfortante.
Com os animais em descanso, Maximino e Melânia sobem à “fonte dos homens” e saboreiam aí a mais frugal das refeições: um pedaço de pão acompanhado de queijo caseiro. Juntam-se outros pastores iguais na idade e o diálogo começa.
Uma outra vez sós, Maximino e Melânia atravessam o regato, descem até encontrarem dois assentos improvisados com pedras empilhadas. Ela pousa a mochila e ele a jaqueta. Estendem-se sobre a relva e adormecem.
Melânia acorda sobressaltada porque não tem a noção do tempo consumido na apetecida soneca. Sacode Maximino e pede-lhe que o acompanhe na procura das vacas. Vacas que, afinal, pastavam tranquilamente mesmo ali a dois passos.
Melânia regressa ao local de descanso. De repente assusta-se e diz ao companheiro que olhe o clarão de fogo.
Mas de entre a gigantesca bola de lume agiganta-se uma figura de mulher, em atitude de rara beleza, a cabeça entre as mãos e os cotovelos sobre os joelhos.
A bela Senhora fala aos pastores e diz-lhe, naturalmente na sua língua: “Vinde, meus filhos, não tenhais medo, aqui estou para vos contar uma grande novidade”. E continuou na proclamação da sua Mensagem.
Precisamente cinco anos mais tarde, em 19 de Setembro de 1851, D. Felisberto de Bruillard, Bispo de Grenoble, publica o seu “Mandamento Doutrinal” : “Nós julgamos que a aparição da Santa Virgem a dois pastores, sobre uma montanha da cadeia dos Alpes, na Paróquia de La Salette, no Arciprestado de Corps, traz em si mesma todos os caracteres da verdade, e que os fieis têm fundamento para crer nela como indubitável e certa”. Entretanto, anuncia a construção de um Santuário e a criação da Ordem dos Missionários de Nossa Senhora de La Salette, a quem caberia a divulgação da Mensagem.
A 19 de Setembro de 1855, D. Ginoulhiac, novo Bispo de Grenoble, resumia assim a situação: “ A missão dos pastores chegou ao fim, a da Igreja começa”.
A devoção a Nossa Senhora de La Salette em breve ultrapassou as fronteiras de França, desconhecendo-se com exactidão quando chegou a Portugal. Certo é que, assolando o país uma tenebrosa seca, e a fome pairava já, estiolados os campos morriam as culturas e os gados, o Abade João José Correia dos Santos promoveu uma procissão de penitência ao cume do Monte dos Crastos, suplicando chuva, prometendo a erecção, ali, de uma capela em honra de Nossa Senhora de La Salette. Refere a tradição que muito antes de alguns romeiros haverem chegado a casa a chuva caiu abundante. Havia que cumprir o voto. Após várias contrariedades, a primitiva capelinha seria inaugurada em 19 de Setembro de 1880, festejos que carrearam até ali enorme multidão vinda desde a beira-mar até à serra.
Uma devoção que esteve na origem daquele que constituirá, na longa história das nossas terras, o mais sublime exemplo de quanto verdadeiramente pode a vontade dos homens quando reunidos em torno de um ideal comum.
Erguer o nosso Parque em tempos das maiores dificuldades, quando apenas as carências abundavam, sem quaisquer apoios oficiais, desconhecidos ainda o Feder e tantos outras fontes de financiamento.
Talvez possa dizer-se que o Parque de La Salette, nascido pelo entusiasmo de um generoso punhado de Oliveirenses, deve também a sua origem à indiferença e ao desinteresse de alguns.
Indiferença e desinteresse dos que, no ano de 1908, haviam desistido da realização das tradicionais festividades em honra de Nossa Senhora de La Salette. Uma grande agitação atingia violentamente a vida política nacional. D. Carlos fora assassinado em Fevereiro e o filho segundo, D. Manuel, um jovem de dezoito anos, subira ao trono em circunstâncias particularmente difíceis. Os republicanos sentiam aproximar-se o momento do derrube da Monarquia. Entretidos nas querelas partidárias, os habituais organizadores, que se repartiam entre Progressistas e Regeneradores, engalfinhados, não lhes restou tempo para tratar dos festejos.
Foi então que, à última hora, um grupo de inconformados organizou-se em comissão e andou para a frente. A pronta e generosa receptividade das populações do concelho, não só conduziu a uma animada romaria, como ainda, e inesperadamente, deixou nas mãos dos festeiros um avultado saldo.
Da hesitação quanto ao destino a dar-lhe brotou o sonho do arranjo e ajardinamento do árido Monte dos Crastos, missão em boa hora entregue à Comissão Patriótica Oliveirense, um executivo escolhido de entre os promotores da festa de 1908.
O Parque nasceria no dia 7 de Abril de 1909, momento em que aquele solo duro e estéril, esventrado pelas picaretas e enxadas, viu quebradas a solidão e a quietude de séculos e séculos. As máquinas vinham ainda longe. Fertilizado pelo suor desses audazes de vontade inquebrantável, regado, talvez, pelas suas lágrimas, o chão seco e pobre transformar-se-ia, como que num milagre de fé, de amor e de sacrifício, no verdejante e acolhedor recinto que é legítimo motivo de orgulho dos Oliveirenses.
Tristes razões de natureza política subsequentes ao 28 de Maio de 1926 determinaram injustamente a demissão da Comissão Patriótica Oliveirense, a que sucederia a Comissão de Melhoramentos de La Salette, esforçada gestora do Parque, a quem se deve assinaláveis esforços e uma grande dedicação.

(Escrito de acordo com a anterior ortografia)