
O mundo tem vivido em sobressalto nos últimos dias devido aos anúncios de imposições e posteriores retiradas da aplicação de tarifas comerciais pelos EUA aos restantes países. Depois de uma resposta global negativa dos mercados a estas tarifas, Donald Trump “cedeu” e, nesta quarta-feira, decidiu adiar por 90 dias a aplicação das taxas a mais de 75 países, enquanto decorrem negociações comerciais. Exceção feita à China, com a qual a guerra comercial subiu de tom, aumentando os EUA as tarifas para 125%. Em resposta, nesta mesma quarta-feira, o Governo de Xi Jinping contra-atacou subindo as tarifas aos EUA de 34% para 84%. Recorde-se que a proposta dos EUA era impor tarifas de 20% a determinados produtos da União Europeia. A presidente da Comissão Europeia anunciou, já nesta quinta-feira, que as contramedidas da UE vão ser, assim, “colocadas em espera por 90 dias”.
Este é o cenário atual, num momento em que a volatilidade é a característica mais expressiva do que se passa na economia mundial, e estes valores podem mudar a qualquer momento.
Um cenário de incerteza que deixa o setor bancário e restantes ‘players’ económicos apreensivos. “O efeito final é incerto, pois as tarifas podem induzir um efeito de subida dos preços, num primeiro momento, mas a redistribuição das exportações para outros mercados em alternativa aos EUA pode conduzir a uma descida dos preços. A evolução das taxas de juro dependerá, assim, do objetivo que os bancos centrais privilegiem, de riscos de inflação, ou de riscos sobre o crescimento. Por outro lado, pelos efeitos económicos, que serão naturalmente negativos, afetando volumes de negócio, em especial o crédito, assim como a sua qualidade. No global, os efeitos serão negativos”, refere Rui Constantino, economista-chefe do Santander Portugal, ao Jornal PT50.
Também Miguel Sousa, diretor do Mestrado Executivo em Finanças da Faculdade de Economia do Porto (FEP), identifica a incerteza como fator que introduz tensões comerciais e risco de escaladas retaliatórias: “Essa incerteza traduz-se em maior volatilidade nos mercados, quebra da confiança dos investidores e maior dificuldade na avaliação e gestão de risco por parte dos bancos. Ao dificultarem o comércio internacional e travarem o investimento, acabam por reduzir a procura por crédito e agravar o risco de incumprimento, sobretudo em empresas mais expostas aos mercados externos”.
Efeitos no setor bancário
Na perspetiva de Miguel Sousa, as tarifas impostas por Donald Trump enquanto medidas protecionistas “não incidem diretamente sobre o setor bancário, mas os seus efeitos sobre a economia real e os mercados financeiros têm impacto relevante no setor”. O docente da FEP explica que, em Portugal, o impacto é “mais indireto, mas ainda assim relevante”. Tendo em conta que a economia portuguesa depende essencialmente da procura externa da zona euro, “se a imposição de tarifas levar a uma desaceleração económica global, será inevitável um abrandamento no investimento, no consumo e nas exportações nacionais. Isso coloca pressão adicional sobre os bancos portugueses, que poderão ver deteriorar-se a qualidade do crédito e enfrentar maior pressão sobre margens e rentabilidade”, refere Miguel Sousa. Além disso, acrescenta, “se a situação evoluir para um cenário de aversão generalizada ao risco, com impacto nos spreads soberanos, o setor bancário poderá ser afetado ao nível da liquidez e do acesso a financiamento. Em suma, trata-se de uma exposição indireta, mas com implicações reais e sistémicas”.
Também Henrique Tomé, analista de mercados financeiros da XTB, considera que o setor bancário está exposto de forma indireta às tarifas de Trump. Prevê que, a verificarem-se as tarifas, a materialização dessa exposição não ocorrerá “de forma imediata”. No entanto, estes impactos indiretos “poderão refletir-se numa redução da procura por financiamento – em resultado de uma menor propensão das empresas para investir – e num eventual aumento do crédito malparado, especialmente no caso de empresas multinacionais cuja situação financeira seja mais vulnerável e que exportem para economias como a dos Estados Unidos”. Relativamente a Portugal, o analista prevê “um impacto “limitado, uma vez que a economia portuguesa não apresenta uma dependência comercial relevante em relação ao mercado norte-americano”. Isto porque “os EUA não figuram entre os principais parceiros comerciais de Portugal e o volume de exportações para este destino é relativamente reduzido no contexto da balança comercial nacional”.
Mundo à beira da recessão?
Desde que Donald Trump anunciou as tarifas que têm surgido análises dos diversos quadrantes a estimar os efeitos negativos desta guerra comercial. Os próprios bancos norte-americanos, tradicionalmente apoiantes das políticas republicanas, alertaram para o risco de recessão. O banco de investimento Goldman Sachs subiu a probabilidade de uma recessão nos Estados Unidos de 35% para 45%, no início desta semana. O JPMorgan coloca essa probabilidade em 60%, o S&P Global em 30-35% e o HSBC em 40%.
Jamie Dimon, CEO do JPMorgan Chase, alertou na sua mensagem anual aos acionistas que as tarifas podem desacelerar o crescimento económico dos EUA e aumentar a inflação, afetando negativamente a economia nacional e internacional. O sentimento de preocupação com a queda dos mercados e impacto das tarifas impostas por Donald Trump na economia e no setor bancário levou mesmo a que alguns presidentes-executivos de bancos dos EUA se tivessem reunido, à porta fechada, no passado domingo, para discutir a situação.
Nesta quarta-feira, o governador do Banco de Espanha e membro do Conselho do Banco Central Europeu, José Luis Escrivá, advertiu que as políticas dos EUA podem mesmo pôr em causa o estatuto do dólar como moeda de reserva e de refúgio, sendo mais uma entre as muitas análises negativas da políticas comercial dos EUA.
São tomadas de posição do setor contra as tarifas, que se estima propagarem-se por toda a economia mundial. Num mundo globalizado, “Portugal será naturalmente afetado, mesmo que a economia norte-americana não entre em recessão”, refere o economista-chefe do Santander. “A simples incerteza comercial afetará a confiança empresarial, com adiamento de decisões de expansão da capacidade, o que terá efeitos económicos. Por outro lado, há efeitos pelo facto de Portugal ter um tecido industrial bem integrado nas cadeias de valor da Alemanha, França ou Espanha, que podem ser o exportador final para os EUA. Apesar de surgirem muitas estimativas, a incerteza é elevada, pelo que o impacto efetivo não pode ainda ser estimado”, acrescenta Rui Constantino.
Miguel Sousa frisa também que uma recessão nos EUA, sendo a maior economia do mundo, teria efeitos globais. “Portugal sentiria esse impacto, sobretudo por via indireta”, refere. “Uma contração nos EUA reduz a procura agregada global, afeta cadeias de fornecimento e trava o investimento internacional. Mesmo que os EUA não sejam um destino prioritário das exportações portuguesas, os efeitos indiretos sobre os nossos parceiros europeus acabam por repercutir-se na economia portuguesa. Além disso, uma recessão americana tende a provocar instabilidade nos mercados financeiros, afetando taxas de juro, fluxos de capitais e a perceção de risco. Para uma economia de menor escala como a portuguesa, esse contexto pode implicar maior custo de financiamento, menor acesso a capital externo e uma retração do investimento, tanto público como privado”, analisa o professor da FEP.
Por outro lado, o analista da XTB recorda que a situação económica dos EUA tem “demonstrado resiliência, evidenciando apenas sinais de abrandamento económico, em grande medida devido ao cenário de taxas de juro altos que continuam a vigorar no país”. Já a situação económica na Europa “revela-se consideravelmente mais frágil do que a norte-americana. Indicadores recentes relativos a economias centrais como a Alemanha e a França apontam para uma debilidade significativa ao nível da atividade económica”, conclui Henrique Tomé.
Entretanto, já vários lidres vieram saudar a pausa de 90 dias nas tarifas anunciada pelo presidente dos EUA. O governador do Banco de França, François Villeroy de Galhau, saudou “o início de um regresso à razão económica”, mas alerta para a “grande imprevisibilidade’ da política norte-americana. Também Ursula von der Leyen referiu que “tomou nota” desse recuo e que a União Europeia quer “dar uma chance às negociações”. Numa publicação no LinkedIn, nesta quinta-feira, a presidente da Comissão Europeia anunciou que as contramedidas da UE vão ser “colocadas em espera por 90 dias”. Porém, “se as negociações não forem satisfatórias, as nossas contramedidas entrarão em ação”, refere Von der Leyen.