
O acesso a mais competições e eventos desportivos, bem como “odds” mais vantajosas, ou seja, os valores que determinam quanto um apostador pode ganhar, são as principais razões que levam quatro apostadores, com quem o Expresso falou, a recorrer a plataformas de jogo online ilegais. Com idades entre os 28 e os 33 anos, apostam há mais de uma década e conhecem-se entre si. “Existe uma limitação da oferta nas plataformas legais, porque o regulador não autoriza muitas opções amplamente aceites noutros países”, critica um dos jovens. Um exemplo são os e-sports, que representam um dos maiores mercados globais de apostas, mas não estão regulamentados em Portugal. “As plataformas ilegais oferecem mais ligas, como a de sub-19 no futebol, o que nos atrai”, diz outro apostador.
Ainda assim, todos admitem desvantagens, como a “limitação de contas”, uma prática utilizada por casas de apostas para restringir a atividade de certos apostadores com ganhos consistentes. Também há o risco de não receberem os prémios. “Estas empresas acabam por pagar, mas é arriscado acumular grandes montantes, pois podem não pagar e aí não há como reclamar”, alerta um dos entrevistados. Outro critica a falta de apoio ao cliente em plataformas ilegais.
O fenómeno do jogo online ilegal tem vindo a crescer em Portugal, abrangendo tanto apostas desportivas, como jogos de fortuna e azar. “Há sinais preocupantes de aumento do uso de plataformas ilegais, com influenciadores a fazer publicidade a operadores não licenciados nas redes sociais e um reforço da comunicação por parte destas empresas noutro canais”, afirma Ricardo Domingues, presidente da Associação Portuguesa de Apostas e Jogos Online (APAJO). Em 2024, a APAJO apresentou queixas-crime contra 22 figuras públicas, influenciadores e criadores de conteúdos, bem como contra 13 operadores não licenciados. O Ministério Público abriu investigações, mas afirmou ao Expresso que não é possível contabilizar separadamente os casos relativos a plataformas de jogo ilegal.
Questionado sobre a dimensão do fenómeno, o Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ) afirma que o aumento do número de jogadores registados em entidades licenciadas e o crescimento do volume de jogo “sugerem a crescente escolha por um ambiente regulado e controlado de jogo”. Explica, ainda assim, que “os jogos de ‘slot machine’ e ‘vídeo póquer’ são os mais praticados e explorados ilicitamente”.
O perfil dos jogadores que recorrem a plataformas ilegais de apostas online é maioritariamente jovem, com destaque para a faixa etária dos 18 aos 24 anos. Apostam com mais frequência e gastam quantias mais elevadas, segundo a APAJO. “São jogadores vulneráveis. Falamos de menores de 18 anos, que recorrem a estas plataformas por não conseguirem jogar no mercado regulado devido à verificação de identidade, e de jogadores com problemas de adição, que pedem autoexclusão nas plataformas legais, mas acabam por jogar nas ilegais”, explica Ricardo Domingues.
Sobre os operadores ilegais, diz que o “problema mais comum e mais grave” são as plataformas criadas de raiz para operar ilegalmente, “algumas com ligações a redes criminosas”. “Não têm qualquer interesse em obter licença para operar em Portugal, devido aos impostos relativamente elevados e, sobretudo, às regras apertadas de prevenção do branqueamento de capitais, que tornariam a operação significativamente mais cara.”
João Afonso, advogado na área do jogo, tem uma visão diferente: “Não são consumidores desorientados, mas grandes apostadores que jogam de forma mais profissional e não utilizariam estas plataformas se achassem que o seu dinheiro estava em risco.” Ainda assim, reconhece que enfrentam riscos, como a falta de proteção. Sobre as plataformas ilegais, diz que “muitas não são geridas por criminosos, mas por empresas licenciadas noutros países, que permitem o acesso a jogadores portugueses”. “Algumas são até mais desenvolvidas e sofisticadas do que as disponíveis no mercado português e são consideradas fiáveis por quem aposta.”
Um relatório da Associação Europeia de Jogos e Apostas (EGBA, na sigla em inglês) referente a 2023 descreve a situação do “mercado negro” do jogo na Europa como estando “a agravar-se”. Ao estarem sediadas em paraísos regulatórios de jogo online como Curaçau ou Malta, por não estarem sujeitas à regulação local portuguesa, não são obrigadas, por exemplo, a cumprir os pedidos de autoexclusão apresentados por jogadores compulsivos - grupo que, em Portugal, e ao final de 2024, era constituído por 292,4 mil cidadãos.
Nem têm de pagar os impostos correspondentes ao jogo, como o Imposto Especial de Jogo Online (IEJO), devido ao SRIJ, de 8% sobre o volume das apostas desportivas e de 25% das receitas dos casinos online. Do montante liquidado em IEJO, a maior fatia (34,52%) cabe ao Ministério da Segurança Social, seguida do Ministério da Saúde, com 16,44%. Deste valor que cabe à Saúde, 1% reverte ao Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), que também trata o vício no jogo, de acordo com a página Aposta Legal.
O Imposto do Selo (IS), a ser liquidado junto da Autoridade Tributária, só incide sobre as apostas físicas do Placard da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), realizadas em agentes licenciados, à semelhança das lotarias. A SCML tem o monopólio das apostas desportivas físicas em Portugal, tal como tem o monopólio das lotarias físicas.
Mil milhões em receitas
Entre os principais “lesados” pelas plataformas de jogo ilegal estão entidades como a SCML, gestora do chamado jogo social, e as incumbentes no sector dos casinos, a Solverde e a Estoril-Sol, todas presentes na Internet com marcas próprias de jogo online. A SCML conseguiu fazê-lo através das apostas desportivas do Placard, ao passo que as restantes disponibilizam, além de apostas de futebol e outras modalidades, jogos clássicos como slot machines e jogos de mesa como póquer ou roleta digitais.
O jogo online legal, por seu lado, movimenta valores já de si significativamente altos. Em 2024, com base nos dados trimestrais do SRIJ, a atividade das 17 empresas licenciadas gerou €1,1 mil milhões em receitas brutas. O que significou €334,7 milhões em IEJO (Imposto Especial de Jogo Online) a entrarem nos cofres do SRIJ no ano passado. Além de que o número de utilizadores registados nestas plataformas legais não parou de subir durante o ano passado, alcançando os 4,7 milhões, mais 15% do que no final de 2023.
De qualquer das formas, as “incumbentes” do jogo territorial manifestam abertamente o seu desagrado sobre o fácil acesso dos consumidores a estas plataformas, que continuam a fugir a qualquer regulação nacional. “É nossa convicção que há uma perda efetiva de vendas por causa do jogo ilegal, mas não é possível concretizar”, diz ao Expresso fonte da SCML, em comentários sobre a totalidade do fenómeno do jogo à margem da lei, incluindo o físico além do online.
“Ainda assim, e apesar de não ser possível saber o volume do que é apostado no ilegal, podemos afirmar que por cada €1000 apostados nessa atividade de jogo ilícita e não nos jogos sociais, o Estado e os beneficiários perdem mais de €280 correspondentes à percentagem de retorno social dos Jogos Santa Casa para a sociedade”, calcula.
Uma estimativa da APAJO, com base em dados do SRIJ, sugere que, em 2024, o Estado perdeu cerca de €248 milhões em receita fiscal devido ao jogo ilegal. "O jogo ilegal é altamente penalizador, quer para a indústria, quer para o Estado, e sobretudo para os consumidores. Estes operadores não garantem a segurança dos dados e transações dos clientes, não obedecem à regulamentação nacional, nem aos cuidados de jogo responsável e não pagam impostos importantíssimos para o país”, diz ao Expresso Manuel A. Violas, administrador da Solverde.pt, que garante que “paga todos os seus impostos em Portugal e coloca os jogadores em primeiro lugar, no cumprimento da regulamentação”. A Betano e a Betclic, as duas plataformas mais pesquisadas na Internet de acordo com o site Aposta Legal, não responderam às questões do Expresso.
Combate ao jogo ilegal
O SRIJ garante que tem acompanhado de perto o jogo e as apostas online ilegais, alertando para os riscos, disponibilizando um canal de denúncias e informando os jogadores, no seu site, sobre as entidades licenciadas. Quando identifica um site ilegal, notifica os responsáveis para o encerrar. Se não o fizerem, solicita o bloqueio da página e, caso esta seja reativada, apresenta queixa ao Ministério Público, explica. Em 2024, de acordo com os relatórios disponíveis no seu site, o SRIJ emitiu 176 ordens de encerramento, pediu o bloqueio de 481 sites e apresentou 15 queixas ao Ministério Público.
Ricardo Domingues considera que são necessárias medidas mais firmes contra o jogo ilegal, como uma maior intervenção das autoridades para punir quem promove plataformas ilegais e eliminar meios de pagamento nacionais, como MB Way e Multibanco, nesses sites. "Falta vontade para atacar o problema por esta via. Parece que existe uma normalização daquilo que é uma atividade completamente ilícita”, critica. Aponta ainda a necessidade de a Google remover esses sites dos resultados de pesquisa. “Os operadores ilegais contornam rapidamente os bloqueios de URL, criando novas versões dos domínios. A Google, ao listar esses sites, acaba por facilitar a sua divulgação, atuando como um ‘proxy’”.
Outra medida essencial é a introdução de mais jogos e produtos no mercado regulado, o “que exigirá alterações nos regulamentos por parte do regulador”, sublinha Ricardo Domingues. “Sem essa evolução, os consumidores vão continuar a procurar no mercado ilegal aquilo que não encontram no legal.”