
Atravessar os Estados Unidos de carro, de Nova Iorque a Seattle, só com pausas higiénicas e cumprindo os limites de velocidade estabelecidos, leva umas 48 horas. É muito tempo para pensar, mesmo que se esteja de férias e apenas se cumpra uma fração do dia a conduzir, aproveitando a oportunidade para visitar algumas das paisagens que vão passando na janela. Para Jeffrey, um empregado de Wall Street de 30 anos, formado em engenharia eletrotécnica e ciências de computação e que chegara a vice-presidente de uma multinacional, esses pensamentos não seriam semelhantes aos de outros meros mortais que viam na explosão das dotcom apenas novidades excitantes e facilidades ou, no máximo, uma oportunidade de ganhar uma fortuna na bolsa.
Para os nascidos no novo milénio, que já estão a pensar desistir de ler isto, cumpre esclarecer que sim, este é um pedaço de "pré-história"; remonta a tempos em que a internet ainda não existia no dia-a-dia da esmagadora maioria das pessoas — o que deve ser-vos tão difícil de imaginar quanto uma época sem eletricidade ou em que os banhos eram um luxo só reservado a uns poucos, e apenas em circunstâncias especiais. Mas é também o momento em que tudo muda, e os tempos de revolução são sempre interessantes. Nesta fatia temporal, potenciadas pela criação da world wide web (www diz-vos alguma coisa?), em 1991, nasciam como cogumelos empresas de tecnologia da informação e comunicação baseadas nessa novidade chamada "internet".
O potencial era infinito e muitos não perderam tempo a entrar no furacão que projetou o índice Nasdaq dos mil aos 5 mil pontos num par de anos, investindo em ações de todo o tipo de tecnológicas. Mas a experiência académica e profissional de Jeffrey Preston Jorgensen dava-lhe uma visão diferente do fenómeno que acontecia à sua volta. Conseguir uma fatia dos doces alheios não valia tanto quanto, tendo o conhecimento e a capacidade, cozinhar o seu próprio bolo e servi-lo aos gulosos investidores. Não desperdiçar o momento era vital e uma vez que a american way empurra ao empreendedorismo, estava no tabuleiro certo. Ter a ideia certa era quase a parte mais fácil: a resposta foi uma startup que se propunha disponibilizar e vender livros online — o melhor produto candidato de uma shortlist que incluía CD, vídeos, hardware e software, porque custavam pouco, havia uma infinidade de títulos e procura no mundo inteiro (bons tempos...).
Numa garagem de Bellevue, Washington, tendo-se demitido do cargo de liderança na D.E.Shaw & Co., Jeffrey montava a sua ideia com investimento caseiro (perto de 250 mil euros dos pais), registada como Cadabra, a 5 de julho de 1994. Mas rapidamente se arrependeria do nome, quando alguém o tomou por "cadaver", levando-o a repensar a empresa e o nome, que deviam ser vistos como algo "exótico", "imenso", "entusiasmante"... e começado pela letra A para surgir sempre no topo das listas alfabéticas.
A 16 de julho de 1995, a Amazon (transportando no nome os atributos da região sul-americana) abria-se ao mundo com a maior coleção de livros alguma vez disponibilizada num mesmo espaço. Reza a história da companhia fundada por Jeff Bezos (o apelido foi adotado do padrasto) que um ensaio de Douglas Hofstadter, Fluid Concepts and Creative Analogies: Computer Models of the Fundamental Mechanisms of Thought, foi a primeira venda do portal.

Em setembro do mesmo ano de 1995, quando o SAPO via a luz do dia em Portugal e num mundo sem Google (como se manteria ainda por três anos), a Amazon alimentava vendas semanais a rondar os 20 mil euros, somando em dois meses de atividade clientes em todos os estados norte-americanos e em 45 países. Um mês depois de o então SAPO - Serviço de Apontadores Portugueses surgir dos cérebros da Universidade de Aveiro para revolucionar o mundo digital, a Amazon surgia nas listas de "O que há de novo" e "O que há de fixe" na www, apresentando-se como a maior livraria do mundo e dois anos mais tarde faria o seu IPO, entrando no NASDAQ a valer 18 euros/ação, em 1997 — preço que, ajustado à inflação, equivaleria hoje a 32 euros por título de uma livraria digital com dois anos de existência.
Em 1998, o negócio alargava-se a outras áreas, começando pela música, com 125 mil títulos (CD e DVD) disponíveis, e em 1999, quatro anos após criar a Amazon, Bezos registava a patente da compra em "1 click" e abria o portal a todo o tipo de produtos como serviço agregador de lojas online, tornando-se um verdadeiro marketplace global. Em dezembro, o fundador fazia capa da Time como Personalidade do Ano.

No ano em que a bolha das dotcom rebentava, 2021, obliterando milhares de tecnológicas prometedoras, a Amazon publicava no seu relatório e contas os números de um sucesso imparável, com 25 milhões de contas registadas, um crescimento de 74% nas vendas internacionais (com Reino Unido e Alemanha a serem os principais mercados fora dos EUA) e lucros operacionais de 59 milhões. E apesar de sofrer os efeitos da crise bolsista, que levou a companhia a ter de despedir 15% dos seus empregados, a viabilidade financeira do negócio mantinha-se robusta. Um investimento inicial de 100 euros nas ações da companhia valia agora mais de cinco vezes mais (553 euros, segundo o documento levado então aos acionistas).
Fast forward a 2014, já com serviços como o Amazon Web Services (2003) e o Prime (2005) a rolar, produtos próprios como o Kindle (2007) a sair que nem pãezinhos quentes e um rol de aquisições de empresas de serviços, logística e software a permitir reforçar o negócio, Bezos aventura-se em novas áreas como o lançamento de um smartphone (uma aventura que terminou tão depressa quanto começou), a compra da Twitch Interactive (jogos), a abertura da primeira livraria física, em Seattle, e a criação da plataforma Echo e da sua assistente virtual, Alexa. O ímpeto expansionista não abranda e nos anos seguintes concretiza-se nomeadamente com a compra da Whole Foods.

Em 2018, cada ação da Amazon vale a módica quantia de 2 mil euros, projetando a capitalização bolsista da companhia para um valor impressionante de 1 bilião de euros. A pandemia de covid viria a representar um golpe de sorte adicional, com as vendas a crescer 37% num ano e os lucros a duplicar, para mais de 6 mil milhões e mesmo sem Jeff Bezos (que decidiu deixar a presidência executiva em 2021, mantendo-se como chairman) continuaria a inovar.
Com a fusão da MGM, a Amazon afirmava-se definitivamente na indústria cinematográfica, com um riquíssimo catálogo de filmes e estúdios próprios para produzir novos conteúdos (como Bosch, Transparent ou Hunters).

O que vem a seguir? Um grande salto que junta Inteligência Artificial (IA) e computação quântica, adivinham os analistas, realçando o papel da Amazon (AWS) como um dos mais entusiásticos investidores em soluções de computação com IA, tendo a companhia comunicado que planeia investir "pelo menos 11 mil milhões de euros para expandir a infraestrutura na Georgia que suporta as tecnologias de IA e cloud". Um investimento que deverá criar um mínimo de 550 novos postos de trabalho altamente qualificados e que se junta a outros movimentos de força semelhante noutras infraestruturas da AWS.
Com estes novos passos, é bem provável que a infografia (abaixo) elaborada pela SMB Compass, que mostra o universo da Amazon, engorde ainda mais nos próximos anos.

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