
Existem histórias com guiões praticamente irrepreensíveis, tanto ao nível do enredo, das personagens ou do final. O regresso de Santi Cazorla ao Real Oviedo, na temporada 2023/2024, enquadra-se perfeitamente nesta descrição, tendo em conta o desfecho alcançado nos últimos dias.
Se não esteve atento, caro leitor, recordamos que a turma de Oviedo, uma cidade espanhola com mais de 215 mil habitantes, conseguiu a subida até à Liga EA Sports, correspondente ao principal escalão do futebol do país. Um regresso aos maiores palcos, após 24 anos de ausência (2000/2001).

15 títulos oficiais
Tendo em conta todas estas peripécias, o zerozero decidiu puxar a fita atrás na cronologia e relembrar o regresso de Cazorla ao clube da sua infância, onde começou a dar os primeiros passos na modalidade. Do salário mínimo permitido pela competição ao momento único com os adeptos. Embarque connosco nesta viagem até Oviedo.
Espanha, Inglaterra e Catar
Antes de passarmos para todos os momentos vividos no passado fim-de-semana, é importante realizarmos uma breve apresentação dos protagonistas desta história. Comecemos pelo Real Oviedo, que é um dos emblemas com mais participações na I Divisão Espanhola. No total, já estiveram presentes em 37 edições, que correspondem a 1192 jogos [pode conferir AQUI todos os participantes].
Nomes como Paulo Bento, Abel Xavier, Michu ou Berto (atleta com mais jogos - 361) fazem parte de um passado glorioso de um emblema quase centenário. Pese embora estas distinções, o clube fundado em 1926 passou por alguns momentos conturbados nos últimos anos, tendo em conta que estiveram afastados dos maiores holofotes do futebol espanhol.
Tudo mudou, no entanto, a 16 de agosto de 2023, altura em que anunciaram, na sequência de um comunicado emitido nas redes sociais, o regresso de Santi Cazorla, um nome bastante conceituado no panorama internacional da modalidade. 15 títulos coletivos conquistados, mais de 80 internacionalizações pelo seu país e diversas exibições memoráveis: existiria melhor reforço do que este, apesar de já estar numa fase descendente da carreira?
A ligação de Cazorla com o Oviedo remonta para 1998, ano em que ingressou nos sub-17. Por lá ficou durante quatro anos, antes de «dar o salto» para o Villarreal. Foi aí, aliás, que se estreou a nível sénior, em 2003/2004. Excetuando a primeira temporada, foi regularmente utilizado.

Em 2006/2007, ainda foi emprestado ao Recreativo, antes de disputar mais quatro épocas com a camisola do Villarreal e uma no Málaga. Os próximos anos, esses, seriam na Premier League, o melhor campeonato do mundo. O Arsenal adquiriu os seus serviços e o espanhol brilhou com frequência. Um jogador criativo, elegante e com capacidade goleadora. 168 centímetros de pura magia nos dois pés.
Findada a aventura nos gunners, voltou a Espanha pela porta do Villarreal, antes de ingressar durante quatro anos no Al-Sadd, do Catar. Partilhou o balneário com nomes como Gabi ou André Ayew, que também deixaram a sua marca com regularidade no futebol europeu. No verão de 2023, o adeus a uma «casa» onde foi bastante feliz, tendo em conta os seis títulos conquistados durante esse período.
«Não quero ser o tipo que veio vender camisolas»
Chegámos, por fim, ao Real Oviedo, agora para o segundo capítulo na carreira de Cazorla. Regressou com outro tipo de estatuto, experiência e, acima de tudo, de qualidade. Afinal, já eram 39 anos nas pernas.
No momento da apresentação, destacou-se um pormenor: o camisola oito pediu para receber, por iniciativa própria, o salário mínimo imposto pela II Divisão Espanhola, além de direcionar 10 por cento das vendas de camisolas para investimento nos escalões de formação do Real Oviedo.
6 títulos oficiais
«Eu jogaria de graça, mas não é permitido. Eles fizeram uma boa oferta. A minha mulher disse: ‘Não, tu não vais para Oviedo ganhar dinheiro, vais para casa para aproveitar, para ajudar'. Liguei ao meu agente: ‘Não quero dinheiro'. Falei com o presidente e pedi para receber o salário mínimo e utilizar os 10 por cento das vendas das camisolas em investimento na formação», referiu pouco tempo depois, numa entrevista ao jornal The Guardian.
«Fui sempre bem tratado - no Arsenal toda a gente gosta de mim, no Villarreal o mesmo, no Recreativo, no Málaga... mas aqui o sentimento e a responsabilidade são mais profundos. Disseram que era um passo atrás, que não havia nada a ganhar, mas é precisamente o contrário. A responsabilidade passa por estar à altura disso. Não quero ser o tipo que veio vender camisolas ou ser um símbolo da formação; quero ser um futebolista», acrescentou ainda.
Ainda assim, o seu início não foi fácil, tendo em conta que só foi utilizado a partir do banco de suplentes durante os primeiros meses. No total, participou em 26 jogos e somou quatro assistências. Ainda chegaram à final do play-off de subida diante do Espanyol, mas uma derrota por 0-2 na segunda mão deitou o sonho por «água abaixo».
Qualidades como jogador e... cantor
2024/2025 marcou uma nova era. Cazorla foi quase sempre titular e voltou a demonstrar a qualidade de outrora. O terceiro lugar na fase regular (a quatro pontos do primeiro posto) alimentou - uma vez mais - o sonho do objetivo. Primeiro adversário? Almería, equipa de Luís Maximiano ou Gui Guedes.
A primeira mão correu de feição (1-2), enquanto a segunda terminou empatada a uma bola (1-1). O grande destaque? Santi Cazorla, pois claro. O camisola oito desenhou um autêntico «golaço» e ajudou a equipa a seguir para os encontros decisivos. O sonho cada vez mais perto e à distância de um desfecho positivo.
Nestes duelos contra o Mirandés, voltou a reinar o equilíbrio: os comandados de Veljko Paunovic perderam o primeiro embate, enquanto o segundo foi decidido apenas no prolongamento (3-1, a.p.). Cazorla marcou um dos golos e saiu aos 72 minutos. Assistiu à festa a partir do banco de suplentes e com grande nervosismo à mistura. Após o apito final, os festejos!
Agradecimentos, invasão de campo e muitas comemorações: o Real Oviedo celebrou o regresso aos maiores palcos. Cazorla foi um dos protagonistas da festa com uma cerveja na mão e até cantou para os quase 30 mil adeptos no Nuevo Carlos Tartiere.
Aos 40 anos, o seu futuro continua a ser uma incógnita (uma das ideias passa pela reforma), mas a história já está escrita. Resta saber se haverá mais capítulos, agora no principal escalão do futebol espanhol...