Se a Emirates na Vuelta 2025 fosse uma série, seria um enredo com diversos polos de protagonismo, uma história que não segue somente um personagem principal, mas que tem tempo para tocar em vários participantes. Há espaço para desafiar Jonas Vingegaard, um bicampeão do Tour, e para ganhar etapas, há lugar para ter destaque nas estradas e nos microfones.

Juan Ayuso, o homem das vitórias e da polémica, está de saída da equipa. A confirmação chegou no dia de descanso, o modo como foi feita não agradou ao talento espanhol, que falou em "ditadura". Não deixa de ser curioso, numa equipa que leva o nome dos Emirados Árabes Unidos, país com profundos problemas de direitos humanos, que se fale em ditadura devido a uma questão de egos numa corrida de bicicletas.

As palavras do jovem apimentaram a novela da Emirates, mas o conteúdo é múltiplo, disperso. De manhã Ayuso critica, à tarde ajuda. Só um pouco, mas ajuda. A 10.ª etapa da Vuelta voltava a ser monupuerto, com a chegada ao alto de El Ferrial Larra Belagua a ser a única grande dificuldade da jornada. No começo da ascensão, Ayuso, criticado pela sede de protagonismo e falta de apoio a Almeida, tentou acelerar para abrir terreno para o companheiro português.

"Podemos correr para não perder ou para tentar ganhar." O comentário do caldense após o final é fiel ao espírito do João Almeida 2.0, mais audaz e ofensivo. O terceiro da geral tentou arrancar a seis quilómetros do alto, voltou a fazê-lo a 4,8 quilómetros da conclusão, procurando aproveitar as zonas mais empinadas dos 9,4 quilómetros a uma pendente média de 6,1%, mas bem mais íngreme no início do que no fim.

O cumprimento entre Vine e Almeida na meta
O cumprimento entre Vine e Almeida na meta Tim de Waele

Almeida tentou vestir a pele de "trator", como o britânico Thomas Pidcock o apelidou depois de tentar acompanhar o ritmo do português na etapa anterior, mas do outro lado estava um Jonas Vingegaard sereno e tranquilo. O dinamarquês respondeu sem sofrimento aparente, teve o auxílio de Matteo Jorgenson e aproveitou a previsível quebra de Torstein Træen, o circunstancial líder da prova, para vestir a camisola vermelha.

Almeida e Vingegaard chegaram colados, o português em 10.º e o dinamarquês em 11.º, juntamente com outros dos principais homens da geral. Na classificação, Jonas mantém os 38 segundos de avanço para João, que segue no lugar mais baixo do pódio. "Não era muito dura", comentaria o português sobre a montanha em Navarra. Não faltarão dificuldades vindouras para voltar a testar o extraterrestre que tenta derrubar.

A multipolaridade da telenovela da Emirates teve mais um protagonista. Jay Vine, que já se escapara para triunfar na etapa seis, voltou a ir para a fuga. A uma mão-cheia de quilómetros da meta, o australiano deixou Pablo Castrillo, espanhol da necessitada Movistar, para trás, escapando entre as bandeiras bascas e da Palestina que ladeavam a estrada. O dia voltou a ser marcado por protestos contra a equipa da Israel-Premier Tech.

Vine chegou ao topo isolado. A Emirates atingiu o póquer de etapas, ainda que tenha parecido mais unida do que antes do descanso. "Demos tudo o que tínhamos", garantiu João Almeida, falando a microfones que esperam mais conteúdo vindo da equipa que, sem Pogačar, acumula focos de tensão. Mas não deixa de ganhar.