Já houve dezoito trocas de treinador nos bancos da primeira liga. É o número mais alto das ligas europeias, se dúvidas houvesse. Ruben Amorim e Rui Borges, num efeito dominó, subiram para patamares superiores e difíceis de rejeitar. Daniel Sousa, por razões que vão além do relvado, não durou muito em Braga e em Guimarães. Outros foram despedidos em posições normais ou até confortáveis, olhando para as expectativas iniciais. Os bancos dos clubes portugueses continuam a oferecer riscos elevados a quem lá se senta e poucos acreditam na ilusão de projecto e desenvolvimento a longo prazo. Não por acaso, o prémio vai para quem ousa fazer diferente.

No início da época, dois nomes soavam de forma algo estranha para os adeptos. Ian Cathro, treinador escocês e antigo adjunto de Nuno Espírito Santo, foi escolhido pelo Estoril e muitos garantiram que seria o primeiro despedido. João Pereira, técnico do Casa Pia, saltou da Liga 3 para a principal liga e quebrou recordes de precocidade. As primeiras jornadas não impressionaram. Havendo gatilho fácil, como noutros lados, nem aqueciam o lugar. Ao invés, a paciência permitiu que fossem moldando as respectivas equipas e encontrando um caminho para o sucesso. Vivem com a manutenção assegurada e valorizando jogadores.

Cathro começou num 4-3-3 nada ortodoxo, em que os médios interiores saltavam na pressão ao corredor lateral. Argumentou com a vontade de acumular gente por dentro, mas a equipa tinha pouco tempo de posse de bola e não juntava os melhores. A certa altura, passou para um 3-4-2-1 e aproximou nomes como Holsgrove e Zanocelo a João Carvalho, um dos melhores jogadores da liga extra-grandes. A mobilidade de Begraoui torna o conjunto canarinho ainda mais imprevisível. Por fora, há condições para que Fabrício (alternância com Pedro Amaral) e Vágner Pina ganhem asas. A identidade ofensiva vem das palavras do escocês - falando em português perfeito, com discurso de ambição invulgar - e passa para o relvado.

João Pereira (Casa Pia)
João Pereira (Casa Pia) Gualter Fatia

Esse sistema é uma espécie de marca do Casa Pia, desde o regresso à primeira liga. Inicialmente, a equipa de João Pereira jogava muito na expectativa, procurando uma organização rigorosa em 5-4-1 e atacando de forma rápida, chamando os alas em profundidade. Aí, destacam-se invariavelmente jogadores como Larrazabal e Leonardo Lelo. Tendo Patrick Sequeira entre os postes e um patrão em José Fonte, não corria demasiados riscos. Aos poucos, foi encontrando argumentos para construir de forma limpa e encontrar Nuno Moreira entre linhas. Explodiu de tal forma que acabou no Vasco. Telasco Segovia, talentoso médio venezuelano, já partilha o relvado com Messi.

O Casa Pia tem um poder de recrutamento acima da média portuguesa, sofrendo algumas consequências. Saiu também Beni Mukendi para o Vitória, o que obriga João Pereira a encontrar novas soluções dentro do plantel. Mesmo que a posição na tabela não se mantenha, o jovem treinador já cumpriu objectivos.

O factor idade também não pesou minimamente no trajecto de Tiago Margarido, que compete acima das possibilidades do plantel. Rui Alves, quando as coisas não estavam a sair, reforçou a confiança no técnico que devolveu os insulares ao mais alto patamar e decidiu dispensar certos elementos do elenco. Não é que o nível tenha subido drasticamente, mas o pensamento ofensivo e o efeito Choupana podem chegar para garantir a permanência. Olha-se para a equipa que subiu e os elementos decisivos saíram praticamente todos, excepção feita a Luís Esteves. Daniel Penha, Soumaré e Matheus Dias, num plantel curto em talento, mostram-se à altura.

Tiago Margarido (Nacional)
Tiago Margarido (Nacional) Gualter Fatia

O mérito de Vasco Matos podia ser explicado apenas pela possibilidade de se mudar para o campeão brasileiro. Rejeitou o Botafogo e dá continuidade ao sonho europeu do Santa Clara, que voltou como líder da segunda liga. É a definição de estabilidade. Manteve o treinador, manteve os princípios, manteve a base colectiva e as figuras do plantel. Antigo adjunto de Filipe Martins, dificulta muito a vida aos adversários a partir da agressividade e do bloco compacto em 5-4-1, tendo argumentos para explorar espaços. Gabriel Silva brilha pela agressividade nos movimentos de ruptura e pela facilidade de remate. Vinícius Lopes, menos rápido, sabe jogar entre linhas e ameaça em zona frontal. MT e Adriano Firmino, noutro plano de notoriedade, também apontam para outros palcos.

Todas estas equipas jogam à imagem do treinador, juntando competitividade e resultados. Em certos casos, com brilho exibicional e espaço para o talento. O outro exemplo está em Arouca, onde Vasco Seabra nem começou a temporada. Já renovou para a próxima época, como claro sinal de recompensa em função do crescimento da equipa. É notório. Além disso, tranquiliza quem lidera a equipa. As decisões sob pressão e para obter resultados imediatos serão sempre diferentes das decisões que podem melhorar os jogadores e valorizar o espectáculo. Quem escolheu o homem certo e confiou no processo, arrisca-se a garantir os objectivos mais vezes do que quem acha que os jogos se vencem na fé.