Foi em Aldoar, freguesia portuense entre a Estrada da Cincunvalação e o limite nordeste do Parque da Cidade, que nasceu Jorge Paulo Costa Almeida, a 14 de outubro de 1971. Um bebé de 4,8 kgs e 51 centímetros, medidas que faziam adivinhar a estampa física de um futebolista que o balneário haveria de consagrar como Bicho. Este é, sim, o início de uma viagem às raízes de Jorge Costa, antigo central do FC Porto que faleceu esta terça-feira.

O mais novo de cinco filhos do casal Lino e Adelaide, que quando o (ainda) pequeno Jorge nasceu eram já pais de Cândida, Isabel, Maria Manuela, Miguel Luís e Cristina. A habitação familiar era um 2.º andar no bairro social da Pasteleira, espaço pequeno para uma criança que desde os primeiros anos primava pelo gosto de andar na rua, a jogar à bola e a andar de bicicleta. Quando surgia uma traquinice, conta D. Adelaide, citada no livro 'Jorge Costa - Capitão', do falecido jornalista Carlos Pereira Santos e do atual diretor de comunicação do FC Porto, Rui Cerqueira, o maior castigo era mesmo a proibição de sair à rua.

Os fins-de-semana deste sócio do FC Porto desde os três anos eram, não raras vezes, passados num campismo, na zona de Cortegaça, município de Ovar, Aveiro, predominantemente com as suas duas paixões como companhia, a bola e a bicileta, pois claro. As duas rodas, ainda criança, permitiam-lhe, por exemplo, acompanhar os passeios do pai com os amigos, desde Cortegaça até ao Furadouro.

A primeira bicicleta de corrida haveria de ser ganha no Natal dos seus 6 anos. O irmão mais velho, Miguel Luís, já tinha uma e o pequeno Jorge reivindicou semelhante. A missão, correspondendo a um desafio da mãe, teria de ser cumprida com sacrifício à mesa da ceia: pouco adepto de bacalhau, D. Adelaide desafiou Jorge Costa a comer, naquele dia, um pouco do fiel amigo cozido, como manda a tradição. A luta foi terrível, mas o vencedor só poderia ser um. E foi.

Primeiros jogos

"Menino mimalho", com "coração de manteiga", Jorge Costa tinha em criança a energia que havia de ser uma imagem de marca como futebolista. Depois de um passeio pela cidade, então com 13 anos, um sábado de manhã, haveria de apanhar o 35 para voltar a casa, mas na iminência de perder o autocarro atravessou-se na estrada e acabou atropelado por um carro. O resultado? Uma fratura na clavícula, que o obrigou à primeira de muitas intervenções cirúrgicas.

Após se entreter nos Canarinhos, a equipa lá do bairro, o Bicho acabou por ir treinar ao FC Foz e por lá ficou. Era central, sempre foi, mas usava o 10 nas costas, número mítico e que era usado por ídolos azuis e brancos com outras missões de cariz ofensivo que sonhava imitar. Por vezes conseguia, ou a sua envergadura física não lhe permitisse avançar no terreno para, aqui e ali, ir mancando uns golos. O primeiro jogo, no Candal, haveria de começar de uma forma bem caricata, com muitos dos miúdos, incluindo o próprio, a deslocaram-se a Gaia numa carrinha funerária, da Funerária da Foz, propriedade do pai de um dos colegas de equipa.

Antes da primeira época terminar, foi chamado pelos responsáveis do modesto clube portuenses e informado de que os gigantes locais estavam à espreita: FC Porto, Boavista e Leixões. A escolha era óbvia e 50 contos permitiram aos dragões compensarem o modesto vizinho. "Aconteceu o que mais queria! O FC Porto sempre foi o meu clube. Ia ver os jogos com o meu tio, vivia intensamente todos os momentos, bons e maus. Tinha na minha frente o fascínio de vestir aquela camisola. Não hesitei e sei que fiz bem. Contei com o total apoio do meu pai, que foi decisivo ao dar-me toda a liberdade para escolher", contou o próprio, ainda naquele livro da Prime Books editado em 2005. 

Destino: Antas

A partir daqui, os treinos eram do outro lado da cidade. A equipa: os juvenis do FC Porto. Era todo um Mundo novo e um Mundo para levar mais a sério. Um dia, Jorge Costa faltou a um treino e Costa Soares, então responsável pelos jovens azuis e brancos, pediu justificações. Uma novidade para quem geria a sua 'carreira' tanto no Canarinhos como no FC Foz. Agora dragão, a estrutura, os benefícios mas também as responsabilidades eram outras. Costa Soares haveria de ser uma das referências do Bicho na sua formação, tal como Augusto Inácio (adjunto da casa), Carlos Queiroz e Nelo Vingada (selecionador e adjunto na seleção de sub-20).

"Eu gostava de usar um penteado com uma palinha. Num dos meus primeiros treinos, o Costa Soares perguntou-me se era porque eu vinha da Foz e apanhava muito vento na viagem de elétrico. Não achei grande piada, mas eu, que tinha resposta para tudo, fiquei-me. Percebi que tinha entrado num sítio onde nada era deixado ao descuido", recordou, tal como as noites entre amigos mais curtas, porque havia uma tarefa para cumprir, em campo, no treino seguinte. As regras estavam à vista, o destino traçado e tinha apenas um caminho: ganhar, mais e mais.

E foi mesmo assim. A primeira chamada à seleção nacional, sem sequer ter passado pela elite regional, chegou aos 14 anos e era o sinal inequívoco de que o futebol tinha de fanhar primazia. A carreira foi aparecendo e a escola foi ficando em 2.º plano, terminando num 11.º ano praticamente concluído. Afinal, a bola tinha razão e chamava por Jorge Costa. Central, Bicho, capitão.