O futebol jogado por mulheres não é de agora, longe disso, mas as fundações atuais são recentes e remontam a 2016, quando a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) resolveu convidar os clubes da I Liga masculina a formarem equipas femininas. Nessa chamada, o Sporting e o SC Braga anuíram, vamos a isso. Dois anos mais tarde, o Benfica seguiu o exemplo e pelo meio usou-se um pincel grosso para pintar história no futebol nacional: em 2017, a seleção nacional qualificou-se, pela primeira vez, para o Europeu.

A tela, com o tempo, virou curta face à quantidade de tinta a carecer de espaço para ser usada. As encarnadas foram a primeira equipa, entretanto, a jogar na fase de grupos da Liga dos Campeões (antes, quando o Ouriense e o SC Braga sobreviveram à primeira fase, só existiam eliminatórias) e, na última época, a medir a sua sorte nos quartos de final. Em 2022, a seleção repetiu a presença no Campeonato da Europa. No ano seguinte, as portuguesas foram até aos antípodas para se estrearem no Mundial, ficando, na Nova Zelândia, a um remate ao poste contra os EUA de irem à fase a eliminar.

Em todos estes exemplos, o truque que semeou a terra foi o mesmo: quis-se investir, os frutos apareceram.

Para lá de atrasado na chegada à festa, o FC Porto aterrou no futebol de mulheres neste 2024, tarde mas a boas horas, quando o presidente eleito André Villas-Boas prometeu e cumpriu a criação de uma equipa feminina para esta temporada. O projeto fundou-se, contrataram-se jogadoras e o clube vai competir na III divisão, o último dos escalões nacionais. Para este domingo estava agendado o jogo de apresentação aos sócios e o sinal prévio foi logo dado - a partida ia ser no Estádio do Dragão. Não em campos secundários de treino, ou alugados a outras instituições.

E os adeptos responderam à chamada. No encontro frente à União de Leiria, adversário que competirá na mesma divisão, o FC Porto ganhou por 9-0, arrancando repetidas ovações das animadas bancadas onde estiveram 31.093 pessoas, um recorde de assistência em Portugal apesar de a partida não ser oficial. A melhor marca num jogo a contar pertence ao Benfica-Sporting jogado no Estádio da Luz, em março de 2023, a contar para a Liga BPI, numa das raras ocasiões em que o clube encarnado abriu o seu principal recinto à equipa feminina.

O jogo de apresentação do FC Porto foi também transmitido no canal de YouTube do clube, no qual chegaram a estar mais de 10 mil pessoas a assistir, outro sinal de que há interesse, existe público, caso haja igualmente vontade. A “adesão brutal” foi elogiada por André Villas-Boas, no relvado, ao relevar “o dia absolutamente histórico” que serviu, “dúvidas houvesse” em relação “à força do futebol feminino e da falta que faz” ao clube, para dissipar dúvidas.

“Havia muita ansiedade sobre a entrada do FC Porto no futebol feminino sénior com um projeto digno do seu nome. A adesão foi maciça, apareceram muitas jovens jogadoras para as captações, conseguimos também com a ajuda de outros clubes montar equipas competitivas, porque fomos atrair muito talento de clubes que nos rodeiam e permitiram que elas viessem representar o seu clube do coração, agradecer-lhes também esse esforço”, explicou o presidente portista, lembrando que a chegada atrasada do clube obrigará a “recuperar alguns anos em atraso” em termos de infraestruturas, pois “estas miúdas vão precisar de condições de treino e não andarem com a casa às costas”. A Cidade Desportiva do clube, que está em construção, ajudará a esse propósito.

Até lá, abrir as portas do Estádio do Dragão às mulheres que calçam chuteiras pelo FC Porto parece ser decisão que retribuirá com proveitos. Perante a massa de gente, os festejos nas bancadas e a adesão dos adeptos, várias figuras do futebol feminino português aplaudiram publicamente: Tatiana Pinto, jogadora do Atlético de Madrid e da seleção nacional, elogiou o feito, pondo “os clubismos à parte”; Ana Borges, capitã de Portugal e do Sporting, partilhou a notícia do recorde de assistência batido; Fátima Pinto, outra internacional e companheira nos leões, aplaudiu, escrevendo “imagens que gostamos de ver”; Mariana Cabral, treinadora do Sporting e recente vencedora da Supertaça de Portugal, fez o mesmo.

Sem os olhares afunilados para os seus próprios quintais que tanto entrincheiram relações no futebol, sem pudores em elogiar clubes adversários, sem quererem saber das arcaicas inimizades de bolso que acham ser anátema fugir a sete pés de qualquer sinal público de cordialidade, várias figuras do futebol feminino português reconheceram o prometedor sinal dado pelo FC Porto. Não foram só as melhores que jogam futebol pelos dragões a terem noção da história que foi feita.