Questionado pela Lusa sobre a situação ocorrida no final do último ano, com Carlsen sancionado a abandonar o Mundial, em Nova Iorque, regressando depois de a FIDE recuar, o presidente da Federação Portuguesa de Xadrez (FPX), Dominic Cross, lamenta a atenção dada a "mais um 'fait divers'".

Para Cross, há "duas situações" em torno da polémica, a começar por "excesso de zelo de um árbitro, que tomou contornos demasiado drásticos", numa situação que podia "passar por uma sanção ou reprimenda", dando antes lugar a "uma tomada de posição".

Lembrando que este tipo de coisas sucede também em torno de telemóveis, brincos ou anéis, dependendo dos torneios e dos jogadores, a nível internacional o dinheiro, entre prémios de presença e patrocínios, levam a maior cuidado com este tipo de regras relacionadas com a apresentação.

"Há uma vontade de promover a modalidade, e a apresentação faz parte. O Carlsen até costuma estar [bem]. Tinha uma camisa e blazer, mas tinha umas calças de ganga. Não sei o que se terá passado para isto ter acontecido", acrescenta.

Em Portugal, onde há cerca de sete mil filiados, diz, "não há um código pré-feito", ainda que haja um cuidado nas provas de nível mais alto, tanto com a apresentação como com o conforto dos xadrezistas, muitas vezes "quatro ou cinco horas em competição".

De resto, Dominic Cross alude ao conflito com a FIDE de Carlsen, um "dos mais conhecidos do xadrez mundial", com títulos mundiais que falam por si, mas também uma mente empresarial, com grande massa adepta.

O 'vice' da FPX Paulo Felizes reforça que esta foi "uma situação rara", num Mundial de rápidas em que Carlsen partilhou o título mundial, após voltar à competição pelo afrouxar das regras pela FIDE, com o russo Ian Nepomniachtchi, ele próprio multado por usar calçado desportivo, ainda que tenha trocado os mesmos na hora da advertência.

"Na nossa federação, nada está regulamentado nos Regulamentos Gerais, mas em cada prova, quer a federação quer os organizadores privados podem incluir cláusulas. Porque os torneios têm prémios em dinheiro, entrega de prémios, coisas em que convém cumprir uma certa formalidade", refere.

Chinelos, calções e bonés são "combatidos", mas Felizes alerta que, no verão e com salas muitas vezes "abafadas", é preciso haver bom senso, o que parece ter faltado no Mundial de rápidas.

Também o 'vice' avalia uma 'guerra' não declarada entre Carlsen e a FIDE, depois de o pentacampeão do mundo advogar os chamados torneios 'freestyle', em que a posições das peças do fundo do tabuleiro são randomizadas, tendo liderado um novo circuito mundial que arrancará em 2025.

"Pretende que o xadrez seja como o ténis ou golfe, em que não há campeão do Mundo, só o número um por ranking. (...) Os jogadores querem rentabilizar a modalidade", afirma Paulo Felizes.

De resto, Carlsen, alegando cansaço, já tinha cedido o título mundial, atualmente na posse do indiano Gukesh Dommaraju, um jovem prodígio que já competiu no Nacional de Portugal pelo GD Dias Ferreira.

Portugal 'veste' as suas seleções para eventos internacionais, os clubes atentam aos seus jogadores no Nacional por equipas, por exemplo, e 'dress code' só no Open da Figueira da Foz -- banidos estão os já referidos chinelos, calções e bonés.

Para já, certo é que está para durar o 'braço de ferro', entre jogadores que advogam maior controlo e poderio financeiro, por darem a cara à modalidade, numa fase em que a Internet trouxe outra popularidade ao jogo, e uma FIDE liderada pelo antigo vice-primeiro-ministro da Rússia, Arkady Dvorkovich, próximo de Vladimir Putin.

O circuito de 'freestyle', mesmo que atraia alguns dos mais mediáticos e titulados grandes mestres do xadrez, "não vai" trazer mudanças de fundo, continuando "a haver campeonato do Mundo", olimpíadas de xadrez, ainda para mais com um campeão do Mundo indiano, representante de uma das potências atuais da modalidade.

Aos 34 anos, Carlsen dá a cara a campanhas de moda, tem várias empresas e patrocínios milionários e tem estado na vanguarda da nova forma de jogar xadrez, procurando atrair novos públicos, com eventos agendados em países como Alemanha, França, Estados Unidos ou Índia, sem sanção da FIDE, que chegou a ameaçar sancionar os xadrezistas que nele participassem com a exclusão dos Mundiais.

Um acordo pouco antes deste Campeonato do Mundo de rápidas permitiu aos dois circuitos 'coexistir', mas a luta pelo poder e influência na modalidade promete continuar.

*** Simão Freitas, da agência Lusa ***

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