Quando um defesa central do Benfica, diga-se também campeão do mundo pela Argentina, se deixou atrair pela bola que Jordi Mboula, extremo de ginga no corpo, magicava, à direita, em dueto com Kanya Fujimoto, uma cratera de problemas ficou escancarada na linha defensiva que sem demoras, sem que os filhos do cabelo à tigela lhe perturbassem o radar, o pé esquerdo do japonês explorou a meias com Félix Correia. O seu passe rasteiro dirigiu-se ao caminho da curta diagonal feita na área pelo outro extremo do Gil Vicente, cujo remate nas barbas do guarda-redes encarnado deu um madrugador (8’) golo a quem estava de visita.

O berbicacho explica-se pela decisão inicial do central esquerdo do Benfica em ir tão ao corredor lateral e a sua atração no posicionamento não ter sido protegida pelo médio mais defensivo da equipa, o vulgar ‘6’, que acautelou a frente do outro defesa central ao invés de ele próprio ir curar o buraco que se abrira na linha defensiva. No jogo espacial do gato e do rato, o valente Gil Vicente, que chegara à Luz a querer jogar de trás, com os laterais recuados na saída de bola, programado a chamar a pressão dos anfitriões e esticar o bloco adversário para tentar ir avançando no campo com passes curtos, tabelas nas alas e jogos de apoios frontais simples, cedo aproveitou um deslize.

De uma questão de espaço, como uma imensidão de vezes o é, brotou o empate (17’) que também pouco tardou. Aliás, do seu manuseamento, curiosamente do mesmo defesa do Benfica, que enquanto um seu colega e compatriota batia um canto ele fugia à marcação direta, indo da marca de penálti até ao segundo poste para pular alto, encostar a cabeça à bola e surripiá-la além-alcance Andrew Ventura, o guardião apanhado em contrapé. Quando marcou, o Benfica ainda não se encaixara bem, nem assim-assim, no jogo de posição do Gil (cada peça no seu sítio, sem trocas, todos a aguardarem o seu tempo para executarem a sua função consoante a bola), mas já descobrira, a atacar, onde estariam as suas chances.

A partir do golo, vendo os espaços sobrepovoados pelos de Barcelos no centro do campo, os encarnados abusaram com intuito do jogo exterior. À direita, apesar da repetição de um central adaptado a lateral, o médio norueguês repetia-se nas corridas apontadas à profundidade e com mira especial posta na frente do extremo desse lado, para com ele arrastar marcações e livrar o colega de atenções. Num desses movimentos, o médio teve bola, quis cruzá-la, ela desviou no pé de Sandro Cruz e esse toque fê-la ir teleguiada a um jogador do Benfica que nem precisou de saltar para até de cabeça mostrar que da Turquia trouxe uma relação especial com o golo.

Talvez quatro parágrafos sem tratar os jogadores do Benfica pelo nome, só porque sim, sejam suficientes, por aqui não funciona, nem serve quem lê, a réplica da vontade insistida pelo treinador do Benfica, que então teria sempre que ser apenas mencionado assim, o treinador do Benfica, e não como Bruno Lage, o homem que na conferência de imprensa da sua segunda apresentação oficial no clube quis apertar a mão, diante das câmaras, aos jornalistas na sala, para semanas volvidasinterromper um deles, três vezes, por não apreciar que tratasse Rui Costa pelo que tem escrito no cartão de cidadão ao incluir o presidente do clube numa pergunta.

As pessoas, por arrasto os jogadores, têm nomes e o segundo golo do Benfica veio de Kerem Aktürcoglu, atacante de finalizações fáceis e atração constante pela baliza, que marcou na estreia, depois em Belgrado antes de deixar duas assistências no Bessa e no retorno à Luz voltar a marcar para segurar uma varinha mágica imaginária e replicar os gestos de um feitiço ficcionado por Harry Potter. Depois, de pé esquerdo, o turco teria outra bola que fez sussurrar algo à barra da baliza, outra ainda com a chuteira destra. Em qualquer redondeza da área que descubra para ter espaço, Aktürkoglu procurava finalizar a jogada.

O Benfica acelerou um pouco a sua feitura das coisas quando regresso para a segunda parte, o ímpeto maior, a intenção a mesma. Carreras na esquerda a associar-se em combinações curtas com o turco e, do outro lado, Aursnes a explorar a frente de Di María ou a alternar com as desmarcações interiores de Tomás Araújo para também tirar um jogador das imediações do argentino, para este receber a bola à vontade. Ele tentou rematar, Aktükoglu faria outra vez das suas, embora inofensivo, os encarnados mantinham o apetite por gerar perigo pelas alas.

Mas, com a equipa a emagrecer na sua relação com os apoios frontais prestados por Pavlidis, avançado cada vez mais procurado pelas jogadas do Benfica para se evadir da pressão, o produto final dos seus ataques mirrou com o tempo, porventura também afetado pela discussão da posse que o Gil Vicente mantinha na Luz. Guiados pela fina bota esquerda de Fujimoto, a dar-se ao passe por onde quis, aos jogadores treinados por Bruno Pinheiro para as combinações curtas e criarem superioridades em espaços reduzidos faltava acelerar a jogada nas ocasiões em que se soltavam das amarras do Benfica para lá da dependência que tinham em Félix Correia para tal acontecer.

O algo pachorrento ritmo do jogo, apesar de bem jogado, ameaçou decair um pouco mais por volta dos 70 minutos, no momento em que Bruno Lage trocou três dos quatro jogadores mais vidrados em atacar. Sem que a dinâmica exultasse com isso, foi um passe rasteiro de Benjamin Rolheiser, a partir da direita (onde o argentino recebe a bola com o seu pé esquerdo a ver o campo todo) a descobrir Zeki Amdouni entre linhas, ao centro, onde o suíço rodopiou com a sua facilidade em bailar com a bola e disparou, de pé esquerdo (78’), o 3-1 castigador para a lentidão atacante do Gil Vicente e ainda mais punitivo para o alastramento dessa passividade.

Em concreto, a defesa da bola parada da equipa de Barcelos, porque outra vez num canto e de novo com a cabeça de Otamendi presente, Florentino Luís fez o quarto golo (90’) após um desvio do argentino. E, depois, um cruzamento inócuo de Prestianni provocou uma saída escorregadia de Andrew Ventura da baliza, trapalhão a fazer-se à bola que Rolheiser, com sua matreirice por perto, aproveitou para fechar o farto 5-1. A história guardará a goleada, o resultado não decifra o que o campo mostrou, intuindo um desequilíbrio que não foi tão grande quanto os números.

À quarta partida veio a quarta vitória, a fartura de golos (14) empanturrou-se, foi mais um resultado de conforto para almofadar um pouco mais uma equipa em construção. O Benfica do treinador do Benfica, respeitando as preferências de quem o treina, vai crescendo.