A espera acabou. Os adeptos do Newcastle viveram na tarde de domingo (no eterno estádio de Wembley), um dos capítulos mais brilhantes da história do seu clube, pelo qual têm um amor absolutamente incondicional.

Os “magpies” venceram o Liverpool por 2-1 e puseram fim a um interregno de quase 70 anos sem ganhar um título doméstico.

Para conquistar esta Taça da Liga, o Newcastle eliminou Nottingham Forest, Chelsea, Arsenal (com um resultado de 4-0 ao cabo de duas mãos) e por fim, o Liverpool. Apenas e só o atual top 4 da classificação da Premier League. Um percurso simplesmente fabuloso!

Há dois anos atrás, deu-se a primeira e dramática incursão ao estádio de Wembley desta equipa do Newcastle, na qual os jogadores do Newcastle acusaram a pressão e realizaram uma exibição paupérrima frente ao Manchester United, tendo perdido essa final de forma inglória, sendo que a equipa e os adeptos acabaram lavados em lágrimas.

Desta vez, não queriam ser impotentes perante a teórica superioridade do adversário e queriam tomar as rédeas do jogo desde o primeiro minuto, estando à altura da solenidade da ocasião.

A equipa sabia que não podia falhar e realizou uma exibição quase a roçar a perfeição. Beneficiaram de um Liverpool preguiçoso, sem o fulgor físico de outrora e incapaz de exercer o domínio avassalador sobre os seus adversários como nos primeiros meses da temporada, onde eram claramente candidatos a tudo e os alvos a abater.

No domingo, o Liverpool apresentou-se sem chama, como se estivesse desinteressado, parco de ideias e claramente na ressaca de uma eliminatória tão exigente de Champions League, como a que tiveram contra o PSG que culminou com a eliminação do Liverpool em Anfield Road aos pés do clube francês após a marcação de grandes penalidades.

O Newcastle entrou a todo o gás, com uma equipa muito confiante, extremamente compacta e com uma enorme fome de vencer, que literalmente “devorou” e varreu do campo o Liverpool na primeira meia-hora de jogo.

Já perto do final da primeira parte, Dan Burn elevou-se aos céus de Wembley (para ganhar pela enésima vez uma bola áerea ao argentino Alexis MacAllister num dos vários erros táticos grosseiros de Arne Slot na final de domingo) para com um cabeceamento de belo efeito e de longa distância, desfeitear o desamparado Kelleher.

Estava dado o mote para uma tarde mágica, e assim foi. O segundo golo do Newcastle por intermédio de Isak num movimento sublime à ponta-de-lança para se livrar da marcação de Van Djik, foi obtido pouco após o início depois do início da segunda parte (que tinha tido um golo anulado por fora-de-jogo milimétrico uns minutos antes).

Esse golo parecia certificar o tão ansiado regresso Newcastle aos títulos, que apenas sofreu um pouco nos minutos finais depois do Liverpool ter conseguido descontar o marcador por intermédio de Federico Chiesa (internacional italiano que tem sido incompreensivelmente ostracizado por Slot) já no início do tempo de descontos.

Nas últimas semanas, os adeptos do Liverpool passaram de sonhar com o possível e inédito “quadruple” (que consiste em ganhar todos os títulos domésticos mais a Champions League), a “apenas” poderem lutar pelo título da Premier League, o que apesar de ser um título de expressão muito importante, não deixa de ser decepcionante para as expectativas criadas em relação à equipa de Arne Slot, apesar de ser o primeiro ano do técnico holandês ao serviço da equipa inglesa.

Mas nenhum mérito pode ser retirado a esta equipa do Newcastle, que com um descomunal Tino Livramento (secou totalmente o egípicio Salah), um gigante Dan Burn, um meio-campo triturador (no trio Guimarães – Tonali – Joelinton) e um letal Isak, arrasaram por completo o Liverpool e o resultado só peca por escasso.

A vitória do Newcastle foi justíssima e a cidade de Newcastle merecia esta alegria e transformar as lágrimas de tristeza e desespero (vividas na final de 2023), em lágrimas de felicidade suprema.

Quando soou o apito final da boca do árbitro John Brooks, desatou-se a loucura por parte da massa associativa desta equipa tão carismática do Nordeste de Inglaterra.

Houve até adeptos fervorosos do Liverpool (e seus rivais nesta final) que se regozijaram e manifestaram o seu contentamento pela felicidade dos adeptos do Newcastle, o que revela bem como o Newcastle United é um dos clubes mais acarinhados de Inglaterra, e que continua a gozar de um respeito e admiração enormes por parte de qualquer adepto do futebol inglês, desde o Liverpool até ao clube de menor expressão.

Depois de anos de tanto sofrimento e angústia, de constantes ataques (principalmente vindos da facciosa imprensa desportiva britânica), de terem sido motivo de desdém por parte de alguns desses mesmos membros da imprensa e do clube ter estado perto de desaparecer, estes adeptos poderiam gritar finalmente que são campeões.

Sim, é uma Taça da Liga e é a terceira competição de maior relevância no calendário futebolístico inglês (depois da Premier League e da Taça de Inglaterra), mas como disse e muito bem no fim de jogo o seu capitão Bruno Guimarães “Estou muito feliz por estes adeptos. Para eles, este título é como se fosse ganhar um Mundial”.

Claro que muitos podem considerar exagerada esta afirmação. Mas façam esta reflexão caros leitores: Já imaginaram o que é não ter a oportunidade de festejar um título durante quase 60 anos (70 sem um título doméstico) do clube que amam?

Perder as últimas nove finais disputadas em Wembley e ver gerações e gerações sem ter o gostinho de poder viver a emoção única que é conquistar um título, por menor expressão que esse possa ter para os demais?

É com base nisso que afirmo que não é de todo exagerada a afirmação de Bruno Guimarães. Há muitos adeptos do Newcastle, que uma vez que viram terminado esse período interminável de 70 (!) anos sem títulos, se lembraram dos seus avós, dos seus pais, dos seus familiares, de amigos que partilham da mesma paixão pelo Newcastle, e que não tiveram o privilégio de ver um Newcastle vencedor de qualquer competição.

Um desses casos foi o de Alan Shearer (fantástico avançado inglês dos anos 90 e um dos maiores ídolos do clube), que disse que o seu pensamento foi automaticamente redirecionado ao seu pai e o quanto ele queria que ele estivesse ali para poder celebrar com ele este momento tão significante para todos os adeptos da Toon Army (outro dos nomes pelos quais são conhecidas as equipas do Newcastle).

O futebol desperta sensações inexplicáveis e uma delas é claramente o sentimento do adepto. Esse não pode ser avaliado nem quantificado. É algo muito pessoal e transgeracional.

Como referiu o suíço Fabian Schar após a final de domingo, “O futebol é mais do que um jogo, é um sentimento que nunca se desvanece. Momentos como os da vitória na final da Taça da Liga são exatamente aqueles pelos quais nós somos apaixonados por este jogo tão bonito”.

E eu subscrevo inteiramente as suas palavras. Em Inglaterra, a generalidade dos programas familiares aos fins-de-semana, passa por ver pais e filhos, avós e netos em autênticas romarias para ver a sua equipa do coração em jogos ao domicílio ou inclusive fora da sua área de residência (para aqueles que têm mais capacidade económica).

Se não conseguem acompanhar os jogos nos estádios, ficam pregados à televisão ou ouvem o relato numa das rádios locais. A paixão de um adepto inglês pelo seu clube é algo que vai muito além de títulos e de lutar por objetivos relevantes.

Há adeptos fiéis da sua equipa de bairro e que não se tornam adeptos dos maiores clubes de Inglaterra, só para poderem celebrar com mais regularidade.

E nesses últimos 70 anos, os adeptos do Newcastle disseram sempre “PRESENTE”, mesmo com o clube a atravessar graves crises financeiras e administrativas, que fizeram com que o Newcastle batesse mesmo no fundo, tendo sido relegado para divisões secundárias, e tendo lá permanecido vários anos.

E mesmo nesses anos mais penosos, a força da massa associativa do mítico Saint James Park (estádio do Newcastle) foi enaltecida pelos adeptos rivais. Houve jogos do Newcastle com mais de 30 mil adeptos presentes em jogos a contar para divisões secundárias, e isso diz muito do amor que estes adeptos têm pelo seu clube.

O renascer do Newcastle começou a 7 de Outubro de 2021. Nesse dia, o Newcastle anunciou a aquisição do clube por 300 milhões de libras pelo consórcio formado pela PCP Capital Partners, a RB Sports & Media, e liderados pelo Public Investment Fund, fundo estatal administrado pelo governo da Arábia Saudita.

Mas ao contrário de outros projectos megalómanos (como nos anos iniciais dos seus rivais Manchester City, nestes últimos anos insanos do Chelsea e os iniciais dos dos franceses do PSG, entre outros), o crescimento tem sido sustentado e há uma clara política de contratações desportivas.

Os jogadores que foram contratados na janela de transferências de Janeiro de 2022 foram uma mescla de experiência (como os casos de Kieran Trippier e Dan Burn) e de jogadores em clara ascensão e com muita vontade de vingar no maior campeonato do mundo, como o caso do brasileiro Bruno Guimarães (contratado aos franceses do Lyon), e que recusou propostas de clubes de maior dimensão para poder ser protagonista numa equipa como o Newcastle.

Mas o sucesso meteórico do Newcastle não pode nem deve ser dissociado do extraordinário contributo do seu treinador Eddie Howe. No passado domingo, Howe tornou-se o primeiro treinador inglês a ganhar um título doméstico desde Harry Redknapp em 2008 (!).

Mas o seu trabalho no Bournemouth (apesar do seu último ano ter coincidido com a descida de divisão do clube ao Championship), já tinha sido tremendamente meritório. Pegou no clube com apenas 30 (!) anos (depois de uma carreira de jogador abruptamente terminada devido a uma grave lesão) desde divisões inferiores até à Premier League, e isto em menos de sete anos.

A sua nomeação não reuniu inicialmente a consensualidade junto dos adeptos do Newcastle, mas os resultados começaram a falar por si.

Quando assumiu a equipa em Novembro de 2021, a equipa estava em lugares de despromoção e na época 2021/2022, não só a equipa conseguiu garantir a permanência (fruto essencialmente do impacto quase imediato de Bruno Guimarães e Kieran Trippier), tendo ficado num honroso 11º lugar e apenas a sete pontos dos lugares europeus.

No ano seguinte, o Newcastle apenas fez alguns ajustes no plantel. Não embarcou em contratações milionárias de jogadores que poderiam contribuir para uma luta de egos num balneário que já se encontrava consolidado e focado num objetivo comum.

Em declarações à Sky Sports no final do jogo depois de conquistar a Taça da Liga contra o Liverpool, um radiante Eddie Howe referiu que foi fundamental que o clube tivesse mantido a mesma política de contratações e a mesma filosofia, pois dessa forma “conseguimos construir um grupo sólido, em que todos os jogadores dão o máximo pelo clube e são muito unidos”.

E eu considero que esse é mesmo um dos segredos deste Newcastle. Claro que as contratações do sueco Alexander Isak e do irreverente mas muito talentoso inglês Anthony Gordon, contribuíram imenso para a campanha histórica na época 2022/2023 (onde também devo destacar o contributo do paraguaio Miguel Almirón e do avançado inglês Callum Wilson), onde alcançaram um inesperado mas igualmente brilhante 4º lugar da classificação e a consequente qualificação para a Champions League, além da anteriormente mencionada presença na final da Taça da Liga.

Não podemos falar da época 2023/2024, sem abordamos a suspensão da grande contratação que o Newcastle tinha feito naquele mercado de Verão.

Sandro Tonali, internacional italiano que vinha de épocas fantásticas ao serviço do AC Milan, vinha para fazer um dos melhores trios de meio-campo do futebol inglês, ao lado de Bruno Guimarães e Joelinton, mas 3 meses depois de ser anunciado, foi suspenso por 10 meses devido ao seu vício em apostas ilegais, o que o privou de disputar qualquer outro jogo pelo Newcastle até ao fim da época e de jogar o Euro 2024.

Aliado ao fato do Newcastle dispor de um plantel curto e que não abunda em recursos, a equipa “ficou-se” por um honroso 7º lugar na Premier League e teve uma participação decepcionante no seu regresso à Champions League.

É importante frisar que o Newcastle ficou incluído no grupo da morte dessa edição da competição, conjuntamente com os italianos do AC Milan, os franceses do PSG e os alemães do Borussia Dortmund, que foram a surpresa da prova, tendo disputado a final da Champions nesse ano.

Com esse 7º lugar e fruto da conquista da Taça de Inglaterra pelo Manchester United, o Newcastle não conseguiu sequer o apuramento para a Liga Conferência, o que não deixou de ser considerado decepcionante pela direção e houve alguns membros da direção que chegaram a cogitar a saída de Eddie Howe do comando técnico da equipa, o que teria sido um erro monumental e histórico caso tivesse acontecido.

O trabalho de Eddie Howe é absolutamente inquestionável (tal como o de Pep Guardiola no Manchester City), e os dirigentes devem entender que no futebol, perde-se mais do que se ganha, e que a paciência é uma virtude.

Um dos grandes trabalhos de Eddie Howe tem sido com o avançado convertido em médio Joelinton. Um jogador que chegou a ser alvo de comentários jocosos por parte de vários adeptos e repórteres, e que conseguiu transformar essas críticas em rasgados elogios por parte dos mesmos que antes “troçavam” das suas condições futebolísticas.

Aqueles que muitos adeptos do Newcastle, chegaram a considerar “a pior contratação da história do clube”, agora virou um autêntico ídolo. Joelinton é o espelho da alma desta equipa do Newcastle.

Não dá uma bola por perdida, joga com uma intensidade que chega a ser sufocante para os adversários, tem chegada à área (não perdeu alguma capacidade de finalização), uma grande compleição física e é muito importante em lances de bola parada, devido ao seu excelente jogo aéreo.

Eddie Howe tornou Joelinton num jogador total, o que inclusive fez com que tivesse começado a ser convocado para a seleção brasileira.

Joelinton foi contratado no tempo das “vacas magras” em 2019 (proveniente dos alemães do Hoffenheim), antes do Newcastle se ter tornado um clube milionário e esta vitória na Taça da Liga, terá certamente um sabor ainda mais especial para ele, porque manteve-se no clube quando este desceu de divisão, até este regresso aos títulos domésticos.

A sua emoção no final do jogo era evidente, tal como a do capitão Bruno Guimarães, que se tornou mesmo uma autêntica lenda para os adeptos do Newcastle, e onde é tão transparente e verdadeiro o amor que sente pelo clube. A sua voz embargada no fim do jogo, dizendo que Newcastle é uma segunda casa para ele, já é na minha modesta opinião, dos momentos mais impactantes deste ano desportivo.

Claro que os grandes tubarões europeus estão atentos às exibições do internacional brasileiro (assim como as do avançado sueco Isak ou do italiano Tonali), e será difícil não ceder à pressão dos números, mas eu acredito plenamente que estes jogadores que mencionei anteriormente, ganharam genuinamente amor pelo clube, e se virem que o clube lhes dá condições para continuarem a evoluir e ser competitivos, eu acredito que acabarão por permanecer no clube.

Por fim, não posso deixar de mencionar o bom gigante Dan Burn. Que semana fantástica e que história incrível a dele! A sua história de vida e a sua tenacidade merecem um capítulo muito especial neste meu artigo de opinião.

Um jogador oriundo de Blyth (nos arredores de Newcastle), que aos 11 anos tinha sido chumbado como guarda-redes nas captações do Newcastle e que perdeu o dedo anelar da mão direita aos 16 anos, sendo que um ano depois era repositor de supermercado, mas que nunca desistiu do seu sonho.

O menino de Newcastle fez-se homem e depois de ter feito um percurso ascendente das divisões secundárias até brilhar de forma consistente ao serviço do Brighton, voltou às origens em Janeiro de 2022 e viu o seu esforço recompensado durante esta época majestosa com esta semana de sonho, conjugando a primeira convocatória para a seleção inglesa à sua contribuição decisiva para o primeiro título do seu Newcastle ao fim de tantas décadas.

Um herói local era o que mais poderia abrilhantar este conto de fadas vivido pelo Newcastle e pelos seus adeptos. Um jogador que (não desfazendo todos os outros), encarna o espírito “geordie” na perfeição, que sente o Newcastle por todos os poros da sua pele, e que também é muito merecedor deste momento tão singular.

O caminho faz-se caminhando. Será que este Newcastle poderá aspirar a lutar pela Premier League (algo que não acontece desde 1927) já no próximo ano? Considero que o primeiro objectivo será conseguir regressar às competições europeias (se possível à Champions League) até ao fim desta época desportiva, e quem sabe no próximo ano, possam pensar em metas mais ambiciosas.

Os adeptos do Newcastle pensarão que ninguém projetou um Leicester campeão inglês, e o que é certo é que nem há 10 anos, se deu essa proeza.

Se os investimentos continuarem a ser certeiros, se mantiverem todos os jogadores focados num objetivo comum, não considero impossível que o Newcastle possa vencer uma Premier League nos próximos anos.

O céu é o limite e a alma desta equipa do Newcastle é imensa e inesgotável. Jamais podem ser menosprezados. Estou em crer que domingo foi apenas o renascer de um gigante adormecido.