As imagens chegam-nos todos os dias através da televisão ou das redes sociais. Mas o Governo de Israel, liderado por Benjamin Netanyahu, condenado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra e contra a humanidade, continua a negar a existência de um genocídio na Faixa de Gaza.

O primeiro-ministro israelita diz mesmo que “não há fome em Gaza”, contrariando os números de Organização das Nações Unidas (ONU), que aponta para 222 mortes (101 crianças) por desnutrição desde o início da guerra. O discurso é o mesmo do embaixador de Israel em Portugal, Oren Rozenblat, que afirmou, numa entrevista à SIC Notícias, que o genocídio em Gaza é “propaganda do Hamas”.

O discurso oficial de Israel não é, contudo, o de todos os israelitas. No último mês, organizações de direitos humanos israelitas reconheceram pela primeira vez que o país está a cometer um genocídio em Gaza. Esta é também a posição de um grupo de personalidades israelitas judeus que vive em Portugal.

O grupo de signatários inclui figuras ligadas à cultura, ciência, história ou ativismo e integra os nomes de Adva Selzer, Avi Mograbi, Avital Barak, Hagar Yulzari, Jerome Hillel Bark, Liad Hollender, Moshe Behar, Niva Grunzweig e Yael Gil.

“Vergonhosa campanha de negação”

Num comunicado enviado à SIC Notícias, em resposta às declarações de Oren Rozenblat, os cidadãos israelitas residentes em Portugal falam numa “vergonhosa campanha de negação” que “não prejudica só milhões de palestinianos inocentes, mas também colocam em risco a vida de judeus e israelitas dentro e fora de Israel”.

"Não surpreende que o embaixador israelita em Portugal, nomeado por Netanyahu, tenha surgido nos meios de comunicação munido dos argumentos oficiais, num esforço que poderia ser considerado patético, não fosse a situação tão catastrófica. (…) Gritar que só Israel vê a realidade com clareza, enquanto todos os outros estão cegos ou são estúpidos, não transforma uma mentira em verdade. Fomos todos educados a acreditar que nada é pior do que negar o Holocausto - e, no entanto, foi precisamente isso que fez.”

O cineasta diz que, dia após dia, “o mundo observa a dimensão da devastação”, o “massacre indiscriminado da sua população” e, nos últimos meses, “a fome a espalhar-se por toda a Faixa de Gaza”. ”Apesar do que Israel pretende, os seus crimes não ficam escondidos. Só em Israel se desvia o olhar e se insiste que o sol que vemos no céu é, na verdade, a lua”.

“Aplaudimos a decisão do Governo português”

Desde o início da guerra, Irlanda, Noruega, Espanha e Eslovénia juntaram-se aos 10 dos 27 países da União Europeia que já reconheciam a Palestina como um Estado independente. Em julho deste ano, França e Reino Unido deram um passo à frente no sentido de fazer o mesmo. No passado dia 30, Portugal também avançou, numa decisão concertada com outros 14 países.

“Enquanto israelitas judeus a viver em Portugal, saudamos a determinação do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, na sua condenação constante e firme dos crimes de Israel e no seu apelo para pôr fim à guerra e permitir imediatamente a entrada em Gaza da quantidade de ajuda humanitária de que esta necessita urgentemente. Aplaudimos a decisão do Governo português de reconhecer o Estado da Palestina”, refere o documento.

O cineasta de 69 anos, cofundador da organização “Breaking the Silence”, diz que “o simples reconhecimento de um Estado palestiniano não será suficiente para travar Israel”. “São necessárias medidas muito mais fortes, como um embargo de armas e sanções económicas”.

“Mas este é um primeiro passo importante no reconhecimento dos direitos dos palestinianos - não apenas o direito à vida, mas também à liberdade, à autonomia e à autodeterminação. É um passo inicial e essencial rumo a uma reparação histórica de uma injustiça prolongada, da qual os países europeus e os Estados Unidos são plenamente cúmplices.”

Situação agravou-se nos últimos meses

Cerca de 61.500 pessoas morreram na Faixa de Gaza desde o início do conflito, segundo a última contagem no Ministério de Saúde do Hamas. Em julho, as mortes por falta de alimentos dispararam após meses de bloqueio à ajuda humanitária por Israel, que controla todo o acesso ao território.

Também multiplicam-se os relatos de mortes de pessoas enquanto tentavam obter alimentos nos centros de ajuda privados administrados pela Fundação Humanitária de Gaza (GHF), apoiada por Israel e Estados Unidos. A organização Médicos Sem Fronteiras, uma das muitas que critica a GHF, fala em “assassinatos orquestrados” de palestinianos.

No início deste mês de agosto, Benjamin Netanyahu anunciou um plano para a tomada de controlo total da cidade de Gaza, a “melhor forma de pôr fim à guerra” que se prolonga há 22 meses. A ONU alerta para o risco de uma “nova calamidade” no território.