Quase 40 dias desde a invasão ucraniana em território russo, pela região de Kursk, no sul do país, as forças armadas da Rússia anunciaram o arranque de uma contraofensiva de larga escala. Nas últimas horas, o Kremlin alegou a recuperação de uma série de aldeias tomadas pelas tropas ucranianas desde agosto; e, no leste da Ucrânia, onde os russos têm sido capazes de aguentar a linha da frente (ou até de conquistar novo território), aumentam as dúvidas sobre se invadir Kursk valeu mesmo a pena.

A primeira autoridade russa a confirmar a nova ação militar foi o major-general Apti Alaudinov, líder das forças especiais chechenas a combater em Kursk. Na quarta-feira, Alaudinov disse que o contra-ataque, iniciado ao longo dos últimos dias, já levou à “libertação” de “cerca de 10 aldeamentos” perto de Snagost, no flanco ocidental da zona ocupada pela Ucrânia.

“A situação é boa para nós”, afirmou Alaudinov, à agência estatal russa TASS. O oficial russo acrescentou que os ucranianos têm sofrido “baixas pesadas”, admitindo que “a situação continua difícil, mas sob controlo”.

Outro especialista militar russo, Anatoly Matviychuk, afirmou ao jornal russo Moskovsky Komsomolets que mais de 100 quilómetros quadrados foram já recuperados. Na entrevista citada pela BBC, Matviychuk argumentou que “as reservas, reforços e recursos logísticos do inimigo já não conseguem chegar à região de Kursk”.

As informações oferecidas pelo Kremlin e por especialistas afetos ao regime não foram confirmadas por fontes independentes - o Institute for the Study of War (ISW), um ‘think tank’ norte-americano que estuda a guerra na Ucrânia desde março de 2022, escreve esta quinta-feira que “a escala, tamanho e potenciais ganhos dos contra-ataques russos de 11 de setembro continuam incertas e a situação mantêm-se dinâmica”.

Contudo, as alegações de Moscovo são acompanhadas por vários bloggers pró-russos, que órgãos ocidentais apontam frequentemente como fontes mais fidedignas e mais próximas da linha da frente do que o próprio Kremlin. Citado pela Al Jazeera, o influencer russo Yuri Podolyaka comentou que foram tomadas várias aldeias precisamente a oeste da zona ocupada pela Ucrânia, empurrando as tropas ucranianas para a costa este do rio Malaya Loknya.

Para já, o único comentário ucraniano oficial sobre a contraofensiva russa partiu do Presidente, Volodymyr Zelensky, que confirmou à AFP o início de “ações de contraofensiva, que surgiram em linha com o nosso plano ucraniano”. Mas, à BBC, um oficial ucraniano admitiu que, em Kursk, “a luta tem sido muito dura e a situação não está a favor” de Kiev.

Numa conferência de imprensa esta quinta-feira, depois de um encontro como secretário dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, Volodymyr Zelensky voltou a pedir maior celeridade ao Ocidente no apoio militar à Ucrânia e nas autorizações em torno do armamento de longo alcance oferecido pelos aliados. “Temos de ser francos: a demora no processo de autorização para a utilização de armas contra alvos militares no território da Federação Russa leva-os a deslocar esses alvos militares para o interior do seu território”, justificou o Presidente.

Rússia continua a avançar a leste, apesar de ‘distração’ em Kursk

A incursão ucraniana sobre Kursk do passado 6 de agosto, o maior ataque estrangeiro em solo russo desde a Segunda Guerra Mundial, surpreendeu o Kremlin e o mundo, beneficiando das autorizações recentes dos poderes ocidentais para usar artilharia contra alvos em território inimigo. Na altura, os objetivos pareciam claros: distrair as tropas russas, forçar o exército russo a esticar os seus recursos e, assim, potencialmente abrindo espaço a uma recuperação do território perdido no leste da Ucrânia, especialmente nas regiões de Donetsk e Lugansk.

Em agosto, Zelensky assumiu que o ataque era uma tentativa de levar a guerra à Rússia, e ganhar uma vantagem em futuras negociações de paz com o Kremlin, além de criar também uma zona de contenção entre a Rússia e a região de Sumy. Na semana passada, as autoridades de Kiev declararam que controlavam cerca de 100 aldeamentos, ao longo de mais de 1.300 quilómetros quadrados.

Contudo, têm sido cada vez mais notórias as dificuldades das forças ucranianas em assegurar o ritmo da incursão em Kursk. No Donbass, o coração industrial das regiões de Donetsk e Lugansk, a Rússia tem continuado a avançar, mesmo enquanto tenta defender o seu próprio território. Recentemente, Vladimir Putin disse mesmo que a ofensiva ucraniana em solo russo apenas facilitou o avanço das suas forças no Donbass.

“O objetivo do inimigo era preocupar-nos e travar a nossa ofensiva em áreas importantes, especialmente no Donbass, cuja libertação é o nosso objetivo primário. Resultou? Não”, atirou o Presidente da Rússia, em declarações ao Fórum Económico Oriental em Vladivostok, no passado dia 5 de setembro.

Hospital em Myrnohrad destruído por ataques russos
Hospital em Myrnohrad destruído por ataques russos Yan Dobronosov/Global Images Ukraine via Getty Images

Segundo vários meios internacionais, as forças russas estão cada vez mais próximas de Pokrovsk, uma cidade chave na região de Donetsk. Esta quinta-feira, o governador regional de Donetsk anunciou na rede social Telegram que uma série de ataques russos destruiu um viaduto entre as localidades de Pokrovsk e Myrnohrad, e cortou o fornecimento de água para Pokrovsk.

A Sky News, citando o projeto ucraniano ‘open-source’ Deep State, avança que os russos têm avançado lentamente perto de Pokrovsk, nomeadamente junto à localidade de Ukrainsk, onde foram registadas 23 tentativas de quebrar a linha da frente ucraniana.