A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma doença rara que evolui "rapidamente". Em Portugal, estima-se que existam mais de 1.000 pessoas com a patologia, mas este número deverá aumentar. Os doentes deixam de conseguir andar, falar, mastigar e até de realizar pequenas tarefas, têm falta de ar e ficam dependentes dos cuidadores. O músico português Zeca Afonso morreu com ELA, aos 57 anos. Já o físico Stephen Hawking foi a exceção: morreu aos 76 anos, viveu 55 com a doença.

O que é?

Rara, degenerativa e irreversível, a esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma doença neurológica que evolui "rapidamente". Desde o início dos sintomas, os doentes vivem em média entre 3 e 5 anos devido, sobretudo, ao "envolvimento dos músculos respiratórios". Contudo, com o auxílio de suporte ventilatório muitas pessoas poderão viver mais anos. Cada caso é um caso.

A doença pode aparecer em qualquer idade, mas, diz a Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), ocorre com mais frequência após os 40 anos.

De acordo com a Associação Portuguesa de esclerose lateral amiotrófica (APELA), é a forma mais frequente de Doença do Neurónio Motor (DNM).

Alexandra Mineiro, pneumologista da ULS São José e professora, explica que a ELA se carateriza por uma "degeneração progressiva das células do neurónio motor a nível do cérebro e da medula".

"Estas células ou neurónios são responsáveis pelo controlo de músculos que nos permitem a mobilidade, andar, falar, mastigar ou deglutir", explica.

Na prática, diz a APELA, os neurónios motores que conduzem a informação do cérebro aos músculos do nosso corpo, passando pela medula espinhal, morrem precocemente.

A evolução da doença "é variável", mas acaba sempre por "existir um envolvimento difuso de todos os músculos", acrescenta a professora.

Apesar de ser irreversível, os tratamentos "diminuem a progressão da doença e garantem qualidade de vida" para o doente.

"Além disso, existem muitas variáveis que conduzem a diferentes percursos dependendo das características do doente. Por exemplo, em doentes mais jovens a evolução tende a ser mais lenta. Cerca de 10 a 20% apresentam sobrevidas superiores a 10 anos", indica a médica da ULS São José .

KATERYNA KON/SCIENCE PHOTO LIBRA/Reuters

É uma doença "de causa desconhecida", contudo, cerca de 10% dos casos poderão ter origem genética. De acordo com a pneumologista, é mais prevalente no sexo masculino e na raça caucasiana.

A sua prevalência ronda os 5 por 100.000 habitantes na Europa. Estima-se que em Portugal afete mais de 1.000 pessoas, uma prevalência que, indica Alexandra Mineiro, "associada ao envelhecimento populacional, tende a aumentar".

Quais os primeiros sintomas?

Alexandra Mineiro explica, em entrevista à SIC Notícias, que existem "várias formas de apresentação" da ELA. A mais frequente envolve músculos dos braços e pernas, provocando dificuldade "a nível da marcha e da execução de pequenas tarefas", como apertar o colarinho da camisa.

"Existe perda progressiva de força muscular, rigidez e atrofia", refere a médica.

Segundo a APELA, os doentes relatam "pequenas contrações musculares involuntárias, fadiga e cãibas". É comum ocorrerem quedas inexplicáveis, mãos ou pés trémulos, perda de força, voz arrastada, rouquidão. Se apresentar alguns destes sintomas, que persistam ao longo do tempo e se agravem, é aconselhável consultar o médico, alerta a associação.

A especialista consultada pela SIC Notícias refere que a esclerose lateral amiotrófica provoca também dificuldade na "articulação das palavras, alterações na mastigação e na deglutinação".

A perda progressiva dos neurónios motores leva a uma "perda da força e coordenação muscular, incapacidade de subir escadas, andar e levantar". O engasgamento é "frequente".

Com o tempo, os doentes "perdem a capacidade de cuidar de si e ficam dependentes dos cuidadores", ainda que os dispositivos e tecnologias atuais "permitam bastante autonomia". O envolvimento respiratório é "inevitável". Pode traduzir-se em falta de ar, tosse ou dificuldade em estar deitado.

A ELA tem consequências a níveis físico, emocional e financeiro: "São doentes complexos e frágeis".

O tempo entre o início das queixas e a confirmação do diagnóstico, muitas vezes mais do que um ano, é "crítico", diz a médica. No mesmo sentido, a SPP acrescenta que a "inespecificidade e a evolução insidiosa" dos sintomas podem tornar difícil o diagnóstico da ELA.

A identificação da doença, "muitas vezes tardia", atrasa o início dos cuidados e o apoio adequado, refere a também professora.

Canva

Após o diagnóstico, quais os próximos passos?

Depois do diagnóstico, o encaminhamento para um centro com experiência na doença "deve ser imediato", explica a pneumologista da ULS São José.

Além disso, o cuidado multidisciplinar é "fundamental". Isto é, a avaliação nutricional (medidas para superar as dificuldades na alimentação), a avaliação da atividade física e muscular e ajuda em atividades de vida diária.

Deve também ser feita a avaliação da função pulmonar e dos músculos respiratórios. Desta forma, acrescenta a médica, "é possível determinar a melhor altura para começar o suporte ventilatório".

A professora explica que a abordagem num centro multidisciplinar, precocemente, "prolonga seguramente a sobrevida".

Há forma de melhorar a qualidade e tempo de vida do doente?

Não existe cura para a ELA, porém, segundo a Sociedade Portuguesa de Pneumologia, a medicação disponível pode retardar a progressão da doença.

À SIC Notícias, Alexandra Mineiro diz que há "várias terapêuticas" que podem "modificar" o curso da doença e que há novos fármacos a serem testados.

À semelhança da SPP, também a pneumologista diz que os tratamentos atuais são capazes de "melhorar a qualidade de vida em geral", reduzindo o número de infeções e prolongando o tempo de vida. É, por isso, "fulcral englobar" os doentes em programas de reabilitação respiratória.

"Existem várias possibilidades terapêuticas, todas elas conducentes a aumento de sobrevida e melhoria da qualidade de vida, modificando a história natural da doença", assinala a especialista em pneumologia.

Por exemplo, a tecnologia atual permite "facilitar a comunicação e a ventilação mecânica não invasiva, introduzida de forma atempada, permite alívio das queixas respiratórias".

Canva

Por outro lado, a investigação na área da ELA tem sido "gigantesca", assinala a professora e médica especialista em pneumologia. Os estudos genéticos são "promissores", permitindo identificar mutações em genes específicos.

Além disso, será possível em breve compreender os mecanismos da doença e a sua progressão, "caminhando para tratamentos mais definitivos".

Em entrevista à SIC Notícias, a médica refere ainda que os cuidados de fim de vida e as preferências do doente "devem ser discutidos em vários pontos de evolução da doença". O envolvimento de especialistas em cuidados paliativos "permite controlar algumas variáveis, como a dor, a dificuldade respiratória ou a sedação".