De final de outubro ao início de novembro de 2024, da republicana Florida às liberais Nova Iorque e Nova Jersey, a Lusa acompanhou a campanha de Trump que se apresentou como um politico insurgente, de estilo viril, com ideias e posições capazes de confundir e até indignar os parceiros dos Estados Unidos, na União Europeia ou na NATO.
Se nas presidenciais de 2020, que perdeu para Joe Biden, o apoio a Trump era mais discreto, passados quatro anos "tornou-se absolutamente mais aberto", diz Bobby, um apoiante-vendedor de adereços de campanha.
À entrada de uma ação de campanha em Miami-Dade, 'coração' democrata no republicano estado da Florida, o vendedor Bobby só lamentava ter agora mais concorrência na venda de adereços MAGA, enquanto expunha bandeiras com imagens de Trump em cima de um blindado ou reproduções do empresário-político em cartão, em tamanho real.
Tanta concorrência era mau para o negócio, lamentava à Lusa usando um boné vermelho com fios loiros no cimo ao estilo da cabeleira de Trump, e usando uma t-shirt estampada com a imagem da tentativa de assassínio do ex-presidente em Filadélfia.
"Mas isto é a América, meu, toda a gente pode fazer o que quiser... em termos de empreendedorismo", afirmava, enquanto segura uma imagem de cartão do ex-presidente, sorridente.
Desde o atentado contra Trump num comício na Pensilvânia a 13 de julho, a campanha de Trump foi feita de provas de força, uma das mais importantes foi o comício no 'coração' da Nova Iorque democrata, o Madison Square Garden. Um dos convidados surpresa foi o lutador de 'wrestling' Hulk Hogan, que como habitualmente rasgou a sua t-shirt de manga cava em palco, exibindo a musculatura.
No dia seguinte, e uma semana antes das eleições de 04 de novembro, Trump surgiu triunfante num comício no crucial estado da Georgia, prometendo "lutar, lutar, lutar" e "ganhar, ganhar, ganhar".
Se na primeira campanha Trump celebrizou o 'slogan' MAGA ("Engrandecer a América de Novo", em português), quatro anos depois recorria ao mesmo acrónimo para encerrar o comício, presenciado pela Lusa, acrescentando querer "tornar a América mais poderosa de novo, mais forte de novo".
Antes, prometia "defender as fronteiras e os cidadãos do país" de uma "invasão" de imigrantes criminosos permitida pela "fraqueza" da administração Biden de que fazia parte a sua adversária, Kamala Harris, que tentava tornar-se a primeira mulher Presidente da história do país.
Uma mensagem antes secundada no mesmo palco por elementos do "estado maior" da sua campanha, como Stephen Miller - que escrevia discursos para Trump na primeira administração e na próxima terá responsabilidades sobre a imigração - ou por alguns dos seus indefetíveis, como a congressista republicana Marjorie Taylor Greene, eleita pela Georgia.
Como nos vários eventos republicanos que a Lusa presenciou, a 'playlist' para a espera (e atrasos) na subida ao palco dos protagonistas incluía êxitos de música tradicional - latina em zonas hispânicas e 'country' no interior do país - e os clássicos dos Village People, sobretudo "Macho Man".
No exterior, os eventos lembravam uma gigantesca feira a céu aberto, com todo o tipo de 'merchandising' de Trump à venda, desde os tradicionais bonés vermelhos "MAGA" a artigos invocando episódios da campanha como o atentado da Pensilvânia - uma camisola com um gato com uma cabeleira loira dizendo "Falharam - (tenho) 9 vidas, querido" -- ou a condenação por fraude em Nova Iorque - "eu voto no condenado".
Alguns apoiantes, dos mais novos aos mais velhos, davam-se ao trabalho de usar a indumentária típica de Trump: fato escuro, camisa branca e a inevitável gravata vermelha. Sem faltar, claro, a cabeleira loira que se tornou imagem de marca.
Enquanto em 2020 perdeu a Georgia por alguns milhares de votos, Trump viria a ganhar confortavelmente em 2024. Tal como noutros estados "campo de batalha" que decidem as eleições, caso da Carolina do Norte e Pensilvânia, que tingiram todo o centro do país de vermelho republicano. Em todo o país, o seu apoio entre o eleitorado masculino foi esmagador.
Para um ex-empresário que afirmou a marca Trump no imobiliário e a estendeu até negócios improváveis como casas de bifes e universidades - em ambos os casos sem sucesso - o triunfo eleitoral de 04 de novembro foi a coroação de uma forma de fazer política baseada na imagem e na virilidade. Não apenas sobre a sua adversária direta - Kamala Harris - mas sobre aqueles que foi elegendo como os seus "verdadeiros" inimigos - a Justiça que o processou e condenou ou a comunicação social que frequentemente pôs em causa a sua aptidão para ser novamente Presidente, depois do assalto ao Capitólio pelos seus apoiantes em 2021.
Vingou também uma forma de fazer política desligada da tradição, numa campanha que incluiu um discurso com referências ao tamanho do pénis do golfista Arnold Palmer, na terra natal deste na Georgia, ou um comício na Pensilvânia em que em vez de discursar dançou quase uma hora ao som de temas tão díspares como a melodia religiosa "Aleluia" e, claro, "Macho Man".
A própria maneira como Trump dançou "Macho Man" e outros temas tornou-se um ícone da campanha - sem tirar os pés do chão e movendo os braços, junto ao corpo, alternadamente para cima e para baixo.
Além da virilidade de Arnold Palmer, foi elogiando a força de Vladimir Putin ou Kim Jong-un, que o seu antecessor definia como ditadores, criticando a sociedade 'woke', ou marcando presença nas violentas lutas UFC, depois de ser condenado e logo após a eleição, ao lado de Elon Musk.
Uma mensagem repetida em canais muito procurados pelas novas gerações de eleitores masculinos, caso da rede social X (de Musk) e de 'podcasts' com milhões de ouvintes, caso do de Joe Rogan - ele próprio uma figura mediática saída do mundo brutal da luta livre. Se no início da campanha o eleitorado jovem pendia fortemente para o lado democrata, no final a diferença era mais esbatida, sobretudo devido aos homens.
Mesmo perante a possibilidade de pela primeira vez uma mulher entrar na Casa Branca como primeira-dama ou vice-presidente, mas como chefe de Estado, muitas mulheres hesitavam.
Em Newark, epicentro da comunidade luso-americana às portas de Nova Iorque, Maria de Fátima Sacramento dizia à Lusa após votar que seria "importante" para "as mulheres" ter uma Presidente no país, mas que na situação atual do país seria preferível um homem.
"No meu pensamento, uma mulher não é capaz de governar um país como nós estamos nos Estados Unidos", afirmou a reformada, por entre queixas sobre a imigração descontrolada ou a inflação.
Alguns académicos qualificaram o fenómeno mediático que Trump explorou como "hipermasculinidade" ou, de forma mais crítica, "male malaise" ("doença da masculinidade", em português). "É uma reação ao globalismo e aos movimentos #metoo (anti-assédio sexual) e Black Lives Matter (contra a violência policial racista)", escrevia antes das eleições Kristin Kobes Du Mez, professora de estudos de história e género na Calvin University.
Será um Trump triunfante que tomará posse na segunda-feira, no Capitólio, em Washington D.C..
Os cabeças de cartaz já são conhecidos: a estrela da música country Carrie Underwood vai cantar "America the Beautiful" na cerimónia de tomada de posse, mas mesmo antes, numa festa oferecida por Trump no domingo, serão os ritmos "disco" dos anos 1970 dos Village People a animar aqueles que terão oportunidade de privar com o empresário Presidente.
Curiosamente, os Village People foram durante décadas um ícone da comunidade 'gay', e provavelmente por isso fizeram o anúncio quase pedindo desculpas aos seus fãs na sua conta do Facebook: "Sabemos saber disto não deixará alguns de vós felizes, mas acreditamos que a música deve ser tocada sem consideração política".
*** Paulo Dias Figueiredo (texto) e Nuno Veiga (foto), da Agência Lusa ***
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Lusa/Fim