A crise no SNS não parece ter fim à vista e essa realidade deve-se a um conjunto de políticas desenhadas por um Ministério que não tem tido competência em reforçá-lo com o que mais lhe falta: os seus médicos e demais profissionais. Cumulativamente, assistimos a um SNS cada vez mais fragilizado, desta vez fruto da segunda demissão do Diretor Executivo do SNS em menos de um ano de governação de Ana Paula Martins.

O MS recusou negociar com a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) em 2024 e violou a Lei no que respeita os procedimentos da negociação coletiva, que obriga à sua auscultação. Assim, mantém os médicos sem recuperar o poder de compra de 20% que perderam na última década. Ana Paula Martins concedeu apenas um aumento médio inferior a 4%, faseado em 3 anos, até 2027, excluído do aumento para a administração pública. Lamentavelmente, o SNS continuará a não conseguir atrair e reter os médicos especialistas que forma, que continuarão a sair para o setor privado, prestação de serviço e estrangeiro, como ficou patente no último concurso.

A Ministra anuncia como “novidades” medidas que já decorriam da força da Lei, como a contabilização do tempo do internato médico para o acréscimo de dias de férias após cada 10 anos de trabalho, ou a retribuição aos médicos em conformidade com o seu grau após a conclusão do internato. No entanto, os médicos internos - que são um terço da nossa força de trabalho nos cuidados de saúde primários e nos hospitais - continuam fora da carreira, e a maioria dos 7 mil assistentes graduados são impedidos de progredir à categoria seguinte, uma vez que serão abertas apenas 350 vagas por ano.

Este Ministério rejeita investir na renovação dos quadros médicos, mas privilegia a contratação de médicos aposentados e prestadores de serviço, o aumento do trabalho extraordinário e a criação de Unidades de Saúde Familiar, de natureza privada, as chamadas "modelo C”. Estas ações não só não resolvem o problema, como agravam a escassez de médicos no SNS. Exemplo disso foi o último concurso público, onde 75% das vagas solicitadas pelas Unidades Locais de Saúde para médicos de família ficaram por abrir. As vagas para saúde pública e as especialidades hospitalares também não responderam às necessidades reais.

Em 2025 continuamos com mais de 1,5 milhões de cidadãos sem médico de família, vários serviços de urgência encerrados, incluindo na área materno-infantil, e tempos de espera indignos que ultrapassam, frequentemente, a dezena de horas. Muitos utentes, nomeadamente grávidas, crianças e idosos, são deixados à mercê de linhas telefónicas saturadas e de soluções digitais ineficazes e frequentemente confusas para quem, já de si, se encontra fragilizado, enquanto os recursos do SNS são desviados para contratação externa e privada, em detrimento do reforço dos quadros públicos.

A FNAM mantém as soluções, urgentes, que garantem ao SNS mais médicos e evitam a sobrecarga dos que ainda permanecem em equipas que trabalham exaustas e no limite das suas capacidades. Defendemos a revisão da jornada de trabalho semanal, a reintegração dos internos na carreira, a abertura de todas as vagas necessárias para a contratação de médicos, com concursos céleres, equitativos e transparentes para todos os graus e categorias, sem imposição de quotas. Defendemos também o reforço dos direitos da parentalidade, o reconhecimento da penosidade da profissão e a possibilidade de reforma antecipada.

A solução passa pela melhoria das condições de trabalho dos médicos, por via de uma negociação séria e competente, que garanta mais médicos de família, hospitalares e de saúde pública, e salvaguarde o direito da população a ter um SNS à altura de todas as necessidades.