
Ricardo Marques tem 46 anos, três filhas, é licenciado em História pela Autónoma e foi diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Atividade Seguradora. Autarca desde 2013, na Junta de Freguesia de Benfica, onde nasceu, e jogou rugby no Belenenses e na Faculdade. Filiado e eleito pelo PS, foi vogal nas áreas de Educação, Formação e Juventude e tem levado essas bandeiras à liderança da Junta, a que preside desde 2020, tendo assumido a pasta em substituição de Inês Drummond, envolvida na operação Tutti-Frutti, e sido depois eleito, nas autárquicas de 2021, com 46% dos votos. Agora, assume-se recandidato a Benfica e antes de arrancar a campanha às eleições de 12 de outubro, explica quais têm sido as suas lutas e o trabalho que se propõe fazer em novo mandato.
Numa iniciativa do Movimento pela Democracia Participativa (MDP) sobre a perceção de qualidade de vida nas freguesias de Lisboa, Benfica foi eleita a melhor para se viver, apesar de não ser a primeira em nenhuma das categorias. Porquê?
Eu diria que não é uma perceção de agora. Em 2014, um estudo publicado no DN para as 24 novas freguesias surgidas da reforma administrativa de Lisboa serviu de mote para muito do que temos vindo a fazer. E Benfica aparecia orgulhosamente em segundo lugar, só atrás de Santa Maria de Belém, porque é impossível competir com aqueles espaços verdes e património. Mas mais do que a pontuação, o título serviu de mote a esta transformação que fizemos numa década, a uma grande reflexão de como aprofundar as oportunidades de Benfica. O título dizia: Benfica tem tudo menos glamour. E muito do que temos vindo a fazer incidiu, nos primeiros cinco anos, em potenciar o que tínhamos, uma vida de bairro, 36 mil residentes, um parque escolar com 13 mil alunos... e como transformá-los na força motriz para mudar o bairro. Criar e consolidar este conceito de bairro lisboeta, onde se vive, recebe turistas, temos negócios, mas com vontade sempre de valorizar esta relação intrínseca a ser lisboeta.
De que forma?
Lisboa perdeu 70 mil moradores numa década, o que não é positivo, Benfica perdeu 2 mil, mas muitos deles vieram viver para Odivelas, Amadora, Sintra, Oeiras, a coroa norte da cidade. E Benfica tem-se vindo a assumir com este papel de maior centralidade na Área Metropolitana de Lisboa (AML). O maior mercado da cidade é o de Benfica — ainda agora premiado com meio milhão de votos como o melhor do distrito —, de 2014 passámos de mais de 400 estabelecimentos comerciais com porta aberta para a rua para mais de mil, o parque escolar com a vinda do ISCAL e da Escola Superior de Dança para o campus do IPL vai chegar a mais de 13 mil alunos... e é este rebuliço que tem sido a força motriz desta mudança. As pessoas valorizam Benfica pela qualidade de vida: serviços próximos, comércio de todo o tipo, acessibilidades e proximidade de transportes, pessoas na rua. É a vida de bairro. Portanto a escolha não surpreendeu porque temos vindo a ver quanto se tem reforçado estes conceitos.
Há vida de bairro e rejuvenescimento da freguesia, mas um terço dos moradores tem mais de 65 anos. Há o parque florestal de Monsanto, polos universitários, comércio de rua, uma grande oferta de restauração... é muito diverso. Quais são agora as prioridades de mandato?
Dois ou três pontos fundamentais. Um deles, o destaque que temos de dar ao comércio. Este comércio, á que ver que tem mais de 470 estabelecimentos comerciais só das Portas de Benfica ao Fonte Nova e Colégio Militar, este quarteirão que é a Baixa de Benfica é o maior "centro comercial" a céu aberto da cidade. Muito da nossa estratégia passa por aí — candidatámos Benfica a um bairro comercial digital, só há dois no país e um deles somos nós —, ganhar centralidade para a velhinha baixa de Benfica para os vizinhos de municípios que no caminho de casa vêm aqui aos restaurantes, que ao fim de semana fazem compras no mercado, que enchem as nossas ruas, o nosso Baldaya e o Turim de vida. Isto está a trazer resultados e é para continuar, reforçar a centralidade de Benfica enquanto bairro comercial. Porque já ninguém quer ir à Baixa e às Avenidas Novas, os preços são caros, há muitos turistas, filas... e Benfica, Lumiar, Alvalade têm vindo a fazer esse papel de vida de bairro, com lisboetas, com os pregões do mercado.
As pessoas valorizam Benfica pela qualidade de vida: serviços próximos, comércio de todo o tipo, acessibilidades e proximidade de transportes, pessoas na rua. É a vida de bairro.
Um segundo objetivo que foi pedra de toque para nós: como usar um parque escolar público fabuloso que temos e potenciar o envolvimento das famílias com a freguesia. E temos aí um programa de há dez anos em que levamos semanalmente mais de 900 crianças gratuitamente aos clubes para fazerem desporto. a junta pega neles, transporta, fazem o dia de desporto e se quiserem depois inscrevem-se com o clube. Tínhamos nove clubes, hoje temos 29. Temos um programa idêntico para a cultura (teatros, grupos corais) e isso permite forçar o envolvimento das famílias com as escolas através da comunidade. E queremos ter mais novidades, com escolas de dança, de canto, para crescer este ecossistema de vida de bairro.
E que mais?
O terceiro ponto é muito importante: não podemos encarar Lisboa sem uma estratégia de sustentabilidade. este mandato fizemos o maior investimento de sempre na pedonalização de Benfica, com 3 milhões de euros e 3 quilómetros de calçada com pisos confortáveis que vão ter 2,8 quilómetros só num mandato, criação de zonas históricas (Aldeia do Calhariz, com o coreto)... Isto foi um investimento brutal, a câmara apoiou com 400 mil euros, o resto foi dinheiro da Junta. E a ideia foi de novo promover a vida de bairro, ligar o coração de Benfica às pessoas, levá-las a sair de casa confortavelmente e além disso reforçar com a instalação de jardins e corredores verdes. Os dois maiores corredores verdes da cidade estão a ser desenhados em Benfica: um começa no Parque de Campismo de Monsanto, pela Estrada de Circunvalação, do outro lado tem um jardim com 600 m2 que ganhou o prémio de sustentabilidade Lisboa Capital Verde, a Praça do Fonte Nova foi toda arborizada com o projeto Uma Praça em Cada Bairro, o Largo Cura Mariano... até ao Jardim da Quinta da Granja. Portanto, atravessa o comércio sempre com cobertura verde. Do outro lado tem a Mata de Benfica, que atravessa através da Alameda Álvaro Proença, com uma galeria "de arte" digital na rua para todos, alimentado a painéis solares por uma casa em movimento que depois ainda abastece 14 pontos de carregamento de carros.
E o que vem aí além disso?
A seguir vamos ter as traseiras do Palácio Baldaya, em que desenhámos com o IHRU o Jardim da Parada que vai trazer à luz do dia os dois rios que atravessam Benfica pelo subsolo: os arquitetos desenharam os caminhos sobre os rios, que liga à Rua Rep. Bolívia, ao jardim com o elétrico de 1906 que comprámos e regressa a Lisboa como extensão da Livraria Baldaya, onde todos podem ir beber um café, vai ter aulas da Universidade Sénior, sessões de leitura... e que liga à Quinta da Granja. Portanto, tem estes dois atravessamentos oblíquos, baixando a temperatura e com piso confortável para que todos façam vida de rua em Benfica.
Há também uma aposta em atrair quem vem de fora, para viver o bairro de Benfica. Onde é suposto essas pessoas estacionarem? Esse tem sido um tema...
É um problema, sim. Benfica tem uma carência de 6 a 7 mil lugares para quem lá vive, temos uma média de 2,6 carros por habitação (3,2 nas zonas mais saturadas), o que é pesadíssimo. É uma freguesia de construção, a primeira referência histórica vem do século XII mas só os prédios mais recentes têm estacionamento e os rés-do-chão foram todos transformados em loja. Para procurar situações de consenso, fizemos 46 reuniões públicas, fizemos um referendo local ao alargamento de zonas tarifadas em Benfica...
O referendo para trazer mais EMEL chumbou rotundamente.
Diria que os moradores foram claros, porque mais de 9.500, que é uma eleição europeia, pronunciaram-se e o resultado foi categórico. votaram contra 78% e não houve uma só mesa de voto em que o sim vencesse. Mesmo nas zonas EMEL 60% foram contra, porque quando chegam a casa não têm lugar, quando joga o Benfica em casa ou há turnos da noite no Hospital da Luz não há lugar...
Mas então como se resolve?
Com a criação de estacionamento. As zonas residenciais em Lisboa não podem ser o parente pobre do investimento em estacionamento nem pode fugir-se a responsabilidades com o argumento de que há uma empresa municipal mandata para isso; não há lisboetas de primeira e de segunda.
Benfica tem uma carência de 6 a 7 mil lugares de estacionamento para quem lá vive.
Mas onde se cria esse estacionamento?
A Junta apresentou um plano de 3 mil lugares, que supria metade da necessidade identificada em Benfica, na rua. Aliás, a Junta tem estado a fazer 480 lugares à superfície em dois anos, com dinheiro próprio e em negociação com o município, com soluções de pequeno impacto, em arruamentos com passeios largos conjugando sem perder a mobilidade, em zonas de impasse, descampados. Tem algum custo, claro, foi quase 1,5 milhões de euros, mas são zonas em que criamos jardim, equipamento intergeracional e estacionamento. Temos sempre essa marca: crianças e jovens com zonas de street workout, tabelas de basquete, ao lado de zonas de coberta para os mais velhos, quiosques, etc. As esplanadas têm sido aliás diferenciadoras em Benfica, nós queremos mais até porque as esplanadas põem pessoas na rua e isso traz segurança. Os nossos séniores sentem-se mais confortáveis na rua à noite quando há movimento.
Mas voltando ao estacionamento.
Sim, apresentámos esse plano com uma zona grande de estacionamento nas Portas de Benfica, com 500 lugares num parque dissuasor e de apoio ao mercado, que tem 30 mil clientes por semana, ao Bairro das Pedralvas, onde vivem 12 mil pessoas, e de Santa Cruz, onde estão mais 8 mil. E este coração permitiria as pessoas deslocarem-se a pé. Depois tínhamos outro em silo ao alto na rua Rep. Bolívia, que está desenhado pela CML com 190 lugares noutro ponto de entrada na zona histórica. Na Rotunda das Oliveiras, junto a Hospital da Luz teríamos 180 lugares e na estação de comboios mais 220. e assim as pessoas podiam ir a Benfica confortavelmente.
E porque não se faz?
Até hoje não temos resposta da CML. A Junta apresentou o plano e 2021/2022 e está a fazer a sua parte, mas da parte da CML, zero. Nem na zona EMEL, que permitiria criar dois parques que reforçariam e 520 lugares, se fez nada. Não se tapou buracos nas bolsas de estacionamento... e há um ano, sem intervenção, transformou-se o parque em frente ao Colombo, o Parque Navegante, sem obra. Nós não nos juntámos porque gostamos de inaugurar melhorias aos cidadãos...
Mas o que tem impedido que avance?
A falta de vontade da CML em fazer intervenções em zonas que não são tarifadas pela EMEL. Portanto, há lisboetas de primeira e de segunda.
Temos sempre essa marca: crianças e jovens com zonas de street workout, tabelas de basquete, ao lado de zonas de coberta para os mais velhos, quiosques, etc.
Vamos falar de Habitação, outra das suas prioridades e que resultou por exemplo na primeira residência para estudantes totalmente financiada pela Junta, com apoio do PRR. Mas há outras medidas. Foi adjudicada há um mês a obra de 50 apartamentos no Calhariz, mais 18 na Av. Gomes Pereira, em construção modular, com fundos do PRR e no âmbito do 1.º Direito. As casas vão ser mesmo entregues em um ano?
Espero que sim. Quando abriram os avisos do 1.º Direito em 2023, excluiu-se as juntas de concorrer; e até 2024 eu massacrei todos os que pude: vereadores, secretários de Estado, ministros, primeiro-ministro para que isso se alterasse e as freguesias pudessem ser parceiras. Provei que havia forma de as juntas, neste caso Benfica, serem parceiros ativos na construção de habitação. Foi uma luta grande, mas confiaram em nós e a lei foi alterada para o aviso de outubro de 2024. E a Junta de Benfica conseguiu este milagre de, em quatro meses, identificar 272 apartamentos, uns com construção, outros compra de chave na mão, outros de recuperação de devolutos, para entregar até junho 2026. Fizemos o levantamento, assinámos os contratos e as escrituras. Perdemos um ano de construção entre os atrasos do IHRU e as mudanças do sistema, com os dinheiros do PRR a ter de ser usados até ao fim de 2026...
E por isso é que recorreram à construção modular?
Sim, porque tivemos de ser muito pragmáticos, tendo em conta estas janelas temporais e os atrasos na avaliação e aprovação. A primeira lista provisória do IHRU saiu em novembro... com a candidatura a fechar a 31 de março e a lista definitiva a junho de 2025. Por isso tivemos ano e meio, na prática, para fazer casas. Por isso digo que os números que o governo põe na rua são fantasiosos, são mentira. Nós temos candidaturas que ficaram fora nestas listagens porque foram colocadas em março e pedem-nos agora que sejam feitas num prazo que é impossível.
"Eu tive de convencer toda a esquerda e alguns deputados municipais do PSD para que as juntas pudessem ter 200 apartamentos neste ciclo político"
Nos governos de António Costa anunciou-se repetidamente as mesmas casas, que nunca foram feitas.
Exatamente. Não há aqui partidarite: o processo foi lento sob tutela do PS e continua lento e exasperante sob tutela da AD. Todos muito simpáticos, mas a máquina está montada assim e torna difícil que as coisas aconteçam. A vantagem de uma freguesia que consegue sinalizar 272 apartamentos com esta agilidade é algo que temos de pensar. Não é por acaso que todos os estudos indicam que as freguesias são, de todas as estruturas orgânicas do Estado, aquelas em que as pessoas mais confiam, sempre com taxas superiores a 70%. No caso de Benfica está nos 82%, a CML com 60% e os partidos com 17%... ou seja a proximidade vale. E nós, com este pragmatismo, fomos às casas chave na mão, a edifícios devolutos mas cuja reabilitação fosse possível nesta janela temporal e olhar para a construção que desse para cumprir em tempo útil: as duas construções de raiz são como a residência de estudantes, ou seja, construção modular com 11 meses de obra. A residência tem 120 camas e foi construída em 11 meses, com a montagem a levar 27 dias; parecia um lego a ser construído todos os dias. E as novas casas já estão a ser construídas em fábrica, ao mesmo tempo que se faz a escavação.
E como vão ser distribuídas as casas?
O sorteio é feito pela CML. Nós fazemos isto ao abrigo da estratégia municipal de habitação — outra coisa que deu trabalho... eu tive de convencer toda a esquerda e alguns deputados municipais do PSD para que as juntas pudessem ter 200 apartamentos neste ciclo político para fazer em Lisboa. Teve de se muscular na Assembleia Municipal essa votação.
Mas qual é a dificuldade?
Há uma desconfiança sobre as juntas — e em Lisboa elas são equivalentes a câmaras municipais, são como 24 câmaras, porque têm orçamentos e competências, devido à reforma administrativa, diferente das do resto do país; e eu acho que deviam ser a bitola para uma descentralização pelo país todo. Temos aqui à volta as maiores freguesias do país, por exemplo Algueirão-Mem Martins, com 70 mil moradores e 2 ou 3 milhões de euros por ano. Isto é uma loucura, não é o espírito da descentralização. Mas em Lisboa temos freguesias com dimensão de câmaras que podem e querem ser parceiros mais ativos — e os municípios veem sempre com relutância esta passagem de competências, ainda mais numa área como a habitação. Com uma diferença: as freguesias estão isentas de licenciamento. É das poucas leis feitas de forma justa. Por isso basta um parecer prévio e em 20 ou 30 dias podem começar a construção. Senão eu nem teria conseguido fazer a residência. E isto tudo faz-nos ser pragmáticos, até porque se não cumprirmos temos de suportar parte dos custos com orçamento da freguesia, que são neste momento 5% do total da obra do PRR.
Temos aqui à volta as maiores freguesias do país, por exemplo Algueirão-Mem Martins, com 70 mil moradores e 2 ou 3 milhões de euros por ano. Isto é uma loucura, não é o espírito da descentralização. Em Lisboa temos freguesias com dimensão de câmaras que podem e querem ser parceiros mais ativos.
E a construção modular dá uma boa ajuda.
Sim porque é mais rápido e tem um custo mais baixo em 10% a 15%, dado o número de recursos humanos em obra. Quase 80% do tempo de construção dos 4 andares da residência nós tivemos uma dezena de homens em obra. E também diminui muito a poluição sonora e resíduos em obra — já há modelos que até já trazem os azulejos da casa-de-banho instalados. E também nos deu gozo que a tecnologia usada fossem 100% portuguesa, do ITL, patenteada e inovadora que bate todos os recordes de eficiência energética. O edifício é carbono zero, faz a recuperação de águas cinzentas numa mini-ETAR para águas sanitárias e rega, produz 80% a 100% da energia em painéis, tem enorme eficiência térmica e do ponto de vista antissísmico tem capacidade de resistência muito acima da construção tradicional. Além do que tem elevadíssima qualidade, também para as famílias de classe média.
E quais são os parâmetros para as candidaturas a uma casa?
Um salário mínimo de 18 mil euros por ano e máximo de 32 mil, per capita. É esta a janela para os beneficiários desta medida, portanto, famílias de classe média que estão a se corridas de Lisboa.
São os tais serviços como professores, enfermeiros, polícias...
É fácil ver, eu tenho na junta, ao dia de hoje, mais de 60 pedidos do comércio local, que não abre à noite ou não faz reposições porque não tem trabalhadores, a esquadra de Benfica está com 60% do efetivo porque nenhum polícia que não fique a dormir com família ou na esquadra não consegue viver em Lisboa, porque vai gastar tudo na renda. E Lisboa foi construída assim, com construção municipal ara atrair população; repare: Bairro de Santa Cruz, em Benfica, tem hoje casas a 1,5 milhões de euros; Pedralvas, Charquinho, Estados Unidos da América, Alvalade... Foram bairros em que se fez construção municipal para atrair pessoas de que precisava para os seus serviços.
E qual será a renda média das casas?
Das 30 que já entregámos, está nos 420 euros, sendo a mais alta à volta de 600 e a mais baixa nos 200 e poucos, de um T1 de uma senhora que vive com uma filhota. Há uma alteração de perfil na pobreza, a Junta de Benfica tem vindo a subir o número de apoios sociais desde a pandemia, há uma pobreza envergonhada que cresceu muito. Famílias monoparentais com menores a cargo, esmagadas pelo preço da habitação, que não consegue pagar farmácia, custos escolares, explicações... Em Benfica, dávamos 200 mil euros de apoios anuais antes da pandemia e agora estamos a dar 600 mil em rendas, farmácias, tratamentos médicos, etc. Benfica é uma das freguesias barómetro de Lisboa e não se vê isto disparar nos bairros sociais, é a subida normal de 2% ou 3%; o valor disparou nos bairros da freguesia classificados como de classe média. E o peso da habitação, que já é para muitos 70% do orçamento familiar, tem sido esmagador para estas famílias, por isso estamos a fazer estas medidas. E olhando para o que a CML fez, tirando Entrecampos que estava já em construção, fora interrompidos projetos de 600 apartamentos no PRAD (Programa de Realojamento e Apoio à Diminuição da Pobreza) de Benfica, à frente do Hospital da Luz (400 de renda controlada, 200 em livre); mais no PRAD do Restelo e de Marvila. E investimos os 800 milhões de habitação só em bairros municipais, em reabilitação de património que necessitava. em Benfica foi apenas a regeneração do Bairro da Boavista.
A Junta de Benfica tem vindo a subir o número de apoios sociais desde a pandemia, há uma pobreza envergonhada que cresceu muito. Dávamos 200 mil euros de apoios anuais e agora estamos a dar 600 mil, em rendas, farmácias, tratamentos médicos, etc.
Porque é preciso também recuperar de 30 anos em que pouco se fez.
Mas estas famílias de classe média-baixa não podem ser guetizadas, viver em bairros municipais na periferia com pouca ligação às zonas nobres. Não acreditamos nisso. Por isso comprámos casa em todos os bairros de Benfica: no Fonte Nova, nas Pedralvas, no Colégio Militar...
Quantas pessoas precisam de ser alojadas em Benfica?
Para recuperar o que perdermos de população, 2 mil. Se conseguirmos concretizar os 272 apartamentos recuperamos 900 a 950, portanto metade do que se perdeu desta classe média que foi empurrada para fora de Benfica.
Benfica também tem bairros sociais e insegurança. Ainda no ano passado quando houve autocarros incendiados... Como se resolve o problema da insegurança?
Nós não temos muitos episódios e mesmo nesse caso de dezembro houve um aproveitamento que transcendeu a comunidade. Por exemplo esses fogos postos, que ainda estão sob investigação, foi um grupo organizado, carros de ata cilindrada com trotinetes à frente guiadas por indivíduos de capacete para não serem reconhecidos...
Mas organizado com que objetivo?
Estamos a falar no dia antes da manifestação contra a ação policial e houve ali claramente uma intenção de criar alarme social.
Mas acha que foram grupos de extrema-direita?
Não tenho a menor dúvida, até pela caracterização que nos fizeram. Há imagens de alguns fregueses de um tipo de viaturas e pessoas que aparecem sem balaclava: caucasianos, com tatuagens... não podemos estigmatizar, mas dava a entender que não eram... enfim, os engenhos explosivos eram sofisticados, eram botijas de CO2 adaptadas (cada caixa tem um custo elevado e nós apanhámos mais de 60 pelo bairro). enfim, a arte e engenho dessa primeira iniciativa foi bem pensada e para criar um efeito. No segundo dia foi um senhor incendiário, com histórico, que andou a pegar fogo aos capôs com álcool, e que foi detido por dois jovens de Benfica. em nenhum desses episódios há ligação aos bairros da Boavista e do Pastor.
Mas são bairros problemáticos?
São bairros municipais que precisam de soluções há anos. O da Boavista é um bom exemplo, porque tem 5 mil moradores e serviu de bitola ara a estratégia de rejuvenescimento e criação de vida de bairro em toda a freguesia. É o bairro onde não se passa fome, porque os vizinhos ajudam-se, se alguém não sai ligam para a junta a dizer que não o veem há dois dias... há ali uma vida de bairro que se te perdido. Mas claro que não deixam de estar guetizados... o Bairro da Boavista tem de um lado Monsanto, a CRIL, a rotunda de Pina Manique, e durante muitos anos houve este espírito de deixá-los ali quietos. A escola Arq.º Ribeiro Telles, que é um motivo de orgulho (apesar de não ser municipal, envolvemo-nos no projeto), foi pensada para ser um polo de cultura na cidade e através disso levar a cultura para dentro do bairro municipal. Já lá levámos por exemplo o Tito Paris.
Mas o bairro social continua a existir.
Mas muda a consciência e a forma como o bairro se encara a si mesmo. O que temos muitas vezes é a capacidade de a população encontrar por si novos caminhos, ser mais ousada na construção do seu futuro. E podemos ajudar com políticas públicas. Em Medellín fizeram-no com a passadeira rolante desde a pior favela ate ao coração comercial e em dois anos modernizou-se tudo e uniram-se as comunidades. O Bairro da Boavista, com a vinda do LIOS (Linha Intermodal Oriental Sustentável), ficará com uma ligação privilegiada entre Oeiras e a coroa norte de Lisboa, pode ser o fator que abre o bairro. Carnide sentiu isso quando o Metro chegou a Padre Cruz, a população sentiu-se mis conectada e esse é o papel das políticas públicas: criar soluções para a população poder fazer o seu caminho. e isso já se sente na Boavista com a escola e outros projetos que trabalham o empreendedorismo, o sonho, quebrar o ciclo vicioso. Agora temos o nosso grande heróis, o Nuno Mendes, nascido e criado no Bairro da Boavista, que deu os primeiros pontapés na Liga Escolhas, foi detetado pelo Sporting e vemos o jogador que se tornou. Há professores, médicos... e é preciso combater este estigma de que os bairros municipais são focos de problemas. Há problemas, claro, as casas não são as melhores, há quatro prédios se elevador e por isso pessoas de idade impedidas de sair de casa, tudo isto promove a guetização e este mau estar que leva a momentos de tensão. Mas Benfica tem uma equipa centrada na habitação que é pequena mas focada em aprender com os erros dos outros para melhorar.
Nos últimos seis anos 60 mil santomenses vieram para Portugal e estão a viver em casas de familiares, de amigos, em zonas como aquela de Loures. Temos de ter uma política de acolhimento e de imigração negociada. Não é possível arranjar habitação para 60 mil santomenses ao mesmo tempo que resolvemos os problemas de 200 ou 300 mil pessoas em Lisboa, Loures, na Amadora, em Sintra que vivem sem dignidade. Temos de ser honestos nisto.
Não têm aqui os problemas de Loures e Amadora, onde foram demolidas as barracas. Como é que viu a ação destes dois autarcas?
Sou grande amigo do Ricardo e do Vítor, mas há que ver que temos 2% de património municipal público — Lisboa tem mais, mas são 13%, e Loures também tem muito — e não se consegue acompanhar o crescimento das famílias e suas necessidades. Nós temos dois problemas: uma classe média que está agora a ter problemas porque está pressionada pelos preços da habitação; e temos uma classe média-baixa a que durante anos e anos não conseguimos responder. Na Boavista, ainda com o vereador Manuel Salgado, foi lançado um projeto de casas evolutivas: a casa é pensada para ganhar mais duas divisões pondo paredes de pladur e uma porta, para acompanhar o crescimento da família. E é preciso procurar soluções fora da caixa. Benfica fez agora uma geminação com a Ilha do Príncipe e estamos a ajudar a montar o hospital central da ilha. E nós sabemos que nos últimos seis anos 60 mil santomenses vieram para Portugal e estão a viver em casas de familiares, de amigos, em zonas como aquela de Loures. Eles têm todo o direito de se encaixarem em Portugal e ser felizes.
Mas essas pessoas ficam a viver a rua ou em barracas.
Por isso temos de ter uma política de acolhimento e imigração consolidada, negociada, quase em arco de governação, como a política de Defesa ou das Relações Internacionais. Há áreas cujo impacto tem de ir além da partidarite e temos de ser transparentes: não é possível arranjar habitação para 60 mil santomenses ao mesmo tempo que resolvemos os problemas de 200 ou 300 pessoas em Lisboa, Loures, na Amadora, em Sintra que vivem sem dignidade. Temos de ser honestos nisto. Se calhar procurar construção modular para acolher famílias, ter programas específicos para cinco aos, quem vem viver para cá, até que essa pessoa consiga enraizar-se e procurar habitação própria, por exemplo. Mas o que tem acontecido é que os governos deixam esta gestão toda nas mãos das autarquias, o que é uma loucura, porque as autarquias não tem capacidade legal ou financeira para isso.
As demolições eram necessárias?
Eu conheço o Ricardo e o Vítor, são duas pessoas altamente humanistas, com coração de ouro, mas a lei tem de ser cumprida e tem de se manter a dignidade das situações. Deixar crescer isto faz que daqui a um par de meses tenha centenas de pessoas a viver em barracas, com condições de insalubridade brutais, crianças sem ir à escola, guetizadas, sem água... e muito difícil. E o que se sente é a falta de ferramentas para as freguesias ou municípios poderem agir rapidamente. E até a Santa Casa, nos últimos anos, tem perdido devido à sua fragilidade financeira muita da capacidade de resposta de primeira linha. Há uns quatro anos, uma família não ficava na rua sequer um dia, hoje a Santa Casa não consegue e não há hostels ou pensões com lugares disponíveis, portanto a própria capacidade de Lisboa responder de forma emergente a estas situações tem vindo a perder-se.
Mas porquê? Não se viu os problemas agudizar-se com a política de portas abertas?
A verdade é que Portugal precisa de imigrantes (nos campos, na restauração, são eles que estão a trabalhar), mas claro que não podemos ter uma política de portas abertas, em que qualquer um entra. Tem de haver uma política de acolhimento humanista, o que implica ter soluções. Os governos já podia e deviam ter soluções de investimento Nós temos parque habitacional fechado: porque não se pensa e soluções em que o Estado paga aos privados para resolver situações destas?
O governo socialista tentou-o, com o Mais Habitação tentou forçar esse arrendamento.
Mas digo sem forçar. Em Benfica, quando comprámos 272 apartamentos, o valor do arrendamento em Benfica baixou porque saturámos o mercado e tínhamos os preços limitados à tabela do IHRU, ou seja, os ganhos das pessoas eram as mais-valias, que não precisavam de pagar vendendo ao Estado. De janeiro até agora, nós fizemos mais de 600 atendimentos na área da habitação e houve dois casais com mais de 60 anos que sempre moraram em Benfica e agora vão ser corridos por causa da Lei Cristas. e que resposta é que podemos dar? Não há, a não ser perguntar se têm uma casa para onde possam ir na terra. O discurso está muito centrado na imigração, mas há uma pressão enorme sobre as pessoas... não são só as barracas.
A verdade é que Portugal precisa de imigrantes (nos campos, na restauração, são eles que estão a trabalhar), mas claro que não podemos ter uma política de portas abertas, em que qualquer um entra.
Mas então entende que estes dois autarcas tenham feito as demolições.
As leis têm de ser cumpridas.
E o que acontece a essas pessoas?
Eu sei que foram encontradas soluções para todas essas famílias, umas mais temporárias, outras mais rápidas e não tenho dúvida de que há humanismo mas isto são assuntos duros. Nenhum de nós fica bem a ver uma criança ou uma pessoa doente na rua. Nós fizemos nas últimas semanas duas ações para convencer sem-abrigos a aceitar soluções e muitos não querem, mas também tenho casos de trabalhadores que querem, que vieram fazer obras e quando deixaram de ter o estaleiro para dormir ficaram em tendas na rua, que vão tomar banho ao balneário social, trocam de roupa...
E não há equipamento social que os possa receber?
Não existe, há pessoas a trabalhar, com famílias, em situações de indignidade habitacional. Quando vemos as situações de garagens com 20 pessoas a viver, é isto. Nós por exemplo detetámos dois casos em Benfica e pedimos intervenção da CML, que ainda não fez nada.
Então continua a ter as garagens com 20 pessoas a viver lá dentro?
Continuo. Então é a junta que lá vai bater à porta e dizer que não pode ser ou avisar os proprietários que vou denunciar?! Este não é o papel do presidente de junta.
Mas pode.
Podia até o governo anterior tirar esse papel de sinalização às juntas, que obrigava a câmara a agir em x dias. Agora é a câmara que tem de sinalizar e agir, mas não tem meios na rua, logo não tem capacidade. Eu tenho 400 pessoas na junta que andam na rua, como é que a câmara pode? Eu é que passo os atestados, por isso vejo que há atestados a mais em determinada morada e despertam logo os alarmes. Já mandámos inclusivamente para a PJ casos de pessoas que toda a vida aqui moraram e estão a assinar 60 ou 70 atestados de residência. Há sempre quem viva desta exploração...
E nos casos em que conseguiram agir, o que aconteceu a essas pessoas?
Não sei, mas os locais foram regularizados, as lojas voltaram a ser lojas. E vamos fazendo visitas para garantir que não volta a acontecer. Isso tem sido dissuasor de novos casos também. Mas é a CML que tem de fazer isto e tem de encontrar meios. Com um orçamento municipal de 1,3 mil milhões, a câmara tem de arranjar meios.
Já mandámos para a PJ casos de pessoas que toda a vida aqui moraram e estão a assinar 60 ou 70 atestados de residência. Há sempre quem viva desta exploração...
Acha que Alexandra Leitão seria uma melhor presidente da Câmara de Lisboa do que Carlos Moedas?
Há uma coisa de que gosto muito na Alexandra Leitão: é uma mulher de decisão. É capaz de decidir e com rapidez e coragem. Tenho uma relação pessoal muito boa também com Carlos Moedas, temos trabalhado muito bem nestes projetos em conjunto e chegado a bom porto e pessoalmente simpatizo muito com ele.
Mas Moedas não tem maioria na CML.
Certo, mas o PS chumbou apenas 12 propostas. Há uma perceção de que não o deixam governar... o PS aprovou todos os orçamentos da CML, os das empresas municipais até quando é dúbio se as prioridades estão certas...
Mas é obrigado a negociar, ainda assim.
Mas esse é o princípio da democracia. Eu tenho maioria absoluta e faço reuniões periódicas com a oposição. Tenho conseguido acordos com todos. Temos de governar com proximidade e acordo nos temas centrais.
Mas é mais simples numa junta do que numa câmara. Acredita que Alexandra Leitão teria mais facilidade do que Carlos Moedas em estar mais próxima e entender os problemas das pessoas?
Eu conheço-a há muitos anos e na linha de atuação e ideologia sou próximo dela, e gosto de características pessoais dela como a franqueza. É uma pessoa muito franca, muito dura no sentido em que não tem receio de meias palavras, e isso faz ganhar tempo a toda a gente. E nós temos de ser honestos e colaborativos mas também diretos. Perde-se muito tempo no processo de decisão quando tentamos estar bem com Deus e o Diabo. Fernando Medina tinha a capacidade de dizer logo sim ou não — e nós somos amigos mas chateámo-nos muitas vezes porque tínhamos visões bem diferentes em questões como a mobilidade, as ciclovias, etc. Mas esta clareza é importante porque acelera a decisão e a concretização. eu vu acabar um mandato em Benfica sem uma obra lançada, pensada ou decidida neste ciclo eleitoral que não seja pela junta de Benfica: as três escolas vinham do ciclo anterior, os apartamentos, a igreja e a nova praça, o centro de saúde... eu acabo o ciclo sem debater um projeto que não os que apresentei ao Carlos para executar. Construir uma cidade de futuro sem tomar decisões que não agradam a todos não é possível. O presidente de junta tem facilidades de gestão da máquina, tem a proximidade, mas não tem 1,3 mil milhões de orçamento para tomar decisões...
Alexandra Leitão tem algo de que gosto muito: é uma mulher de decisão. É capaz de decidir e com rapidez e coragem. Mas também tenho uma relação pessoal muito boa também com Carlos Moedas.
A dimensão da freguesia também não é a da câmara.
Claro. Mas já agora, a Lei Orgânica de financiamento das freguesias é uma coisa obtusa, absurda. Um presidente de unta não consegue acorrer a financiamento bancário, por exemplo. No caso de Benfica, que tem 40 milhões, é o maior orçamento, posso ir buscar apenas 90 mil euros que tenho de pagar até ao final do ano corrente, portanto é impossível financiar projetos, não é uma ferramenta. E era importante ter essa capacidade. Até se queremos que as pessoas voltem a reconectar-se com a política.
Era importante ter instrumentos financeiros, além de autonomia.
Claro. Até porque o cidadão gosta de puxar as orelhas ao político, gosta de ser ouvido, de passar na rua e confrontar o que discordam, e esse é o papel de um autarca. Há sítios do país onde um presidente de câmara consegue ser quase como o de junta, mas em grandes metrópoles não é possível conhecer toda a gente. Isso é papel do presidente de junta, andar na rua, ser confrontado...
Era importante aprofundar a reforma administrativa fosse aprofundada?
Obviamente. As juntas fizeram duas reuniões nestes quatro anos: 24 juntas, com representantes de quatro partidos, conseguiram chegar todos a acordo sobre uma carta para o presidente Carlos Moedas e para o então ministro das Finanças Fernando Medina sobre como devia evoluir a reforma. em duas reuniões, sem drama. Porque é que os licenciamentos de obra em espaço público têm de ser feitos pela câmara, que nem tem homens para isso? Os buracos que as operadoras e a CME abre, as caixas de eletricidade nas fachadas dos prédios, são exemplos que as juntas, que têm equipas nas ruas todos os dias, podiam resolver. A recolha do lixo...
Que é feita pela câmara mas o que está à volta cabe à junta.
Isso não é bem assim. No acordo que existe desde o tempo de Medina, cabe às juntas recolher o lixo indevidamente depositado à volta das eco-ilhas enterradas, só isso. No caso de Benfica, são 46, mas eu limpo 96 pontos diariamente: arcadas de prédios, vidrões, etc. Isto não esta no contrato, é da câmara. Mas eu tenho duas carrinhas com oito homens que todos os dias andam a apanhar lixo.
É uma questão de brio...
Exato, mas sabendo o presidente de câmara que as juntas fazem esse esforço devia subir o valor. No ano passado, os 24 presidentes de junta votaram em assembleia municipal a duplicação da taxa turística, que existe com o propósito de financiar a limpeza da cidade em zonas de pressão turística. Já está acima dos 100 milhões, mas foi-nos dada uma migalha de 9 milhões para fazermos a limpeza das freguesias.
Essa verba está destinada também à conservação de equipamentos culturais e limpeza.
Sim, mas do reforço que veio com a duplicação da taxa só vieram para as juntas mais 4 milhões, o que não é proporcional. Foram criados pelo vereador do PSD Ângelo Pereira fatores que reforçam o que as freguesias recebem, há que dizê-lo. Benfica recebia 120 mil euros para limpar 180 arruamentos, 53 jardins um campus com 13 mil alunos e 270 mil carros que entram e saem todos os dias. Não há só problemas com turistas... por isso foram revistos os critérios. Basta ver que de 15 em 15 dias eu tenho a freguesia num caos, com o Estádio da Luz... são 100 a 200 pilaretes deitados abaixo para estacionar em cada jogo, isto é despesa da junta — aliás, já temos um serralheiro que é só o que faz.
Mas a junta de Benfica tem também um problema com os trabalhadores da higiene urbana, que se vêm queixando...
Não, há três sindicatos e nós temos dois acordos assinados, cada um ligado a uma central, mas há um terceiro ligado à CGTP que se recusou a estar nesse momento com os outros. Eu fui dirigente sindical e faço questão de assinar o mesmo acordo com todos, não há cá trabalhadores de primeira e de segunda: as condições, o trabalho, tudo é igual portanto recuso-me a assinar acordos diferentes. Os que assinámos com os outros sindicatos afetos à CGTP e à UGT dão imensas regalias: 25 dias de férias, dia de nascimento dos netos, dia de anos, pagamento de proporcional de subsídio de insalubridade, possibilidade de teletrabalho, etc. Não é possível olhar para uma junta e fazer um acordo estanque por área de atividade. E nem seria agora, a dois meses do fim do mandato, que iria negociar acordos diferentes que comprometessem quem viesse a seguir.
Benfica recebia 120 mil euros para limpar 180 arruamentos, 53 jardins um campus com 13 mil alunos e 270 mil carros que entram e saem todos os dias. Não há só pressão com turistas... De 15 em 15 dias eu tenho a freguesia num caos, com o Estádio da Luz; já temos um serralheiro que só faz pilaretes para substituir os 100/200 deitados abaixo em cada jogo.
Benfica passou no ano passado de prejuízos de perto de 600 mil euros a resultados positivos de 362 mil. Como conseguiu essa recuperação?
Nós tínhamos ficado em negativo porque a CML nos devia 600 mil euros, porque temos contas estáveis Temos aliás vindo a crescer cerca de 1 milhão/1,5 milhões de receita própria, graças a investimentos que fazemos, refeições escolares, abertura de quiosques, bilhética do Turim, etc. Em final de mandato, queríamos chegar a receita consolidada própria de 30% e vamos ficar nos 40%, o que nos liberta de abertos de tesouraria. Mas nem sempre os fluxos batem, por exemplo, se fechamos um ano com uma obra aberta, isso conta como valor em dívida. Ora 2023 tinha sido o ano de PRR e de contratos de delegação de competências portanto tínhamos muita obra em curso e não paga no final do ano. Dito isto, há um fator crónico que é o atraso nos pagamentos da CML.
Quanto vos deve a CML?
À data de julho, deve-nos já 1,5 milhões, muito disso em fundo de emergência social; as juntas suportaram sozinhas tudo o que são apoios sociais da idade. Entrou zero de 2025 até julho. Pagaram há umas semanas o remanescente de 2024 e comprometeram-se pagar agora 40% do que está feito de 2025. No caso de Benfica, são 400 mil euros. Depois também há refeições escolares, equipamentos desportivos... entre tudo, soma 1,5 milhões em dívida da CML e 900 mil do IHRU, há uma pressão tremenda.
E esse atraso ainda se deve a atrasos processuais da assembleia?
Tem sido assim, nos primeiros seis meses as juntas subsidiam as câmaras. Isto também torna muito difícil a gestão. Por isso também quisemos autonomizar financeiramente Benfica para aumentar a capacidade de tesouraria.
E é possível suportar, por exemplo, os custos da residência universitária com a operação?
Todos os nossos projetos são autossustentáveis financeiramente. A residência de estudantes, por exemplo, tem 70 camas de bolseiros em 120 camas, que pagam 90 euros, temos dez camas para professores e investigadores, camas para desportistas... e depois temos os dois meses de verão de operação livre, em que podemos fazer dinheiro com turismo, por exemplo. É uma espécie de AL temporário que reforça o orçamento, cobrando 60 euros por noite/quarto, é uma operação para reforçar o financiamento da residência. E também ajuda as famílias: os quartos de seis pessoas custam 180 euros e são quase sempre alugados por famílias.
E a residência já está lotada?
Ficou em janeiro com os estudantes de Erasmus. Temos tido imensos estrangeiros e também tenho estado em contacto com os clubes para trazerem atletas de hóquei em campo e corfebol, por exemplo. Isto acaba por apoiar a comunidade local também.
Porque é que decidiu ser candidato às eleições de dia 12 de outubro?
Estou na junta desde 2013, a tempo inteiro desde 2015, e só posso dizer bem do que fiz. Ganhava imenso no privado, como diretor de expansão da maior escola profissional do país, fazia o que gostava também, mas nunca me deu tanto gozo como construir esta freguesia de mão dada com os cidadãos. Gosto muito do que faço, temos muita ambição para o território, somos mesmo chauvinistas nisso. Por exemplo, nós somos a freguesia com mais Monsanto, temos dois terços da área, e no entanto continuamos de costas voltadas para Monsanto. Muitos destes corredores verdes que fizemos foram para mudar isso, porque temos vindo a passar ao lado dessa oportunidade que a cidade tem. Portanto, não fara sentido abandonar a viagem a meio.
Ou a um terço...
Ou isso.
Quer dizer que quer ficar ainda um terceiro mandato, depois deste?
Não sei... eu refleti muito neste mandato. Já disse que estou supermotivado, a equipa cheia de genica, estamos a desenhar 50 projetos para o futuro. Mas temos de ver sempre se não estamos a tornar-nos peixinhos no aquário. Ao dia de hoje, desde que começou este projeto político (do PS em Lisboa), em 2009, trazemos sempre duas pessoas novas por executivo, com uma visão diferente. A lista, que tinha 52% de independentes, terá agora 62% e pessoas de outros partidos. Em Lisboa, para voltar às prioridades de mobilidade, de uma cidade verde, com coragem para tomar decisões na habitação, qualquer coligação à esquerda será uma coligação estável.
Acredito que tal como em 2021, pode haver uma surpresa nestas autárquicas. E acredito que esta solução de governação à esquerda pode vencer.
Mas foi com a esquerda que teve dificuldades nesses temas.
Não foi com toda, foi com uma certa esquerda. Há uma ortodoxia que torna difícil qualquer diálogo construtivo com a CDU, o que é uma pena. Portanto, BE, Livre e PAN têm de ter a seriedade e a maturidade para se sentar à mesa e negociar, fazer desaparecer linhas vermelhas e discutir o fundamental, que é o que acontece na Europa. Nós levamos 50 anos de uma democracia madura, não temos golpes de Estado, mas falta-nos diálogo democrático, dialogar sem achar que isso nos retira espaço político. Isso é que temos de trabalhar, o pragmatismo de olhar o que não se faz em dez anos e firmar compromissos para que se faça em 15 ou 20, mas fazendo o caminho Portanto, uma coligação á esquerda alicerçada numa líder com capacidade de decisão e visão estratégica, que é o que não vejo em Lisboa. Fernando Medina tinha estratégia — e como já disse, tive muito mais choques com ele do que com o Carlos Moedas — porque tinha uma visão para a cidade, mas agora não vejo isso. Portanto, este acordo de esquerda, bem alicerçado numa liderança e definindo bem até onde pode ir cada um, pode ser uma marca na governação da cidade.
Acredita que Alexandra Leitão vai ganhar?
Acredito que tal como em 2021, pode haver uma surpresa nestas autárquicas. E acredito que esta solução de governação mais aberta e próxima dos cidadãos, em que todos constroem, pode vencer.
Mas porque é que vê na coligação à esquerda mais capacidade do que na de direita?
Eu tenho imensa curiosidade em ver o que fará a IL, que quer privatizar a Carris e durante quatro anos foi contra na assembleia municipal o esforço das freguesias em fazer habitação municipal, que critica todo o investimento público, por exemplo o Saúde +65...
Acha que há mais proximidade de ideias à esquerda do que à direita?
Sim, porque isto não se trata de grandes questões nacionais, não vamos aqui debater o aborto, a eutanásia... há temas mais fraturantes que não surgem numa governação autárquica. Se olharmos para o ponto de vista ambiental, as visões de PS, PAN, Livre, BE são coincidentes.
E não são com PSD, CDS e IL?
Quantas ciclovias foram construídas? Quantas iluminárias foram substituídas por LED?
O ambiente não são só ciclovias... e as lâmpadas da cidade estão a ser substituídas.
Eu penso que as linhas de prioridade de governação são mais claras e transparentes para o cidadão com aquilo que tem sido as bandeiras da esquerda do que de uma coligação entre o PSD e a IL. Nestes quatro anos, vimos diferenças profundas de abordagem entre os dois: desde iniciativa privada em espaço público, fecho de arruamentos para exploração privada.
Temas económicos. Mas não há essas diferenças entre o PS e o Be, por exemplo?
Não tenho visto grandes diferenças, exceto talvez os temas de licenciamento de unidades hoteleiras, em que o PS defende um equilíbrio com hotéis e AL e o BE e o Livre a defender que não se licencie nem mais um hotel ou AL. Aliás, aqui a visão mais próxima até e entre PS e PSD.
Vejo entre o PSD e a IL diferenças profundas de abordagem que não vejo na coligação de esquerda. Exceto talvez os temas de licenciamento de unidades hoteleiras, em que o PS defende um equilíbrio com hotéis e AL e o BE e o Livre a defender que não se licencie nem mais um hotel ou AL.
O PS mudou de liderança. Como tem visto a atuação de José Luís Carneiro? É um melhor líder do que Pedro Nuno Santos?
Eu não escondo, toda a gente sabe que apoiei Pedro Nuno Santos, identifico-me mais com aquela linha orientadora de um PS mais corajoso, mas José Luís Carneiro tem aquela visão de fazer política mais de procura de consensos que aparentemente é o que o país procura neste momento e temos de saber ler a vontade dos cidadãos. Portanto, eu sou e serei sempre mais do lado de um líder decidido, às vezes estoicamente decidido, porque é também assim que gosto de governar, mas são duas excelentes pessoas, de causas e convicções fortes. Do que estamos todos cansados é de cata-ventos com oportunismo político. Eu prefiro um líder decidido e que saiba admitir quando cai e se levanta depois do erro do que estarmos todos a dar respostas politicamente corretas para ganhar votos.
Mas então como viu os resultados eleitorais destas legislativas?
Foi um resultado muito duro, eu não esperava, esperava um resultado mais tangencial. Mas também é uma derrota para a AD, que é a primeira vez que alguém provoca uma crise política e não consegue uma maioria absoluta. E saiu com um resultado que o coloca nas mãos do Chega, alterando a agenda da AD em temas como a imigração e a segurança. Foi uma vitória para o Chega, de resiliência, e para o Livre, que ocupou um espaço à esquerda de cidadãos descontentes com o PS. Temos de assumir isso. São pessoas que veem no Livre uma resposta mais moderada e é um espaço que o PS tem de recuperar — e penso que aí José Luís Carneiro pode ter um papel importante. O PS tem de se assumir orgulhosamente europeísta, humanista e de políticas verdes e de futuro. Pedro Nuno e José Luís são estilos diferentes e temos de o respeitar, mas ambos têm uma visão de consensos e concertada para o país. Há uma grande pluralidade no PS e é isso que também ajuda a que o PS seja o que é.
É isso também que tem dificultado a definição de quem o PS vai apoiar nas Presidenciais?
Penso que sim. As Presidenciais são muito personalizadas e o professor Marcelo quase profissionalizou o processo de chegar a Presidente: tem de fazer aquele caminho. E a verdade é que o PS não tem tido quem faça esse caminho com essa longevidade, porque estava no governo.
Pelo que as sondagens revelam para Marques Mendes, esse percurso não tem sido relevante.
Não... não tem corrido bem... Mas porque à direita o espaço está muito ocupado. Até pelo almirante Gouveia e Melo — eu não tenho o receio de um militar, mas gostaria mais de um perfil de candidato à esquerda ou até independente, que venha reposicionar a Presidência no que deve ser, e não num ator político ativo, que decide quando cria ou não cria crises políticas. Interessava-me reposicionar o PR como um esteio de moderação e convergência. É verdade que António José Seguro tem essas características, e não o apoiei contra António Costa, mas é um homem fabuloso, um gentleman, que apoiaria agora sem anticorpos. Mas não escondo que preferia uma candidatura feminina, com discurso jovem e despudorado.
Quem?
Há vários nomes.
Alexandra Leitão está em Lisboa.
Sim, mas gosto muito de Ana Catarina Mendes, de Elisa Ferreira. Há muita gente e até não só do PS. E era bom a política portuguesa dar espaço às mulheres, não para dar espaço mas pelo reconhecimento. ficaria muito desiludido se voltarmos a ir a Presidenciais com 90% de candidatos homens.