O relatório geral da Amnistia Internacional (AI), que será lançado hoje em Bruxelas, intitulado "A Situação dos Direitos Humanos no Mundo 2024-25, alerta para a "crise global dos direitos humanos à medida que o 'efeito [Donald] Trump' acelera tendências destrutivas".

A análise da AI abrange 150 países e inclui análises regionais e globais, "com uma visão mais abrangente das tendências e desenvolvimentos em matéria de direitos humanos no mundo atual".

No capítulo sobre Portugal, a Amnistia volta a destacar que "existem relatos credíveis de tortura e maus-tratos nas prisões".

Realça questões tão diversas como o acesso à habitação a preços acessíveis continua a ser insuficiente, a liberdade de reunião foi prejudicada pela utilização incorreta de legislação com décadas, o acesso ao aborto não está totalmente garantido, dezenas de pessoas ficaram feridas durante ataques contra migrantes na cidade do Porto e uma vaga de calor excecional e incêndios florestais causaram cinco mortos.

No que se refere às prisões, cita dados do Mecanismo Nacional de Prevenção, do gabinete do Provedor de Justiça, recolhidos durante uma visita a 17 prisões em julho de 2023, que encontrou situações de maus-tratos a pessoas detidas em quase metade das cadeias visitadas.

O mecanismo manifestou, na altura, a sua preocupação com o facto de as autoridades não investigarem e não partilharem com os procuradores denúncias credíveis de maus-tratos e também registou as "condições degradantes" vividas por dezenas de migrantes enquanto estiveram detidos no Aeroporto de Lisboa, incluindo pessoas obrigadas a dormir nas salas de interrogatório e nas zonas de embarque internacional, nalguns casos durante seis noites.

Relativamente à crise da habitação, refere que, apesar de em maio e setembro passados o Governo ter revogado as medidas introduzidas pelo programa "Mais Habitação" para fazer face à escassez de casas a preços acessíveis, "foram manifestadas preocupações quanto ao facto de a eliminação de disposições como o congelamento das rendas e a regulamentação do arrendamento de curta duração, poderem agravar a escassez de habitação a preços acessíveis".

Em março, o Instituto Nacional de Estatística estimou que quase 13% de toda a população vivia em habitações sobrelotadas e que, entre as pessoas em risco de pobreza, 27,7% vivem em condições de sobrelotação, assinala a AI, acrescentando que dados publicados em junho pela Inspeção-Geral das Finanças estimam que 60% dos inquilinos não gozam de segurança da posse.

No que toca ao uso excessivo da força, a Amnistia destaca apenas a morte, em outubro passado, na Cova da Moura, Amadora, de Odair Moniz, um cozinheiro de 43 anos de origem cabo-verdiana, baleado por um agente da PSP "em circunstâncias pouco claras", situação a que se seguiram dias de agitação social contra a violência policial em vários bairros de Lisboa.

A AI refere também que as autoridades portuguesas continuaram a impedir a organização de manifestações pacíficas, baseando-se "em legislação com décadas de existência para impor encargos e responsabilidades aos organizadores, bem como em disposições vagas que criminalizam atos considerados como perturbadores da 'ordem pública e tranquilidade'".

Dá como exemplo um incidente em janeiro do ano passado, em que o então ministro da Administração Interna ordenou uma investigação às alegações de que a polícia tinha efetuado buscas abusivas a duas ativistas do clima, detidas após um protesto, e também mantido todos os ativistas detidos algemados durante mais de 10 horas.

Em fevereiro, uma contramanifestação pacífica a uma manifestação de extrema-direita foi, alegadamente, dispersada sem aviso e com recurso a força excessiva, assinala, acrescentando que a Inspeção-Geral da Administração Interna iniciou uma investigação sobre as alegações de que o uso de bastões pela polícia tinha levado vários contramanifestantes a necessitarem de tratamento médico, nomeadamente devido a costelas fraturadas.

Outro dos exemplos refere-se a julho, quando oito ativistas pelo clima interromperam o trânsito em Lisboa durante um protesto e foram condenados a uma pena de prisão suspensa de 18 meses.

A Amnistia fala igualmente em violência baseada no género, tendo por base uma informação de fevereiro da Procuradoria-Geral da República (PGR) segundo a qual em 2023 a violência doméstica tinha provocado 22 mortes, das quais 17 mulheres e duas crianças, sendo que 72% dos homicídios foram cometidos por parceiros ou antigos parceiros.

No que se refere aos direitos sexuais e reprodutivos, a Amnistia salienta que o acesso à interrupção voluntária da gravidez não estava garantido em todo o país, "devido ao facto de as autoridades não terem regulamentado adequadamente o direito de consciência de recusa do pessoal médico em efetuar abortos".

A AI fala também de discriminação baseando-se novamente num relatório da PGR já divulgado em outubro, que informa que apenas 17 ações penais tinham resultado de investigações sobre 895 crimes de ódio cometidos entre 2020 e o primeiro semestre de 2024, enquanto 761 dos casos foram arquivados, adiantando que "dados desagregados não foram recolhidos sobre estes crimes de ódio" e que "o elevado limiar das ações penais por motivos de ódio manteve-se ao longo do ano".

Afirma que em outubro a PSP excluiu a motivação racial em três ataques separados de seis homens contra cidadãos argelinos e marroquinos na cidade do Porto. A AI lembra ainda que em junho a Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância do Conselho da Europa alertou Portugal para a necessidade de melhorar as condições de habitação da população cigana e de reforçar as medidas de combate aos crimes de ódio.

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