Qual o impacto da solidão nos idosos institucionalizados, quer do ponto de vista da saúde física quer da saúde mental?

A solidão é um estado emocional subjetivo caracterizado por sentimentos de isolamento, desconexão, ou falta de pertença. É importante referir que a solidão não é sinónimo de estar fisicamente só, pois algumas pessoas podem sentir-se sós mesmo quando rodeadas por outros, enquanto outras não experimentam solidão quando estão sozinhas. Entre as pessoas mais velhas em residências sénior, a solidão pode surgir quando as relações sociais efetivas não correspondem às desejadas, quando o sénior não tem família, etc. Existem estudos que indicam uma prevalência elevada de sentimentos de solidão em residências sénior, embora haja variações significativas dependendo da localização geográfica.

A solidão nas pessoas mais velhas tem repercussões significativas tanto na saúde física quanto na saúde mental. Fisicamente, a solidão associa-se a aumento de problemas de saúde, como o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, neurodegenerativas e metabólicas, ainda que os mecanismos responsáveis não sejam bem compreendidos. Assim, condições como demência, declínio cognitivo, depressão, ansiedade, alcoolismo, hipertensão, obesidade, AVC e doenças cardíacas têm sido associadas à solidão. O sono, de menor qualidade, também associado à solidão, pode estar também no aumento do risco das doenças mencionadas.

Neste ponto, há que ter em conta que os lares para seniores desempenham um papel fundamental na luta contra a solidão. Ao invés de passarem longas horas e dias sozinhos nas suas casas, os seniores vivem em comunidade com outras pessoas e realizam atividades que os mantêm física e cognitivamente ativos, sendo acompanhados não só por pessoas da sua idade, mas também por membros mais jovens da equipa da residência. Os seniores são cuidados, acompanhados e podem falar sobre as suas preocupações.

Alguns especialistas já consideram a solidão como uma síndrome. Concorda?

Sim, é pertinente considerar a solidão como uma síndrome. Uma síndrome é um conjunto de sinais e sintomas que ocorrem em simultâneo e caracterizam uma condição médica específica, geralmente com múltiplas etiologias e um tratamento complexo, que requer uma abordagem multidisciplinar. A solidão enquadra-se nesta definição, pois resulta de diversas causas, como o afastamento social, problemas de saúde, perda de entes queridos e mobilidade reduzida. O seu tratamento envolve intervenções que vão desde o apoio psicológico até à promoção de atividades sociais e físicas, exigindo a colaboração de profissionais de várias áreas. Reconhecer a solidão como uma síndrome pode ser um passo importante para estruturar abordagens preventivas e terapêuticas mais eficazes.

“Incentivar a participação em grupos de interesse nos quais possam identificar-se e sentir-se integrados também é essencial para reduzir a solidão”

De que forma pode ser combatida, em particular nas Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI)?

Nas (ERPI), o combate à solidão deve ser uma prioridade e envolver toda a equipa multidisciplinar. Cada membro desempenha um papel crucial na criação de um ambiente acolhedor e estimulante. O envolvimento da família é essencial. Para isso, é fundamental garantir horários de visitas flexíveis, permitir saídas sem restrições e incentivar a participação das famílias em atividades e na elaboração do plano individual de cuidados e do projeto de vida da pessoa mais velha. Essas estratégias ajudam a manter os laços afetivos e sociais, prevenindo o isolamento.

As atividades em contexto institucional devem ser significativas e ter um propósito claro, adaptando-se às preferências e ao histórico de vida de cada residente. Conhecer o percurso de vida da pessoa idosa permite uma comunicação mais eficaz e a oferta de atividades que realmente lhes interessem. Incentivar a participação em grupos de interesse nos quais possam identificar-se e sentir-se integrados também é essencial para reduzir a solidão.

Deveria existir um trabalho preventivo desde a infância para que se evite, posteriormente, este problema de solidão na idade avançada e para que se promova um envelhecimento ativo?

Sim, a prevenção da solidão na idade avançada deve começar desde a infância. Atividades multigeracionais, que promovam a interação entre diferentes faixas etárias, têm um impacto positivo bilateral, fortalecendo vínculos sociais e promovendo a compreensão mútua. Este tipo de atividades é muito comum nos nossos centros, onde adultos e crianças de creches, escolas ou colégios locais realizam atividades em conjunto. A educação sobre o envelhecimento, desmistificando preconceitos e combatendo o idadismo, é crucial para formar uma sociedade que valorize e integre os seus membros mais velhos.

Atualmente, as gerações estão mais separadas do que no passado, quando várias gerações conviviam na mesma casa. Hoje, os avós muitas vezes vivem a longas distâncias, não acompanhando o crescimento dos netos, e estes, por sua vez, não participam do processo de envelhecimento dos avós. Dado o envelhecimento populacional e o aumento da solidão com o passar dos anos, estas medidas tornam-se cada vez mais importantes para promover um envelhecimento ativo e saudável.

MJG

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