Os incêndios que, nos últimos verões, têm assolado Portugal deixaram marcas profundas na paisagem, na economia e, sobretudo, na vida das populações atingidas. No entanto, em meio ao sofrimento e à devastação, houve também espaço para a esperança, sustentada por gestos de solidariedade vindos de diferentes partes do mundo. Entre estes, destacou-se uma vez mais Timor-Leste, que decidiu conceder uma verba de dez milhões de dólares (aprox. 8,6 milhões de euros) para apoiar Portugal na recuperação dos prejuízos provocados pelas chamas.

Este gesto, de enorme dimensão, ganha significado acrescido quando enquadrado na relação histórica entre os dois povos. Não é apenas auxílio financeiro: é a expressão de uma fidelidade a quem, em tempos difíceis, não se rendeu ao esquecimento.

Portugal e a luta pela independência timorense

Após a invasão indonésia de 1975, Timor-Leste conheceu 24 anos de ocupação marcados por violência, repressão e tentativas de silenciar a sua identidade nacional. Nesse período sombrio, Portugal distinguiu-se como um dos raros Estados que se recusaram a reconhecer a anexação, mantendo viva a questão timorense nas Nações Unidas e insistindo, contra ventos e marés, no direito do povo timorense à autodeterminação.

A acção diplomática portuguesa foi decisiva. Mas não foi apenas o Estado que ergueu a sua voz. Também figuras da sociedade portuguesa desempenharam um papel fundamental. Entre elas destacou-se Dom Duarte Pio, Duque de Bragança, que se envolveu pessoalmente na causa timorense.

Em momentos em que o silêncio internacional parecia condenar Timor ao esquecimento, o Duque de Bragança visitou comunidades timorenses, contactou com refugiados, deu entrevistas, sensibilizou a opinião pública e reuniu apoios para manter acesa a chama da solidariedade. A sua intervenção foi, por vezes, vista como ousada ou romântica, mas o tempo viria a dar-lhe razão. Quando, em 2002, Timor-Leste conquistou a sua independência, ficou claro que Dom Duarte Pio não se enganara na escolha da sua causa.

A monarquia portuguesa, ainda que sem poder político, desempenhou assim um papel moral e simbólico que reforçou a posição oficial do Estado português e deu ânimo a um povo que lutava pela sobrevivência.

O retorno da solidariedade: doações ao longo dos anos

A independência, porém, não fez Timor-Leste esquecer quem esteve a seu lado. Pelo contrário, o país tem dado provas consistentes de uma gratidão rara. Ao longo dos anos, perante tragédias que marcaram Portugal, a solidariedade timorense foi sempre das mais rápidas e generosas.

  • Em 2013, o governo timorense disponibilizou 1 milhão de dólares para ajudar Portugal na sequência dos incêndios florestais.
  • No ano seguinte, 2014, reforçou essa ajuda com mais 500 mil dólares.
  • Em 2017, após a catástrofe de Pedrógão Grande, Timor-Leste aprovou um apoio de 1,5 milhões de dólares, gesto que emocionou a sociedade portuguesa.
  • Em 2024, após os incêndios na Madeira, Timor-Leste voltou a estar presente, desta feita com 2,5 milhões de dólares para apoiar a reconstrução.
  • Finalmente, em 2025, elevou o gesto a uma escala sem precedentes, ao anunciar a entrega de 10 milhões de dólares (8.6 milhões de euros) para socorrer as regiões do Norte e do Centro recentemente devastadas pelas chamas.

Estes apoios, sucessivos e consistentes, demonstram que a solidariedade timorense não é episódica, mas parte de uma política de Estado fundada na memória e na reciprocidade.

Trata-se de uma linha de continuidade que mostra que a solidariedade não é fruto de uma circunstância passageira, mas sim um traço enraizado na política e na identidade timorense.

Uma lição de fraternidade lusófona

Os gestos de Timor-Leste ultrapassam largamente o valor material. São a reafirmação de que a amizade entre povos pode ser construída sobre a justiça histórica e sobre a lealdade. Num tempo em que tantos interesses imediatos moldam as relações internacionais, Timor-Leste oferece um exemplo raro de coerência moral: não esquece quem, outrora, não o esqueceu.

E aqui, a ligação à monarquia portuguesa ganha também sentido simbólico. Ao empenhar-se na defesa do povo timorense, o Duque de Bragança mostrou que a Casa Real não se limita à preservação da tradição, mas pode ter uma voz activa em causas de humanidade e de liberdade. Hoje, ao ver Portugal receber sucessivos apoios de Timor-Leste, compreende-se melhor a justeza da sua visão e a profundidade de uma amizade que resiste ao tempo.

Assim, cada verba enviada de Díli a Lisboa é mais do que um gesto de solidariedade: é um tributo à História, ao sacrifício de um povo e ao compromisso que Portugal assumiu, Estado e sociedade, em não abandonar Timor-Leste.

Quando as chamas consumiram casas, florestas e vidas, chegou de longe a mão estendida de um povo irmão. É uma prova de que, para além da geografia e das diferenças, existe uma comunhão que une Portugal e Timor-Leste: a comunhão da memória, da gratidão e da esperança.

Licenciado em Ciência Política e Relações Internacionais e vice-presidente da Direção Nacional da Causa Real//O autor escreve com o antigo acordo ortográfico