Em 2008, Portugal assistiu a um incêndio silencioso: a construção civil, setor que sustentava milhares de famílias e alimentava o sonho da casa própria, entrou em colapso. Empresas fecharam, trabalhadores perderam empregos, jovens recém-licenciados em arquitetura e engenharia viram-se sem perspetivas. E, no meio de tudo isso, o Estado ficou de braços cruzados.

Não houve apoios estruturados, linhas de crédito acessíveis ou programas de preservação da mão-de-obra qualificada. Famílias perderam negócios e o conhecimento técnico acumulado ao longo de décadas evaporou-se. Milhares tiveram de emigrar ou mudar radicalmente de vida.

Hoje, as consequências são visíveis: a crise habitacional. Sem empresas e sem trabalhadores, Portugal não conseguiu recuperar a capacidade de construir casas suficientes. Resultado: oferta limitada, preços proibitivos e uma geração que vê o sonho da habitação própria cada vez mais
distante.

É impossível não comparar com tragédias recentes. Quando incêndios devastam o interior, o Estado age rápido, ajuda, reconstrói. Mas porque não houve essa mão estendida em 2010, quando milhares de portugueses perderam tudo na crise financeira? Porque se deixou arder silenciosamente um dos setores mais estratégicos do país?

A crise da habitação não nasceu apenas da especulação ou da pressão do turismo. Foi também cozinhada há 15 anos, no abandono do setor que constrói casas e forma profissionais. Um “incêndio invisível” que ainda hoje nos sufoca.

Reconstruir não é apenas erguer paredes. É proteger quem constrói o futuro, valorizar profissionais e apoiar empresas estratégicas. Só assim Portugal poderá enfrentar crises sem repetir erros que deixaram marcas profundas na vida de milhares de famílias.

Arquiteto