Como eu e a minha mulher não estamos domingo, dia 9, o dia oficial das eleições para o Parlamento Europeu, inscrevemo-nos no website e fomos no dia 2 à Cidade Universitária exercer o nosso direito de voto antecipado. Apesar da concentração de mais de 250 mil inscritos num único espaço com acessos que não eram os melhores, o local foi muito bem escolhido e a organização estava estupenda em todos os aspetos. A seleção dos espaços, a sinalização, a eficácia de funcionamento das pessoas nas mesas de voto e a nossa lendária simpatia e tolerância tornou esta experiência das melhores que alguma vez tive em eleições.
Claro que vêm de lá os velhos do Restelo do costume dizer mal de tudo e mais alguma coisa, que a relva não estava bem regada, não havia onde sentar, que os cafés estavam fechados e que o chão estava demasiado encerado, que tinham uma fila de três pessoas um bebé e um cão à frente (não, ele já tinha feito isso lá fora). Esqueçam duma vez esta gente, deitem fora os jornais do costume onde lhes pagam para fazer “aquilo” do alto dos seus carcomidos pedestais. Este será aliás o único país da Europa onde existem programas concebidos para juntar intelectuais só para dizer mal, seja do que for... mas há algum para que venham dizer bem, animar-nos, puxar pelas coisas positivas, puxar Portugal para cima ? Não. Não, não, não. E duvido que alguma vez haja porque infelizmente são as coisas negativas da vida que puxam audiências e a CMTV é bom exemplo disso. Solução: não comprar jornais, não ler senão alguns online e basta; na TV, ver para informação a RTP e canais estrangeiros, e na rádio a Antena 1 e o canal Observador. Fica uma dica, discutível como todas as dicas.
Voltemos às eleições. Toda a Alameda Universitária era uma festa, cheia de gente feliz com um sentido de cumprimento do seu dever. Nunca pensei ver nada assim, lembro-me de eleições para o Parlamento Europeu noutros anos... votei no dia designado e naquela escola víamos pouca gente e com um ar resignado e triste.
Espero que no domingo quem for votar sinta o mesmo espírito que eu e a minha mulher sentimos na Alameda Universitária e espero sobretudo que a força de vontade com que 250 mil portugueses fizeram todo o processo de inscrição para o voto antecipado, num sítio único, onde seria de esperar o pior em termos de trânsito, filas, confusão. Fiquei orgulhoso e com a esperança de que o mesmo espírito e a mesma força de vontade mobilizem os milhões de votantes por todo o país no próximo domingo.
A mobilização para votar dia 9 é crítica – temos de acabar com os níveis de abstenção do passado
Há todas as razões para nos mobilizarmos. O Parlamento Europeu pode não ser perfeito nem ter poder como têm os parlamentos nacionais, mas é a única voz eleita por todos os povos de todos os países da União Europeia para discutir e determinar orientações comuns para toda a União sobre aspetos determinantes da nossa vida. Consciente do declínio da Europa e dos seus problemas sociais, económicos, políticos e de preservação de unidade, cabe ao Parlamento Europeu encontrar soluções para inverter esse declínio. Como? Agindo diretamente sobre os problemas da Europa que todos conhecemos - estimular o crescimento da economia, de I&D e startups e de um ensino de topo de gama mundial, fomentar a natalidade, regular a crescente procura turística do Continente por cidadãos de todo o mundo, ganhar mais capacidade de intervenção militar e ser, no fundo, um Continente plural e diversificado mas unido no desígnio de deixar de ser o Continente que há décadas é o recreio de toda a gente mas que lenta e sistematicamente definha e perde poder face ao resto do mundo. Só África continua abaixo de nós e continuamos a ser um bloco muito heterogéneo, onde o PIB per capita por país da UE varia entre 131,380 e 7,560 USD (FMI, abril 2024) – uma diferença de quase 20 vezes na riqueza individual entre dois países do mesmo Continente, uma diferença muito aquém da que se observa entre estados nos EUA e só similar à situação entre províncias chinesas.
Não obstante, há uma história relevante em que importa acreditar. Há cerca de 70 anos que os países europeus trabalham em estreita colaboração. O que começou em pequena escala – seis países, incluindo a Bélgica – é hoje uma União Europeia (UE) considerável com 27 Estados-membros. A União Europeia, na sua forma atual, desenvolve atividade num vasto número de domínios e uma parte considerável da legislação de muitos países europeus baseia-se em regulamentos da UE, discutidos e elaborados pelo Parlamento Europeu que elegemos este domingo. Por conseguinte, a UE afeta-nos individualmente a muitos níveis diferentes da vida quotidiana.
No entanto, a UE continua a ser algo invisível para muitos. A maior parte da informação que lemos na imprensa centra-se no difícil caminho para alcançar um compromisso viável entre 27 Estados-membros. Nos bastidores, porém, a UE e os seus organismos estão focados em contribuir para aportar melhorias a muitos aspetos da vida dos cidadãos europeus e fazê-lo de forma homogénea em todo o Continente, aproximando cada vez mais os Estados-membros e cada um dos seus habitantes. Neste contexto, recorrendo a documentos pedagógicos da UE, proponho uma reflexão e partilha das diferentes dimensões onde a União intervém para o progresso, o desenvolvimento e a afirmação no mundo de uma Europa cada vez mais forte.
Os frutos do trabalho da União Europeia
- Preservar e fomentar a paz
Os Estados-membros da União Europeia vivem juntos em paz há mais de 70 anos. Habituámo-nos de tal forma a esta situação que a consideramos um dado adquirido, mas não podemos esquecer que a UE nasce de duas guerras mundiais que devassaram o Continente e uma sangrenta guerra civil em Espanha, cujos lados eram apoiados por grandes potências europeias – a Alemanha nazi e a Rússia bolchevique.
Após a Segunda Guerra Mundial, o principal objetivo da cooperação económica europeia era naturalmente preservar a paz e prevenir novos conflitos. Não só pela assinatura de tratados, mas pela intensificação de trocas comerciais, tornando as nações economicamente dependentes umas das outras. Nesta situação económica haveria uma maior inibição dos países para entrar em conflito, argumentaram os fundadores. Apesar da Guerra dos Balcãs, em 1998 e 1999, e olhando para o presente, podemos dizer que houve claramente sucesso na missão de preservar a paz na Europa. - Erradicar a Fome
Durante séculos, os países europeus foram devastados pela fome, mas isso já não acontece e foi graças à cooperação europeia. Afinal, uma das pedras angulares dessa cooperação era uma política agrícola comum. Em 2016, 38% do orçamento da UE (61 mil milhões de euros) continuaram a ser investidos para apoiar os agricultores na produção sustentável de alimentos.
Recentemente, a política agrícola da União Europeia tem prestado cada vez mais atenção a práticas respeitadoras do ambiente e do clima e a UE tem vindo a incentivar estilos de vida saudáveis junto da população e da própria indústria agroalimentar. Por exemplo, a estratégia “do prado ao prato” prevê que até 2030 pelo menos 25 % das terras agrícolas do espaço europeu sejam utilizadas para a agricultura biológica. - Aproximar às grandes potências na capacidade de inovação
A cena mundial é dominada por grandes potências como os EUA e a China, e outros grandes países emergentes, como a Índia, o Japão ou a Coreia do Sul, tendem a assumir o mesmo estatuto face à sua dimensão, crescimento económico e investimento em inovação. Se agissem separadamente, os países europeus teriam hipóteses de afirmação muito reduzidas, mas unidos num espaço com mais de 480 milhões de habitantes podem aspirar a ter um impacto maior e uma voz mais forte. Afinal de contas, a União Europeia representa 16 % da economia mundial, a China (16,4 %) e os EUA (16,3 %) (2017), tendo condições em conjunto para negociar acordos comerciais mais vantajosos com outros países ou regiões. - Liderar agendas decisivas a nível mundial
Mas a UE também pode fazer ouvir a sua voz a outros níveis. Está a fazê-lo assumindo posições protagonistas nas agendas de combate à alteração climáticas ou aos oceanos. Foi também a primeira a promulgar regras rigorosas em matéria de privacidade, criando o famoso RGPD ou Regulamento Geral de Proteção de Dados, adotados anos depois na generalidade do mundo ocidental.
A UE tem sido implacável em regulação fazendo frente a gigantes norte-americanos como o Facebook e a Google. Um país isolado seria totalmente impotente a este respeito. E tem sido um baluarte a nível mundial de valores e normas fundamentais para a Sociedade a nível global, não só na UE - a Liberdade, a Democracia, a Igualdade, os Direitos Humanos, a Regra de Lei, a Igualdade de Géneros assim como a regulamentação de testes em animais, segurança alimentar, combate ao trabalho infantil e poluição ambiental. - Aumentar a prosperidade, o bem-estar e a qualidade de vida.
O estabelecimento do mercado interno único, altamente dinamizado com a introdução da moeda única europeia com clareza de preços e isenção de conversão, tem promovido tremendamente o comércio entre os Estados-membros, oferecendo maior facilidade de acesso do consumidor a escolha e facilitando a internacionalização das empresas. Além disso, a UE tem tomado inúmeras medidas para promover o crescimento e o emprego, sem perder de vista o bem-estar dos cidadãos, o que inclui a cultura, a alimentação saudável, a qualidade do ambiente, a educação, o desporto e os cuidados de saúde. Neste domínio, há um conjunto de benefícios derivado de atividades da UE desenvolveu e impactam a qualidade de vida e as perspetivas de futuro dos seus cidadãos e que aqui merecem ser destacadas uma a uma... e apesar de muitas ações, a lista não é exaustiva.
Maior liberdade de viajar pela Europa. O desenvolvimento da União Europeia oferece aos cidadãos o luxo de viajar de forma fácil e segura em todo o espaço europeu. O Acordo de Schengen aboliu os controlos de fronteira entre 16 países europeus. Isto significa que um cidadão pode passar dum país para o outro sem ter de apresentar um passaporte ou documento de identificação
Eliminação das tarifas de roaming entre telemóveis. Pode fazer pagamentos utilizando os seus euros belgas em 19 países. As taxas de transação do seu cartão de crédito são as mesmas em qualquer lugar e a sua carta de condução é válida em qualquer lugar. A UE está também a trabalhar numa rede ferroviária de elevado desempenho para viagens respeitadoras do clima na UE.
Maior liberdade de estudar através do espaço europeu. O programa Erasmus+ permite a qualquer jovem da UE estudar, receber formação, fazer voluntariado ou participar num programa de intercâmbio em 33 países, dentro e fora da Europa.
Maior facilidade de trabalhar noutro país europeu. Um cidadão da UE tem o direito de trabalhar noutro país da União, seja como voluntário, estagiário, trabalhador independente ou assalariado. Está sempre coberto por um sistema de segurança social, mesmo no Reino Unido pós-brexit. Os seus direitos do trabalhador europeu estão consagrados pela UE até ao mais ínfimo pormenor, como o direito a quatro semanas de férias ou a prestações sociais em caso de perda do emprego.
Maior liberdade de residência dentro do espaço europeu. Todo o contexto de cidadania europeia desenvolvido pela UE tornou muito mais fácil viver noutro país da União e enquanto cidadão da UE pode recorrer aos serviços de saúde públicos onde resida nas mesmas condições que os residentes desse país – mais uma vez incluindo Reino Unido pós-brexit.
Maior facilidade para desenvolvimento de negócios. O mercado interno significa que a UE forma uma zona única e ampla, na qual se pode criar uma empresa em qualquer lugar. Pode oferecer os seus produtos ou serviços a todos os 446 milhões de consumidores da UE. As mercadorias, as pessoas e os capitais podem circular livremente entre todos os países da UE. A UE oferece acompanhamento, financiamento e estágios a jovens empresários.
Promoção ativa de um ambiente melhor e mais saudável. Graças a todo um quadro legal de proteção ambiental desenvolvido pela EU, está garantida a segurança da nossa água potável e que os nossos locais favoritos de natação e remo têm água de qualidade adequada, através do seu programa Natura 2000, a UE mantém 26 mil zonas naturais protegidas correspondentes a quase um quinto da superfície da União e combate ativamente agentes poluidores dos nossos recursos naturais.
Combate às alterações climáticas. Todos sabemos o perigo que as alterações climáticas já colocam e quanto se podem agravar no futuro. É por isso que a UE lidera a nível mundial na colocação de metas ambiciosas relacionadas com a preservação do clima e a luta contra as alterações climáticas, investindo por exemplo de forma expressiva em energias renováveis, transportes sustentáveis, economia circular e reutilização de materiais ou aumento da vegetação urbana por exemplo. Sabemos que mais de 80% das emissões nocivas vêm de países sem capacidade económica para investir com a Europa o está a fazer mas a UE está a desenvolver programas para estimular esses investimentos por parte da iniciativa privada procurando que tenham a segurança e retorno necessários. - Fortalecimento das condições de segurança na Europa
A Europa oferece-nos hoje boas condições de segurança, não só no dia-a-dia através da dissuasão da criminologia (muito mais eficaz do que nos EUA, por exemplo, em boa medida pelas condições de acesso de cidadãos comuns a armas de fogo), o número cada vez maior de forças policiais profissionais e bem treinadas e da capacidade crescente de prever e reduzir os efeitos de atentados terroristas graças a um maior intercâmbio de informações entre as autoridades policiais nacionais (polícia, justiça) através da organização de cúpula Europol, mas também entre os serviços aduaneiros e os guardas de fronteira.
Ao mesmo tempo, a UE está a envidar esforços para afastar ameaças vindas do mundo exterior através do seu papel ativo na resolução de conflitos de terceiros e da promoção de uma mentalidade de paz e compreensão a nível internacional. É dedicada uma atenção considerável aos países vizinhos da UE a Leste (Arménia, Geórgia, Ucrânia...) e a Sul (Norte de África, Médio Oriente), onde a União trabalha ativamente no terreno procurando contribuir para eliminar focos de problemas e proteger a estabilidade, fomentando o desenvolvimento económico, o emprego e as infraestruturas de transportes e energia, mas também promovendo os valores da UE, como a boa governação, a democracia e os direitos humanos.
A UE dispõe igualmente de um pacote abrangente em matéria de segurança e defesa, que lhe permite apoiar os países que enfrentam conflitos e crises. Doou mais de 11 mil milhões de euros para apoiar o povo sírio e continua a trabalhar com a comunidade internacional para encontrar uma solução duradoura para o conflito entre Israel e a Palestina.
Conclusão
A UE não é, de facto, a máquina burocrática e inacessível que muitos acreditam que seja. Muito pelo contrário. Ser cidadão da UE confere o direito de ter uma palavra a dizer sobre a forma como a União é gerida . O modelo mais importante para o fazer é o Parlamento Europeu, que resulta como se sabe do sufrágio eleitoral direto que elege deputados originários de cada um dos Estados membros, os quais se aglutinam posteriormente em grandes blocos representativos das maiores tendências políticas europeias. O cidadão também pode dar a sua opinião direta e pessoalmente, por exemplo sobre uma lei que está em elaboração através da linha "Dê a sua opinião", entre outras formas de participação direta. Mas é no Parlamento Europeu que, através dos deputados, as grandes ideias e medidas são avançadas, debatidas e decididas sempre com os interesses do cidadão no centro.
Muitas vezes, só ouvimos falar da UE quando há problemas, por exemplo, porque tem dificuldade em chegar a acordo sobre o orçamento ou um regulamento o que contribui para a impressão de que o funcionamento dos órgãos da União é fraco ou lento. Mas a lista apresentada neste documento mostra bem que não é assim - a UE é um verdadeiro órgão de governo que atua com resultados impactantes concretos em todas as áreas importantes para os cidadãos europeus desenvolvendo uma política progressista que torna a nossa vida quotidiana muito mais agradável, apenas limitada naturalmente pelo seu estatuto não federalista e pela soberania de cada um dos Estados Membros.
Com 27 Estados-membros e, por conseguinte, 27 visões diferentes, o processo de tomada de decisões nem sempre decorrerá sem problemas. Afinal, a UE é uma instituição democrática que procura o consenso e apesar das naturais diferenças de visão, os Estados-membros estão conscientes de que a UE é essencial à sua afirmação e poder num mundo com superpotências emergentes e ambiciosas.
Por todas estas razões, a União Europeia deve ser acarinhada e preservada e o Parlamento Europeu, cuja composição Portugal e os restantes Estados-membros vai contribuir para definir no próximo dia 9 de junho é órgão mais visível e importante na discussão e decisão das políticas orientadores da Europa. Do Parlamento sairão orientações fortes que nos vão tocar diretamente porque a não ser que haja alguma rara razão em contrário, essas orientações vêm aos Parlamentos de todos os Estados-membros para discussão e ratificação e para que seja feita a sua materialização formal em Decretos-Lei.
Por tudo o que se disse, temos de acabar com o estigma que corre nas nossas cidades, vilas e aldeias de que “a União Europeia não serve para nada” e que “o voto nos políticos portugueses que se vão sentar no Parlamento Europeu é mais para lhes dar um bom tacho porque até podem botar um discurso ou dois mas não vão ter peso nenhum no Parlamento Europeu e podem não fazer nada que ninguém dá por isso”. Acredito que é por tantos pensarem assim que a abstenção nas eleições para a Europa noutros anos tenha sido sempre tão alta. Mas nada podia estar mais errado do pensar assim e não ir votar. Temos de ir e mais - cada um de nós deve fazer campanha junto dos amigos e conhecidos, não para votar em A ou B partidos, mas simplesmente para perceberem a importância da sua voz na Europa e irem votar.
Se Portugal estiver no topo das taxas de afluência e batermos este ano o recorde de baixa abstenção nas europeias, passamos uma tremenda mensagem, para fora e para dentro – Portugal tem orgulho em fazer parte da UE, acredita que a UE vai fazer uma grande diferença no desenvolvimento e progresso do país e quer estar na linha da frente de condução da UE.
É por tudo isto que a abstenção, que não ir votar no próximo domingo, dia 9 de junho, é um erro crasso de avaliação da União Europeia e um crime contra quem mais nos dá a mão, hoje e no futuro.
Empresário, Gestor e Consultor