Em tempos em que a sociedade clama por mais proximidade entre as instituições e os cidadãos, o Direito e a prática da Ciência Forense são frequentemente criticados pelos seus excessos de formalismo e pela frieza com que tratam as pessoas. Não raramente, os tribunais transformam-se em ambientes intimidadores, onde os homens e mulheres são reduzidos a números de processo, estatísticas ou meros papéis em rituais jurídicos distantes da realidade concreta da vida. E na Ciência Forense, a vítima e a sua família, incapazes de verem restituída a sua justiça, acabam por ser vítimas de novos sofrimentos (i.e., vitimização secundária) causados pelo tratamento frio, insensível, lento, pouco científico ou burocrático das instituições.

O estilo do juiz norte-americano Frank Caprio, conhecido mundialmente pelo programa Caught in Providence, surge como inspiração poderosa para repensarmos o Direito mais focado no respeito pela dignidade humana.

Frank Caprio foi durante décadas juiz em Rhode Island, julgando principalmente infrações de trânsito e pequenos ilícitos. À primeira vista, poderia parecer que sua função se limitava a aplicar multas ou confirmar penas. No entanto, sua forma de conduzir as audiências revelou uma face rara da Justiça: a da empatia, da escuta ativa e da compreensão profunda da condição humana. As suas decisões, sempre legalmente fundamentadas, eram temperadas por compaixão e sensibilidade social, lembrando que o objetivo maior do Direito deve ser a promoção da justiça e não apenas a execução fria da lei.

Um traço marcante do estilo de Caprio é a forma como escutava cada réu. Antes de decidir, perguntava sobre a vida, o trabalho, a família e as dificuldades enfrentadas por aquela pessoa. Muitas vezes, ao deparar-se com situações de vulnerabilidade — como pais que não tinham recursos para pagar uma multa sem comprometer a compra de medicamentos para os filhos —, oferecia alternativas ou até mesmo o perdão jurídico. Não se tratava de “passar a mão pela cabeça” ou desconsiderar a lei, mas sim de aplicá-la com proporcionalidade e humanidade.

O seu estilo tornou-se um fenómeno global. Os vídeos das suas audiências, partilhados nas redes sociais, emocionaram milhões de pessoas. O exemplo de Caprio é um convite à transformação do Direito. Praticar a Justiça de forma humanista significa reconhecer que cada caso envolve mais do que normas abstratas: envolve vidas concretas, histórias individuais e dramas coletivos.

Recentemente propus que se reforme a atividade pericial através da transdisciplinaridade, levando a ciência para os tribunais. E aqui entra o humanismo forense, que não é um luxo, mas uma necessidade. Em sociedades marcadas por desigualdades e tensões crescentes, a Justiça precisa de recuperar a sua função de mediadora social, aproximando-se das pessoas com respeito e sensibilidade. O Direito e a Ciência Forense, afinal, existem para servir ao ser humano e não o contrário.

O Juiz Frank Caprio, falecido agora, aos 88 anos, não “ignorava” a lei. Adaptava a decisão às circunstâncias humanas. Deixa um legado de compaixão e justiça, que devemos saber honrar.

Ricardo Dinis-Oliveira, Prof. Catedrático de Ciência Forense no Instituto Universitário de Ciências da Saúde – CESPU e Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Diretor da 1H-TOXRUN. Presidente da Associação Portuguesa de Ciências Forenses