
Um cais é sempre um lugar de surpresas que puxam pela imaginação. Por exemplo este barco, descoberto num passeio acidental à beira da amurada, é incontornável. O contraste entre a sua cor e a da água na qual se equilibra prende logo os olhos.
Sozinho num pequeno barco no alto mar... não deve ser agradável. Mas imaginar-me naquele barco, ali perto do cais, a remar ao longo da amurada, é uma tentação. Um barco assim pode ser um refúgio, um salto fora do quotidiano.
Quando estou no meio da cidade, nestes dias de calor intenso, às vezes vem-me esta imagem à cabeça e sonho em sentar-me ali na popa, a namorar com o banco em frente, o fresco da água a acariciar-nos, livres dos ruídos, sem distrações.
O barco ocorreu-me quando, no meio do trânsito, fiquei parado num engarrafamento, entalado entre dois carros e olhei para o que estava do meu lado esquerdo. Lá dentro um casal na casa dos 30 anos, carro recente, de boa marca, cada um com o seu smartphone na mão, ambos a olhar para os ecrãs, sem falarem um com o outro, como se fossem estranhos num autocarro sentados em bancos próximos. O mundo deles resumia-se aos telemóveis, não havia nada, nem os outros carros, nem o trânsito à volta, nem eles próprios se calhar. Estavam isolados da realidade, imersos sabe-se lá em quê.
Quando o semáforo abriu, dois ou três carros à sua frente, não deram por nada — só foram despertos pelo insistente buzinar de alguns condutores que, atrás, queriam andar e não podiam. Fizeram má cara por terem sido distraídos dos seus ecrãs.
Encolho os ombros, o meu pensamento volta ao barco que parece chamar por quem passa. A mim só me apetece dizer-lhe que fique onde está, a alimentar-me o desejo.
Estratégias de comunicação// Manuel Falcão escreve sempre à sexta-feira, no SAPO