O cancro do pulmão continua a ser o mais letal em Portugal. Em 2023, foram registadas 4.490 mortes — o valor mais alto dos últimos 20 anos. Apesar do seu impacto, esta doença continua a ser detetada tardiamente em muitos casos, já em fases avançadas, quando as hipóteses de um tratamento eficaz podem estar muito reduzidas. A taxa de sobrevivência aos cinco anos situa-se entre os 15% e os 18%, números que contrastam com os avanços registados noutros tipos de cancro.

Mas para além destes números, existe uma realidade muitas vezes invisível: o silêncio social que envolve esta doença. Um silêncio alimentado pelo estigma, frequentemente associado ao tabagismo, pela culpa e pela falta de informação clara e acessível. Esse silêncio dificulta o diagnóstico precoce e, sobretudo, contribui para o isolamento emocional de quem vive com cancro do pulmão. Doentes e famílias enfrentam não apenas a gravidade da condição clínica, mas também sentimentos de solidão, medo e incompreensão. Muitas vezes, a ausência de espaços de diálogo transforma a experiência em algo solitário, em que as pessoas sentem que não têm legitimidade para partilhar a sua dor.

Como psicólogo clínico, sei que a forma como comunicamos influencia diretamente a forma como enfrentamos a doença. A comunicação não é apenas uma ferramenta de transmissão de informação; é parte integrante do próprio cuidado. Falar de forma aberta e descomplicada sobre a doença, os tratamentos, os direitos, o impacto familiar e as inovações disponíveis não é apenas esclarecer. É criar espaço para que quem vive esta realidade se sinta visto, escutado e acompanhado, diminuindo a carga psicológica que tantas vezes acompanha o cancro do pulmão.

A inovação terapêutica trouxe esperança real. A imunoterapia e as terapias-alvo têm permitido ganhos claros em qualidade e tempo de vida, sobretudo quando aplicadas com critério e personalização. Mas para que a esperança não se transforme em frustração, é essencial garantir literacia em saúde. A informação deve ser clara e compreensível, para que não crie falsas expectativas nem aprofunde desigualdades no acesso. A literacia é, na prática, um instrumento de justiça: quanto mais capacitada está a população, mais cedo procura ajuda, mais facilmente compreende as opções terapêuticas e mais ativa se torna no processo de decisão.

Portugal enfrenta ainda baixos níveis de literacia em saúde. Esta fragilidade tem impacto direto na prevenção, no diagnóstico e na adesão ao tratamento. É urgente investir em estratégias de comunicação que aproximem a ciência da vida real, traduzindo o conhecimento técnico em mensagens acessíveis a qualquer cidadão. Por isso, iniciativas que simplifiquem a comunicação são indispensáveis. É neste contexto que surgem projetos como o podcast Novo Fôlego da Pulmonale, um espaço de partilha de conhecimento e testemunhos que procura tornar a informação mais próxima, humana e acessível. Não resolve tudo, mas mostra como a voz pode ser uma ferramenta de mudança.

Acredito que a comunicação e o conhecimento não são apenas complementos aos cuidados de saúde. São, muitas vezes, o primeiro passo do próprio cuidado. Informar é intervir. Escutar é cuidar. E dar voz a quem vive com cancro do pulmão é um ato urgente e necessário.

Psicólogo Clínico