A enfermagem do desporto, enquanto especialidade em afirmação, representa uma resposta contemporânea às necessidades de cuidado integral no contexto atlético. Tradicionalmente invisível em estruturas formais, sobretudo em países com recursos limitados, esta prática começa a consolidar-se como um contributo essencial para a promoção da saúde, prevenção de lesões e continuidade de cuidados junto de atletas. O projeto FIFA Football Nurse, implementado no Malawi, oferece um exemplo concreto, inovador e cientificamente documentado do impacto da enfermagem do desporto na base da prática desportiva feminina.

Este projeto, fruto de uma parceria entre a FIFA, instituições académicas e entidades locais, integrou 12 enfermeiras em 24 equipas da liga feminina do Malawi. As profissionais foram especificamente formadas em princípios de medicina desportiva e intervieram durante uma temporada completa de competição. As suas funções abrangeram desde a avaliação e triagem de lesões, até à educação em saúde menstrual, nutricional e mental, à aplicação de primeiros socorros e à referenciação para profissionais de saúde especializados. O modelo de atuação assentava numa lógica de proximidade, acessibilidade e cuidado contínuo (Mkumbuzi et al., 2023).

A análise deste projeto à luz dos metaparadigmas da enfermagem revela a profundidade da intervenção. A pessoa neste caso, a atleta, foi tratada como um ser multidimensional, com necessidades físicas, emocionais, sociais e culturais. A saúde, compreendida não como ausência de doença, mas como processo de adaptação e equilíbrio, foi promovida através da literacia, da prevenção e da autogestão. O ambiente, marcado por carência de recursos, foi respeitado e integrado como parte da estratégia de cuidado, com soluções contextualmente ajustadas. O cuidado, finalmente, emergiu como prática relacional, científica e ética, centrada na proteção da integridade e dignidade das atletas.

Os resultados preliminares do estudo apontam para melhorias significativas nos indicadores de segurança, confiança e adesão aos cuidados. A presença constante das enfermeiras junto das equipas aumentou a deteção precoce de sinais de alarme, reduziu o número de lesões não assistidas e fortaleceu a relação entre as jogadoras e o sistema de saúde. Este modelo, validado cientificamente, oferece uma alternativa sustentável e eficaz para contextos onde fisioterapeutas e médicos são escassos ou inexistentes (Mkumbuzi et al., 2023).

Num momento em que o desporto feminino procura maior visibilidade e equidade, o projeto FIFA Football Nurse posiciona a enfermagem do desporto como parte da solução. A sua replicação noutros países — como anunciado para Gana, Nigéria e Zâmbia — reforça a pertinência desta intervenção e sublinha a necessidade de estruturas que integrem o cuidado em saúde desde as categorias de base.

O êxito do programa FIFA Football Nurse evidencia que a enfermagem do desporto não deve ser vista como um recurso acessório, mas como um pilar essencial nas equipas multidisciplinares que apoiam a prática desportiva. Ao proporcionar um cuidado contínuo, culturalmente competente e fundamentado na melhor evidência científica, os enfermeiros do desporto afirmam-se como protagonistas na promoção da saúde e bem-estar do atleta. O Football Nurse representa, assim, mais do que um projeto inovador: é uma prova concreta de que cuidar é também uma forma de competir — e que o rendimento desportivo exige ambos. Este exemplo reforça a urgência de continuar a formar e integrar enfermeiros em posições estratégicas no desporto, reconhecendo o seu contributo insubstituível para a segurança, desempenho e dignidade de quem pratica.

Rafael A. Bernardes e Teresa Amaral, docentes das Escolas de Enfermagem (Lisboa e Porto) e coordenadores da Pós-Graduação em Enfermagem do Desporto da Universidade Católica Portuguesa

Referências

Mkumbuzi, N. S. D., Manda-Taylor, L., van Heerden, J., Derman, W., & Schwellnus, M. P. (2023). FIFA Football Nurse project: A mixed-methods protocol to implement and evaluate a sports and exercise medicine intervention in Malawi women’s football. PLOS ONE, 18(11), e0278428.

https://doi.org/10.1371/journal.pone.0278428