“Acervo de teorias irrealizáveis, se teorias se podiam chamar, de instituições talvez impossíveis sempre, mas de certo modo impossíveis numa sociedade como a nossa e na época em que tais instituições se iam exumar do cemitério dos desacertos humanos”.

Alexandre Herculano
(Sobre a Constituição de 1822)

Para percebermos a Revolução Liberal, de 1820, temos que fazer uma breve incursão no Iluminismo e no Racionalismo, que irromperam no século XVIII, sobretudo nos países e povos, que adotaram a doutrina Protestante.

O conceito de Democracia, apesar de se falar nos gregos – melhor dizendo, nos homens livres de Atenas – é moderno, apesar de já estar velho. Tem origem nos “iluministas” e “racionalistas” do século XVIII (apesar de se poder recuar a Sir Francis Bacon, 1561-1626, e à “Revolução Gloriosa”, de 1688) os quais através da organização maçónica, desencadearam a 1ª Revolução com essa inspiração, nas 13 colónias inglesas, na América, em 1776. Seguiu-se a Revolução Francesa e a coisa nunca mais parou até hoje, onde se tenta “vender” o produto a todos os povos da terra. E, claro, chocando gravemente com a Igreja Católica no plano Teológico e Teleológico… Mas, enfim, esse é outro patamar de discussão.

Em síntese estas ideias pretenderam e pretendem, uniformizar todas as religiões (tidas como grandes responsáveis pelas guerras – daí o presumível conceito do “Grande Arquiteto do Universo”); colocar o Homem no centro da vida (Andro centrismo), em detrimento de Deus (Teocentrismo) – incitando até o Homem a igualar-se a Deus (“à sua imagem e semelhança), quiçá a desafiá-lo. Privilegia-se o indivíduo em detrimento da família, conceito mais tarde alargado à Nação – que não é mais do que um conjunto de famílias, unidas por um destino comum - substituiu-se os Dez Mandamentos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e o Direito Natural pelo direito do voto, como fonte legitimadora do exercício do poder. Ser Rei por “graça de Deus” era um método que dificilmente podia ser condicionado; todavia se houver eleição, todo o processo pode ser influenciado ou manipulado. Daqui resultou o ataque ao Trono e ao Altar.

O Constitucionalismo não foi mais que uma solução transitória: o Rei reinava mas não governava… A situação clarificou-se (no mundo Ocidental), no fim do século XIX princípio do XX: a República foi implantada, à bomba, no Sul da Europa (por predominância católica) e por cooptação das Monarquias, no Centro e Norte do mesmo Continente, já dominadas por Reformistas, Calvinistas e Anglicanos. Na Rússia foi-se mais longe, extremando-se a república jacobina a que não se conseguiu opor nenhum “Termidor”. Chamaram-lhe “Comunismo” – também conhecido por “Democracia Popular” … Pelo meio de tudo isto inventaram-se os Partidos Políticos: talvez o maior cancro social de todos os tempos! Ou seja, durante 700 anos Portugal governou-se sem qualquer ideia de Democracia, como passou a ser entendida após a guilhotina ter feito rolar mais cabeças em meia dúzia de anos, do que a Inquisição fogueou durante três séculos. E não parece que nos tenhamos governado pior.

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“Foram eles e suas absurdas e falsas reformas que nos trouxeram a este estado. Foram eles que desmoralizaram todo o País, que o deslocaram e revolucionaram. Reformadores ignorantes, não souberam dizer senão como os energúmenos de Barras e Robespierre: abaixo! Assim se reformou esta desgraçada terra a machado!

Mais dez anos de barões e de regime da matéria, e infalivelmente nos foge deste corpo agonizante de Portugal o derradeiro suspiro do espírito.

… Não contentes de revolver até aos fundamentos a desgraçada pátria com inovações incoerentes, repugnantes umas às outras, e em quase tudo absurdas, sem consultar nossos usos, nossas práticas, nenhuma razão de conveniência, foram ainda atirar com todo este montão de absurdos para além-mar…”

                                               Almeida Garrett
                    (Sobre a implantação do Liberalismo em Portugal)

Resta caracterizar o Liberalismo como doutrina. A palavra “liberal” vem do latim “liber”, que quer dizer “livre” ou “não escravo”. Do ponto de vista filosófico, o liberalismo político-económico é uma conceção da vida nos antípodas do Cristianismo. A génese do Liberalismo vem da Renascença, atravessa todas as querelas político-religiosas da Reforma e da Contra-Reforma, amadurece com a Guerra dos 30 Anos e toma forma através do Iluminismo e Racionalismo do século XVIII. As Revoluções “Gloriosa”, Americana e Francesa, sobretudo esta, deram ao conceito e doutrina, um empurrão decisivo. Bebeu ainda do “Naturalismo” e encontra no filósofo John Locke, um dos seus principais teorizadores, que defendeu que cada homem tem o direito natural à vida, à liberdade e à propriedade, e que os jovens não devem violar esses direitos.

A principal oposição ao Liberalismo, logo no seu início, veio do “Tradicionalismo”. A ideia fundamental do Liberalismo – que é uma doutrina política e económica – como sistema é considerar o Direito, como um produto da vontade humana sem qualquer influência transcendental[1]. Tal viria a dar origem ao Direito Positivo e a postergar o Direito Natural para a prateleira do esquecimento. Entronca por isso, nas mais extremas doutrinas materialistas e racionalistas.

O Liberalismo proclama a absoluta independência e autonomia do homem e defende que a vontade da metade mais um, é sempre expressão da Justiça. Trata-se da imposição do número à qualidade. Sendo os homens livres deriva, outrossim, que também são iguais, sem distinção que os diferencie. Resulta daqui a atomização da Sociedade e a tendência para o nivelamento por baixo.

Imbuído de Naturalismo, o Liberalismo tende para o racionalismo pagão sendo, por isso, contrário à religião, nomeadamente a Católica. Quanto muito admite um “Deus” pessoal, o que entra em contradição com a negação da intervenção sobrenatural. Em termos políticos, o Liberalismo é sinónimo de Democracia, deificando o homem e tudo fazendo depender da sua vontade.

Haverá que fazer, no entanto, uma distinção: enquanto o espírito liberal apenas concede, que cada indivíduo possa dispor de si mesmo, o espírito democrático puro, exige que o mesmo indivíduo possa dispor também do Estado. Além disso o Liberalismo tem em conta a “capacidade”, enquanto a Democracia aposta apenas no Direito. A Democracia é, ainda, igualitária, enquanto o Liberalismo admite uma distinção de classes. No Liberalismo o povo só pode eleger os legisladores, enquanto, na Democracia o povo pode ser o legislador. Numa palavra o Liberalismo é reformista enquanto a Democracia é revolucionária. Eis a sua grande diferença.

Ora defendendo o Liberalismo, o sufrágio universal e sendo o homem a origem e o fim do próprio Direito, o Liberalismo não se sustém por si, necessita de uma República e da Democracia Direta. O Liberalismo está ainda na origem do Capitalismo, do livre comércio e do livre cambismo, o que sofreu um impulso decisivo com as teorias de Adam Smith. O Liberalismo começou a fortalecer-se por meados do Século XIX e a organização que mais se empenhou na sua divulgação e implementação, foi a Maçonaria, sobretudo os seus ramos inglês e francês. Apesar das oposições havidas – e foram muitas – o Liberalismo e seus derivados tem sido tem sido tentado exportar para todos os povos do mundo.

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“Os diferentes partidos não são mais do que escolas de imoralidade, e, portanto, companhias de comércio ilícito, onde as diferentes lutas, que promovem, não são mais do que o modo de realizarem o escambo das consciências, o sacrifício dos amigos, e o bem do País, e, por conseguinte, o modo de realizarem o fruto do peculato, depois de postos em almoeda as opiniões”.

                                     Luz Soriano
 (Sobre a política do seu tempo)

Mais uma vez um grupo de homens, muitos deles íntegros e bem-intencionados tentaram levar o país numa senda para o qual o mesmo não estava preparado, com ideias e atos que violentavam a consciência da maioria da população. Cegos no seu raciocínio e apreciação e falhos de autocrítica levaram o país para um futuro de convulsões e perdas, e se alguns progressos se conseguiram, foram sempre à custa de enormes sacrifícios e desastres. No caso vertente o maior desastre (para além do fim do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves!) resultou na pior guerra civil que em Portugal já houve, entre 1832 e 1834. Seguidas de duas outras menores em 1846/47, a “Maria da Fonte” e a “Patuleia”, que terminou com uma intervenção militar estrangeira humilíssima! Estas desgraças deixaram marcas até hoje.

O progresso humano deve ser feito através de evolução progressiva e não por meio de atos revolucionários. Mas não há modo de se aprender. Deste modo resta fazer uma síntese cruel, mas verdadeira e pragmática dos 90 anos que durou o Liberalismo em Portugal, entre 1820 e 1910.

Durou o liberalismo monárquico 90 anos, de 1820 a 1910. Foi quase um século de lutas partidárias e destruições constantes, durante este tempo desarticulou-se a Nação da sua matriz antiga, entregando-a por fim às hordas republicanas. Foi seu legado: seis monarcas (dois assassinados) e três regências; quatro constituições, das quais a de 1822 vigorou duas vezes e a de 1826 em três períodos diferentes (sofrendo ainda quatro revisões – actos adicionais) e a de 1838; 142 governos (um governo e meio por ano); 42 Parlamentos, dos quais 35 dissolvidos por meios violentos; 31 ditaduras (um terço do tempo, fora da normalidade constitucional), e 51 revoluções, pronunciamentos, golpes de estado, sedições, etc. Este foi o “passivo” trágico, que a República herdou.

Os 16 anos que se seguiram foram de pavorosa anarquia. A República era de fundo jacobino e logo anticlerical e resultou numa tentativa de imposição serôdia da Revolução Francesa. O liberalismo estava morto, começava a “democracia direta”. Como herança, os 16 anos de “Democracia Direta” da I República, deixaram ao país: oito Chefes de Estado, dos quais um foi assassinado, dois exilados, um resignou, dois renunciaram e outro foi destituído; 45 governos (com um Chefe de Governo assassinado), o que dá uma média de três governos por ano – houve um governo que durou poucas horas e uma semana em que houve três governos, por ex.; oito Parlamentos, dos quais cinco foram dissolvidos violentamente e 11 ditaduras, o que nos deixa apenas cinco anos em que se conseguiu cumprir a Constituição aprovada em 1911.

E ao fazer-se um balanço muito geral de um século de regime liberal e democrático apuramos que entre 1820 e 1926 teve o país 16 Chefes de Estado, 189 governos e 50 Parlamentos dos quais 40 dissolvidos por meios violentos. Contam-se 42 ditaduras, quase uma, ano sim, ano não. O que conflui numa síntese lógica e sensata: Abaixo a Revolução; viva a Contra Revolução!

É bom relembrar tudo isto pois, por estranhos desígnios da Providência, aprende-se muito pouco em Portugal.

Oficial Piloto Aviador (Ref.)

[1] Costa Brochado, “Para a História do Liberalismo e da Democracia Directa em Portugal”, p. 13