Nuno Fox

Diante da pergunta “Que idade tinhas quando a dança entrou na tua vida?”, Iris de Brito revê a resposta de sempre.

Habituada a apontar como referência a iniciação no balé, vivida quando tinha cerca de 8 anos, hoje a coreógrafa partilha outro entendimento.

“A dança e o movimento entraram em mim quando comecei a andar”, realça no início deste episódio d’ O Tal Podcast, já livre das velhas programações.

“Esta sociedade do Norte Global incorporou a ideia de que tudo da mente tem uma hierarquia maior, e que o conhecimento do corpo não tem tanta importância. Mas tem”, sublinha, lembrando a necessidade de soltar as próprias amarras: “Cresci a pensar que o que tenho na cabeça e a universidade é que é importante”.

Nuno Fox

A crença, observa Iris, tem sido desconstruída, permitindo reconhecer que “o movimento é uma das tecnologias ancestrais – africanas e não africanas – que mais ajuda a tudo”.

Não surpreende por isso que o pessoal da dança “diga sempre na brincadeira: se os governantes dançassem mais estaríamos um bocadinho melhor”.

Aliás, nota a também professora, há um provérbio, “talvez nativo-americano”, que reforça essa associação entre movimento e adoecimento. Segundo o ditado, “quando alguém chega a um xamã e diz ‘estou doente’, ele pergunta: quando é que você parou de dançar, de cantar, de contar ou de ler histórias?”.

Nuno Fox

Iris nunca marcou passo, e a determinada altura Portugal tornou-se pequeno.

“Trabalhei no teatro de revista, fiz o Crime da Pensão Estrelinha na televisão com o Herman José, e foi muito engraçado, mas senti que não conseguiria ir mais longe. Por isso quis sair para Nova Iorque”.

Mais do que um plano, Iris alimentava o sonho de integrar a companhia Alvin Ailey, mas não tinha meios nem conhecia ninguém na ‘Grande Maçã’. Por isso Londres, onde tinha ‘rede’, impôs-se como destino.

“Aí tive a oportunidade de fazer formação com um mestre incrível, William Luther, um dos primeiros bailarinos da companhia de Alvin Ailey”, diz a coreógrafa, assinalando como o ciclo acabou por se completar.

Foi também na capital britânica que fez um curso em Teatro Musical e o mestrado em Pedagogia das Danças Afrolatinas, além de ter trabalhado com artistas como Jay-Z, Enrique Iglesias ou Kylie Minogue.

Pelo caminho, enfrentou vários castings, incluindo para o filme Evita e o musical Chicago, experiências que revisita neste episódio.

“Fiz a audição para o Evita com um dos bailarinos principais do Michael Jackson, o Vincent Paterson. Fiquei, saltei, estava toda contente, e ele deu-me os parabéns e um toque: da próxima vez, muda de botas. Elas estavam a cair aos pedaços”.

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O episódio é recordado não apenas por ter sido selecionado, mas também pela lição, que Iris faz questão de partilhar: “Acreditem em vocês porque um bom coreógrafo, um bom diretor, consegue ver mesmo através da vossa imagem”.

Com três décadas de profissão, a coreógrafa partilha igualmente um alerta: “Infelizmente, não existe nos países PALOP uma proteção da herança imaterial, que inclua o movimento, a dança. Estamos completamente desprotegidos. Então, nos festivais querem mudar a Kizomba e dizer que é evolução”.

Longe disso, Iris de Brito vê nessas jogadas mercantilização e desvirtuação, reflexões para acompanhar na conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso.

Nuno Fox

O Tal Podcast é um podcast semanal dedicado às relações interpessoais e aos afectos humanos. Através de conversas profundas com convidados notáveis, o podcast revela uma narrativa original e abre as portas a uma comunidade internacional de reflexão e de interesse.

Pioneiro na cultura negra e afro-descendente em Portugal, é um espaço onde cabem todas as vidas, emocionalmente ligadas por experiências de provação e histórias de humanização.

Em longas conversas sem guião, Georgina Angélica e Paula Cardoso apresentam convidados especiais, em novos episódios, todas as quintas-feiras nos sites do Expresso, SIC e SIC Notícias ou qualquer plataforma de podcasts.

Tiago Pereira Santos com Nuno Fox

Georgina Angélica é especialista em Educação e Intervenção Social. Atua como educadora, formadora e palestrante, com mais de 20 anos de experiência em Portugal, Inglaterra e Angola.

Paula Cardoso é fundadora da rede Afrolink e autora da série de livros infantis ‘Força Africana’. É ainda apresentadora do programa de TV "Rumos" , transmitido na RTP África.

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