A primeira citação sobre o vinho Enxarrama remonta a 1321. Trata-se de uma história secular associada ao rio Enxarrama, hoje em dia chamado de Xarrama, que nasce na ribeira do Louredo, no concelho de Évora, no Alentejo, descreve António Maçanita, proprietário e enólogo da Adega Fitapreta, instalada no Paço do Morgado de Oliveira, no concelho de Évora. Segundo o historiador de arte Francisco Bilou, este curso de água “afamou, com a sua frescura e madurez, os vinhos locais e deu lugar do Louredo, patrimonial ao Morgado da Oliveira, a primazia na produção vinhateira nesta importante zona do Alentejo”, terra de bons solos agrícolas de aluvião.
Mais de 600 anos depois, em 1869, esta referência vínica feita a partir de castas tintas recebe elogios do reconhecido agrónomo, académico e investigador do século XIX, João Inácio Ferreira Lapa. “De todos os vinhos de Évora, é o d'esta quinta o mais apreciado e o que obtém maior preço em Lisboa. O onho do Enxarama ve elle mais que nenhum outro de Evora procurado para a venda a retalho nos armazens de Lisboa. (…) e que parece terem sido cantados por Camões."
Com base em tão grande fama, António Maçanita avançou com a intenção de “recriar essa sensação, essa prova, essa textura” com o Enxarrama tinto 2014 (€480), da Fitapreta Vinhos. Este vinho é feito maioritariamente a partir de Alicante Bouschet, além das castas Aragonês, Trincadeira, Castelão e Moreto. No entanto, cerca de 90% da matéria-prima “não faz parte da propriedade atual”, afirma António Maçanita, referindo-se ao Paço do Morgado de Oliveira; foi colhida em 2014, na vizinha vinha do Oliveirinha, ou seja, 10 anos após o início da carreira do enólogo lisboeta, que comprou o Paço do Morgado de Oliveira em 2017. As restantes provêem de local desconhecido.
Segundo António Maçanita, o Enxarrama tinto 2014 deve servir-se a 16 graus, para beber a 18. É o que se faz no novo restaurante da Adega Fitapreta, instalado no coro alto da capela do Paço do Morgado de Oliveira e com abertura oficial prevista para janeiro de 2025. “Insistimos que a cozinha ficasse instalada na cozinha do paço”, assegura o enólogo, que lançou o desafio a Manuel Maldonado, chef do grupo 100 Maneiras, de Ljubomir Stanisic, onde também está Nuno Faria, com quem Maçanita partilha o projeto vitivinícola Profetas e Villões nas ilhas da Madeira e do Porto Santo.
Os vinhos são o ponto de partida para a confeção de cada prato elaborado pelo jovem chef madeirense Afonso Dantas, que já viajou por casas de renome de França e deu mostras de quanto vale no Audax, restaurante aberto em 2023, no Funchal. Em cada ficha técnica conta não só o contexto histórico do Paço do Morgado de Oliveira, mas também a forte presença de produtos da região do Alentejo em cada momento do menu especial e único do restaurante da Adega Fitapreta, que custa €85, com a respetiva harmonização vínica.
No início de cada refeição é servido o “Tártaro de lúcio-perca” e o “Torricado de veado”. Cada um está ligado aos frescos da capela do Paço do Morgado de Oliveira, sendo o primeiro associado a São Cristóvão e o segundo a São João Baptista, mas também ao facto do veado see “símbolo da nobreza”, segundo o chef Afonso Dantas. A mesma conotação tem o estaladiço “Coscorão de borrego”. Para a entrada, a dupla de chefs criou a rima perfeita com a estação do outono: “Cogumelos silvestres, espuma de abóbora Hokkaido e castanha fermentada”.
Para o peixe, elege-se o “Pregado grelhado, beurre blanc de ovelha e funcho selvagem”, enquanto na carne os dois sugerem “Galinha de campo, jus e couve-flor”. Antes do final, é servida a “Laranja, mel e açafrão”, sobremesa inspirada na tradicional sobremesa alentejana de laranja, mel e azeite, embora aqui seja apresentada com o requinte das especiarias. O desfecho faz-se da forma mais inusitada, mas igualmente reconfortante, com pão de feno e azeite galega da Fitapreta.
A ideia é fazer a visita e uma prova vínica associada à experiência gastronómica à mesa do restaurante da Adega Fitapreta. É o caso da “Prova dinâmica + experiência gastronómica” (a partir de €115,37), da “Big Picture + experiência gastronómica” (a partir de €131,10) e da “Wine Geek + experiência gastronómica” (a partir de €146,63), com, degustação de três, cinco e sete vinhos, respetivamente, seguida da refeição à mesa do restaurante do Paço do Morgado de Oliveira.
A partir de janeiro de 2025, a experiência gastronómica reparte-se em quatro menus diferentes, com seleções criteriosas de vinhos, disponíveis de segunda-feira a sexta, apenas ao almoço (às 13h00). Ou seja, passa a haver o menu “Classics” (€135), com seis momentos e pairing de cinco vinhos, o “Classics and Old Vintages” (€180), com seis momentos e vinhos de cinco colheitas antigas, a “Experiência Aquém e Além Mar” (€255), com nove momentos e harmonização de sete vinhos, alguns dos quais muito exclusivos, e a “Experiência Enxarrama” (€285), com nove momentos casados com sete colheitas antigas e vinhos exclusivos.
Além da viticultura, da produção de vinhos e das múltiplas provas de vinhos, a Adega Fitapreta (EM 527 km 10, Évora. Tel. 918266993) abre as portas a uma experiência gastronómica que vale a pena experimentar na “estrutura monumental” que é o Paço do Morgado de Oliveira, segundo palavras do historiador de arte Francisco Bilou.