
No coração do Poceirão, concelho de Palmela, foi hoje apresentado um passo decisivo para o futuro da ferrovia em Portugal — o STM (Standard Transmission Module), um sistema de transição tecnológico desenvolvido pela portuguesa Critical Software, em parceria com a Alpha Trains, Hitachi, Medway e Stadler. O projeto, de investimento exclusivamente privado, posiciona-se como solução-ponte entre o obsoleto sistema nacional e o ETCS (European Train Control System), cuja implementação total está prevista até 2030.
Trata-se de uma tecnologia de “classe B”, ou seja, de transição, que lê os sinais das balizas instaladas na via férrea e executa funções críticas de segurança, como controlo automático de velocidade e travagem de emergência. O STM surge numa altura em que o antigo sistema Convel, da Bombardier, se encontra descontinuado e sem peças de substituição disponíveis — uma limitação técnica que se tornou um entrave à operação de novos serviços ferroviários em território nacional.
“A Critical Software propôs-se, até por desafio das Infraestruturas de Portugal, a desenvolver um sistema independente. Pode integrar com qualquer fabricante, seja Hitachi, Alstom, o que for”, afirmou à agência Lusa Luís Gargaté, diretor da divisão Automotive, Railway e Medical Systems da tecnológica fundada em Coimbra. “Isso permite liberalizar o mercado e torná-lo mais competitivo”, acrescentou.
Ao contrário das soluções mais fechadas propostas por alguns dos gigantes da engenharia ferroviária europeia, o STM assume-se como uma plataforma aberta, com a vantagem estratégica de garantir interoperabilidade com qualquer operador ou fabricante — uma característica que poderá ser vital para a modernização do setor ferroviário português e para o seu alinhamento com as diretivas da União Europeia.
A certificação do STM está prevista para o primeiro semestre de 2026. Os primeiros comboios equipados com esta solução deverão entrar em circulação no final do mesmo ano. Até lá, nenhum novo operador — seja de mercadorias ou passageiros — poderá iniciar operações em Portugal sem recorrer a esta tecnologia ou a uma solução compatível, segundo o responsável da Critical.
Apesar de, até ao momento, o projeto ter sido financiado exclusivamente por privados, a expectativa de apoio público ou comunitário não está descartada. “Formalmente, isto está a ser pago por privados”, sublinhou Gargaté à Lusa, sem esconder a possibilidade de futura comparticipação estatal ou europeia.
Nos bastidores deste avanço tecnológico está a pressão crescente para tornar o setor ferroviário português mais aberto, eficiente e competitivo. A liberalização do transporte ferroviário é, de resto, uma das apostas do Governo português, em consonância com as políticas comunitárias. A ambição passa por atrair novos operadores, estimular a inovação e reduzir custos, num setor ainda dominado pela CP, no transporte de passageiros, e pela Medway, no segmento de mercadorias.
Ao permitir que qualquer operador, europeu ou não, se conecte à infraestrutura nacional sem barreiras técnicas, o STM poderá tornar-se um elemento-chave nesse processo. Mais do que uma solução técnica, é um instrumento político e económico: abre o caminho a uma ferrovia portuguesa mais plural, mais segura e finalmente sincronizada com os padrões europeus.
Com informação Lusa