Na rubrica O Médico Explica desta terça-feira, 29 de julho, falamos da Síndrome de Williams (SW), uma condição genética rara que afeta cerca de uma em cada 18.000 pessoas no Reino Unido, de acordo com a Williams Syndrome Foundation. Em Portugal, estes números não são conhecidos.

A SW é causada pela falta de material genético no cromossoma 7, sendo os doentes caracterizados por terem uma personalidade extrovertida, alta empatia, grande prevalência de ansiedade e dificuldades na aprendizagem.

Em Portugal, pouco se sabe sobre esta condição, existindo apenas uma associação que procura aumentar a literacia acerca da síndrome - a Somos Williams.

"Sentimos necessidade de criar a associação precisamente porque não havia nenhuma", explicou a diretora, Ana Isabel Serrão, ao Lifestyle ao Minuto. "Começámos por ser um grupo de pais nas redes sociais, mas desde cedo tivemos a vontade de formalizar a nossa situação. Achamos que nos dá mais credibilidade e que nos permite fazer melhor o nosso trabalho."

O trabalho da Somos Williams tem várias condicionantes, nomeadamente "a falta de conhecimento acerca desta condição e a dispersão geográfica das famílias, o que é natural quando se fala de uma patologia rara". Assim sendo, aquilo que a associação procura é, principalmente, "apoiar as famílias que chegam até nós, fornecendo orientações e esclarecimentos e, acima de tudo, criamos uma rede de apoio onde todos se sentem integrados e compreendidos."

Além disso, "fazemos parte da RD-Portugal e da Federação Europeia de Síndrome de Williams, o que nos permite ter uma maior abrangência e desenvolver um trabalho mais alinhado com aquilo que se faz noutros países da Europa, não só ao nível da Síndrome de Williams, mas também das doenças raras em geral."

Para saber mais sobre esta condição genética rara, o Lifestyle ao Minuto entrevistou Célia Azevedo Soares, médica geneticista e docente universitária.

Notícias ao Minuto Célia Azevedo Soares© Médica geneticista e docente universitária

O que se sabe sobre a síndrome de Williams?

A síndrome de Williams ou síndrome de Williams-Beuren, é uma doença rara que foi descrita nos anos 1960. Nessa altura o diagnóstico era feito com base nas particularidades destas pessoas que passam por algumas malformações, dificuldades de aprendizagem, traços faciais específicos e uma personalidade bastante peculiar: extrovertida, amigável e empática. Estas características foram marcando as pessoas à sua volta ao longo da história da Humanidade, e existe a teoria de que indivíduos com esta síndrome podem ter servido de inspiração para figuras mitológicas do folclore, como fadas e elfos. É uma perspetiva fascinante que destaca a singularidade e o encanto das suas particularidades.

A nível genético, o que causa esta condição?

Se o nosso material genético fosse uma biblioteca de instruções para fazer o nosso corpo, as pessoas com a síndrome de Williams teriam a falta de uma prateleira com várias instruções importantes. Estas pessoas têm uma deleção no cromossoma 7, tendo menos cópias de alguns genes que dão as instruções para fazer o corpo, em especial um gene que produz a elastina. A falta de uma cópia da elastina é responsável por muitas das características da síndrome, especialmente os problemas cardíacos e dos vasos sanguíneos.

Muitas pessoas com síndrome de Williams são extremamente simpáticas, conversadoras e parecem ter uma inclinação natural para fazer amizade com praticamente todas as pessoas que conhecem.

Quais as principais características e/ou sintomas da síndrome?

Não existem duas pessoas iguais com a síndrome de Williams. No entanto, há um conjunto de características que são mais frequentemente observadas.

Entre elas, destacam-se as dificuldades de aprendizagem, que variam em grau de pessoa para pessoa. Nos primeiros anos de vida, é comum apresentarem hipotonia (diminuição do tónus muscular, o que se traduz em menos força) e articulações mais laxas. A síndrome também se associa a uma face típica e a uma voz mais rouca ou grave. Há um risco aumentado de malformações cardíacas, que podem ser significativas, e também de alterações nos níveis de cálcio e hormonas da tiroide no sangue.

Uma das características mais marcantes é a sua personalidade sociável e extrovertida. Muitas pessoas com síndrome de Williams são extremamente simpáticas, conversadoras e parecem ter uma inclinação natural para fazer amizade com praticamente todas as pessoas que conhecem. Curiosamente, a sua fluência verbal pode, por vezes, levar a que as suas dificuldades cognitivas sejam subestimadas ou não percebidas por quem interage com elas pela primeira vez. Além disso, uma particularidade notável é a grande apetência para a música, sendo que muitos demonstram um talento especial para memorizar músicas e até para tocar instrumentos.

Elas tendem a ver o mundo de uma forma mais inocente e com boas intenções, o que pode dificultar a perceção de situações sociais complexas ou de possíveis perigos.

Sendo pessoas mais vulneráveis, estes doentes correm algum tipo de perigo?

Sim, a sua natureza torna-as, de certa forma, mais vulneráveis. Devido à sua extrema sociabilidade e à vontade de interagir com todos, algumas pessoas com a síndrome de Williams podem, por vezes, não ter o "filtro social" que a maioria de nós desenvolve. Isto pode levar a situações menos agradáveis, especialmente se interagirem com pessoas que não compreendem a sua condição e que podem ficar incomodadas com a sua abordagem direta e expansiva. Elas tendem a ver o mundo de uma forma mais inocente e com boas intenções, o que pode dificultar a perceção de situações sociais complexas ou de possíveis perigos.

Além disso, é crucial realçar que, a par das vulnerabilidades sociais, existem riscos de saúde específicos. Por essa razão, é fundamental que recebam uma vigilância médica atenta e especializada, seguindo as recomendações internacionais, para gerir e prevenir complicações.

É fácil distinguir uma pessoa com síndrome de Williams de uma pessoa que seja simplesmente extrovertida, por exemplo?

Para a maioria das pessoas que não têm conhecimento sobre a síndrome de Williams, pode ser bastante difícil fazer essa distinção. A forma como interagem socialmente, aproximando-se fisicamente e conversando de forma muito fluente e com um sorriso, pode ser facilmente confundida com uma personalidade meramente extrovertida. É importante sublinhar que, embora a sociabilidade seja uma característica forte na síndrome de Williams, nem todas as pessoas com dificuldades intelectuais e uma personalidade extrovertida têm esta síndrome. Existem outras com as mesmas características. Apenas um diagnóstico clínico e genético pode confirmar a sua presença.

As suas dificuldades cognitivas e de processamento podem dificultar a adaptação a ambientes de trabalho convencionais. A criação e o acesso a empregos adaptados às suas necessidades e limitações seriam extremamente benéficos

Quais os principais desafios pessoais e sociais para estes doentes (em criança e na vida adulta)?

Os desafios para pessoas com a síndrome de Williams manifestam-se em diversas fases da vida, exigindo abordagens específicas e personalizadas.

Na infância e adolescência, um dos maiores desafios é o acesso a um ensino escolar e a terapias que sejam verdadeiramente personalizados às suas necessidades. Dada a heterogeneidade da síndrome, uma boa e detalhada avaliação pela Psicologia e Pediatria do Desenvolvimento é fundamental. Essa avaliação permite traçar um perfil cognitivo e comportamental preciso, orientando as estratégias educativas e terapêuticas (como terapia da fala, terapia ocupacional, fisioterapia) para maximizar o seu desenvolvimento e autonomia. Sem esse apoio adequado, o seu potencial pode ficar por explorar.

Já na vida adulta, a integração no mercado de trabalho é um desafio significativo. Muitas pessoas com esta síndrome possuem uma forte apetência para a interação social, e poderiam beneficiar de integração na sociedade. No entanto, as suas dificuldades cognitivas e de processamento podem dificultar a adaptação a ambientes de trabalho convencionais. Neste sentido, a criação e o acesso a empregos protegidos ou adaptados às suas necessidades e limitações seriam extremamente benéficos. Estes ambientes oferecem o apoio necessário para que possam contribuir ativamente para a sociedade, enquanto desfrutam da interação social que tanto valorizam.

É imperativo que a sociedade adote uma postura mais acolhedora e inclusiva em relação à diferença. Uma sociedade que valoriza a diversidade e que se empenha na integração destas pessoas especiais tem tudo a ganhar.

O que considera necessário desmitificar em relação a esta doença?

É fundamental desmistificar que a síndrome de Williams, como qualquer doença rara, não se manifesta da mesma forma em todas as pessoas. É crucial compreender que não existem duas pessoas iguais, mesmo que partilhem o mesmo diagnóstico genético. Cada indivíduo é único, com as suas próprias características, pontos fortes e desafios. Além disso, é imperativo que a sociedade adote uma postura mais acolhedora e inclusiva em relação à diferença. Uma sociedade que valoriza a diversidade e que se empenha na integração destas pessoas especiais tem tudo a ganhar. Ao reconhecer e apoiar as suas capacidades, permitimos que contribuam de forma significativa e enriquecedora para a nossa comunidade, beneficiando-se mutuamente dessa convivência.

Como é feito o diagnóstico da síndrome de Williams? É uma doença detetável durante a gravidez?

O diagnóstico da síndrome de Williams geralmente acontece após o nascimento, quando se observam atrasos no desenvolvimento, como no início da marcha. Malformações cardíacas presentes ao nascer também podem levantar a suspeita de uma doença genética. Assim, não é comum detetar a síndrome durante a gravidez. Embora algumas malformações cardíacas fetais possam sugerir a presença de uma alteração genética, a identificação específica da síndrome de Williams no período pré-natal é complexa. Existem avanços em técnicas de diagnóstico pré-natal que poderão, no futuro, fazer um diagnóstico mais precoce, mas muitas destas tecnologias ainda estão em fase de otimização e não são rotineiramente utilizadas para este fim.

É pouco comum que pessoas com esta síndrome constituam família e tenham filhos. Tal como outras pessoas com dificuldades intelectuais, enfrentam frequentemente desafios significativos na integração plena na sociedade.

Pacientes diagnosticados com a síndrome têm probabilidade de a transmitir para os seus filhos?

Existe uma probabilidade de 50% de transmitir a síndrome de Williams para os filhos. Isto acontece porque cada pessoa possui duas cópias de cada cromossoma, incluindo o cromossoma 7. Nas pessoas com síndrome de Williams, uma das cópias do cromossoma 7 é normal, enquanto a outra possui a alteração genética que causa a síndrome. Quando estas pessoas têm filhos, transmitem aleatoriamente uma das suas cópias do cromossoma 7: a cópia normal ou a cópia alterada. Assim, em cada gravidez, há 50% de probabilidade de o/a filho/a herdar a cópia alterada e, consequentemente, ter a síndrome.

No entanto, é importante referir que, na prática, é pouco comum que pessoas com esta síndrome constituam família e tenham filhos. Tal como outras pessoas com dificuldades intelectuais, enfrentam frequentemente desafios significativos na integração plena na sociedade, o que pode dificultar o planeamento e a concretização de uma vida familiar independente.

Há alguma forma de prevenir a doença?

Não, não existe forma de prevenir a síndrome de Williams. A deleção genética que causa esta condição ocorre de forma completamente aleatória e espontânea. Não há nada que os pais façam, ou deixem de fazer, que possa causar ou evitar que esta alteração genética aconteça. É um evento que ocorre ao acaso durante a formação das células reprodutoras ou nos primeiros estágios do desenvolvimento embrionário.

Uma sociedade mais informada e inclusiva estará mais preparada para acolher estas pessoas, muitas vezes extrovertidas e com uma notável capacidade para formar laços de amizade.

A síndrome de Williams tem cura?

Não tem cura. Mas isso não significa que não haja muito a fazer para melhorar significativamente a qualidade de vida das pessoas que a têm. Principalmente com um diagnóstico precoce, é possível iniciar um acompanhamento mais personalizado. Uma maior consciencialização sobre a síndrome de Williams é igualmente crucial. Uma sociedade mais informada e inclusiva estará mais preparada para acolher estas pessoas, muitas vezes extrovertidas e com uma notável capacidade para formar laços de amizade, permitindo-lhes uma participação mais plena e feliz.

Que avanços a medicina tem feito relativamente a esta síndrome?

Desde que a síndrome de Williams foi descrita nos anos 1960, a medicina fez progressos significativos na compreensão da sua história natural. Isso significa que hoje conhecemos melhor como a síndrome se manifesta em diferentes fases da vida: desde o desenvolvimento fetal, passando pelo nascimento, infância, vida adulta e até ao envelhecimento. Este conhecimento aprofundado permitiu o desenvolvimento de recomendações específicas para a vigilância médica destas pessoas, garantindo um acompanhamento mais adequado e proativo das suas necessidades de saúde.

Em Portugal, por exemplo, já foram realizados estudos de investigação que utilizam técnicas de imagem cerebral para compreender as particularidades do cérebro destas pessoas. Quem sabe se uma maior compreensão do funcionamento cerebral destas pessoas poderá, no futuro, oferecer dados valiosos para ajudar indivíduos com características de personalidade opostas, como introversão acentuada ou dificuldades de interação social.

A nível educacional, é crucial que haja apoio nas escolas para garantir que as crianças e jovens recebam uma educação inclusiva e adaptada ao seu ritmo e estilo de aprendizagem.

Quais os serviços de assistência e apoio disponíveis para quem foi diagnosticado?

Os serviços de assistência e apoio para pessoas com síndrome de Williams são, em grande parte, semelhantes aos disponíveis para indivíduos com outras doenças raras, mas com um foco adaptado às suas necessidades específicas.

No âmbito dos cuidados de saúde, é essencial uma equipa multidisciplinar. Isso inclui médicos hospitalares, o médico de família para a coordenação de cuidados de proximidade, e diversos terapeutas como terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e terapeutas da fala. Todos trabalham num plano de intervenção personalizado, focado nos desafios únicos.

A nível educacional, é crucial que haja apoio nas escolas para garantir que as crianças e jovens recebam uma educação inclusiva e adaptada ao seu ritmo e estilo de aprendizagem. Mais tarde, programas de formação profissional são fundamentais para promover a sua integração e autonomia na vida adulta. Por fim, o apoio das associações de doentes raras, como a Somos Williams (em Portugal), desempenha um papel vital. Estas associações oferecem um espaço de partilha de experiências, conhecimento e suporte emocional, permitindo que as famílias e os próprios indivíduos com a síndrome se conectem, sintam-se menos isolados e encontrem recursos valiosos.

A realidade é que a maioria dos profissionais de saúde e educadores não tem um conhecimento aprofundado desta síndrome, tal como acontece com muitas outras doenças raras.

Esta doença ainda é pouco falada em Portugal, sendo que os números nem sequer são conhecidos. Qual o motivo para isto acontecer? Considera que existe pouca literacia médica relativamente a esta condição?

A falta de dados concretos sobre doenças raras em Portugal, incluindo a síndrome de Williams, é um problema recorrente. Não existem registos nacionais robustos que permitam saber o número exato de pessoas afetadas. Embora noutros países, como alguns europeus e na América do Norte, as associações de doentes ou projetos do sistema de saúde promovam estes registos, em Portugal o exemplo mais próximo é o cartão da doença rara, cuja emissão depende da autorização da pessoa ou do seu familiar. Dentro do grupo de profissionais de saúde que lida especificamente com doenças raras, a síndrome de Williams é relativamente conhecida. Contudo, esta é uma comunidade pequena. A realidade é que a maioria dos profissionais de saúde e educadores não tem um conhecimento aprofundado desta síndrome, tal como acontece com muitas outras doenças raras. Isso sugere uma literacia médica e geral ainda limitada fora dos círculos especializados.

Pessoalmente, nas minhas aulas do ensino superior, abordo todos os anos as características das pessoas com a síndrome de Williams. É sempre um dos momentos em que os estudantes demonstram mais curiosidade, fascinados com a voz peculiar, os traços faciais, a personalidade extrovertida e a musicalidade como manifestação de uma síndrome genética. Recentemente, os meus estudantes de Mestrado em Bioquímica da Universidade do Porto, após realizarem um trabalho sobre a síndrome, partilharam uma conclusão muito perspicaz: o maior problema é a sociedade, não a pessoa com a síndrome. Sentiram que o maior desafio para as pessoas com síndrome de Williams reside na própria sociedade cada vez mais egoísta e cínica, que nem sempre compreende a inocência e boas intenções das pessoas com a síndrome de Williams.

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