
O Tribunal Constitucional (TC) rejeitou uma segunda tentativa da Autoridade da Concorrência (AdC) no caso conhecido como 'cartel da banca' para reverter a anulação das coimas de 225 milhões de euros aos bancos.
Num acórdão de 25 de agosto, a que a Lusa teve acesso, a conferência do Tribunal Constitucional indefere a reclamação do regulador da concorrência contra o facto de, em junho, o juiz-conselheiro Afonso Patrão ter rejeitado admitir o recurso que a AdC submeteu para apreciar a constitucionalidade do processo.
Com esta segunda decisão, o TC recusa de forma definitiva apreciar se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) que declarou o processo prescrito é, ou não, conforme com a Constituição da República Portuguesa e com o direito da União Europeia (UE).
O litígio chega agora ao fim com este acórdão, fazendo transitar em julgado a decisão do TRL que declarou a prescrição e que anulou as coimas aos 11 bancos condenados pelo Tribunal da Concorrência.
Para o TC, a questão de inconstitucionalidade colocada pela AdC "não tem natureza normativa, sendo, por isso, inidónea a fiscalização concreta da constitucionalidade".
Segundo o acórdão, o tribunal entende que a AdC não lhe solicitou "que interprete a Constituição em consonância com o direito da União Europeia", antes que analisasse "a alegada desconformidade da interpretação seguida pelo tribunal a quo [Relação de Lisboa] com o direito da União Europeia num problema de inconstitucionalidade com referência, por um lado, ao valor que a Constituição atribui ao direito da UE e, por outro, à eficácia jurisdicional do direito da UE". Por isso, entendeu rejeitar analisar a decisão tomada pelo TRL.
O que estava em causa?
A 20 de setembro de 2024, o Tribunal da Concorrência deu como provado que, de 2002 a 2013, os principais bancos do mercado português agiram em "conluio" para falsear a concorrência e confirmou as coimas aplicadas pela AdC em 2019.
Nessa instância ficou provado que as instituições trocavam informação de forma regular por telefone e por email para enviar dados aos concorrentes sobre os 'spreads' que iam praticar e sobre os volumes de crédito já concedidos.
Os bancos recorreram da decisão da primeira instância para o TRL, onde um coletivo de juízes declarou a contraordenação prescrita, por considerar que no período em que o processo esteve a ser analisado no Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) o processo não ficava suspenso para efeitos de contagem da prescrição.
A decisão no TRL foi tomada sem unanimidade, com um dos três juízes do coletivo a discordar que o processo estivesse prescrito.
A AdC e o Ministério Público recorreram para o TC para tentarem travar a anulação das coimas, mas logo num primeiro momento o tribunal rejeitou o pedido. Foi contra essa decisão que a AdC apresentou a reclamação agora rejeitada.
Tal como o TC, o TRL também não analisou se a conduta dos bancos infringiu, ou não, a concorrência, porque, no ponto de partida, considerou os autos prescritos.
Autoridade da Concorrência "fez tudo o que pôde"
À Lusa, fonte oficial da AdC reagiu à decisão do TC afirmando que "fez tudo o que pôde para que esta infração à lei da concorrência fosse punida, até porque foi confirmada" por duas instâncias judiciais (o Tribunal da Concorrência e o TJUE).
"Esta decisão da conferência do TC não retira razão à AdC", afirma a instituição liderada por Nuno Cunha Rodrigues, lembrando que o TCRS "confirmou os factos" e que o TJUE confirmou que se tratava de "uma infração por objeto (expressão do direito da concorrência que qualifica as infrações como tão graves que dispensam a prova de efeitos nos consumidores)".
Os bancos que veem as coimas anuladas são a CGD (82 milhões de euros), BCP (60 milhões), Santander (35,65 milhões), BPI (30 milhões), Banco Montepio (13 milhões de euros), BBVA (2,5 milhões), BES (700 mil), BIC (500 mil), Crédito Agrícola (350 mil), UCI (150 mil). O Barclays também foi condenado, mas sem ter de pagar coima por ter denunciado o caso à AdC.