
Entre ir e regressar do trabalho, levar e buscar os filhos à escola, aceder a serviços ou fazer compras, fazem-se milhões de deslocações, diariamente, em todo o país.
Para termos uma ideia, e de acordo com o último Inquérito à Mobilidade do INE, que se focou apenas nas duas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, realizam-se, todos os dias, uma média de 8,8 milhões de deslocações nessas regiões.
O país é todo igual ou há regiões piores?
São muitas deslocações que correspondem também a muito tempo das nossas vidas. Se olharmos o país como um todo, falamos em 21 minutos por deslocação, em média.
Este número aumenta para quem ao longo do seu dia passa pela Área Metropolitana de Lisboa. De acordo com os Censos, gasta em média 26 minutos.
O automóvel continua a ser o preferido
E como é que nos deslocamos? O país ainda se move sobre quatro rodas?
Sim e não. Por um lado, os últimos Censos mostram-nos que 16% das pessoas se deslocam maioritariamente a pé e 17% optam pelos transportes públicos (onde se incluem autocarros, comboios e barcos).
De qualquer modo, o automóvel continua a ser o meio preferencial da esmagadora maioria - 66%.
Se olharmos para a evolução deste indicador nas duas últimas décadas, percebemos que a dependência do automóvel não só não diminuiu como aumentou quase 20 pontos percentuais desde 2001.
Ao contrário do que acontece na maioria das cidades europeias, o uso do automóvel nas duas principais Áreas Metropolitanas está em trajetória ascendente. Este fenómeno é preocupante, desde logo porque inviabiliza o cumprimento das metas climáticas.
O que é que leva os cidadãos a optar pelo automóvel como transporte?
Há várias razões. Perguntando aos próprios cidadãos porque é que escolhem o automóvel, e esta pergunta foi feita em 2017, concluímos que há uma relação direta entre o uso do automóvel e uma avaliação negativa da oferta ao nível dos transportes públicos.
Como nos mostra o ranking, uma parte significativa dos utilizadores de automóvel aponta para problemas na cobertura da rede de transportes públicos e não tem confiança na sua frequência e fiabilidade.
Como sabemos somos um país de autoestradas. Mas como é que nos comparamos, neste aspeto, com os restantes países europeus?
No que toca à rede de autoestradas, Portugal é o quarto país com maior densidade, ficando atrás apenas da Eslovénia, da Espanha e da Hungria.
Estamos a falar de 290 quilómetros de autoestrada por cada milhão de habitantes, isto é, mais do dobro da média registada na UE a 28, que é de 144 quilómetros por milhão de habitantes.
250 quilómetros de ferrovia
O exato oposto ocorre com a ferrovia. Apesar de tendencialmente os países da UE terem maior densidade ferroviária do que de autoestradas, este não é o nosso caso.
Na UE28 por cada milhão de habitantes há, em média, 438 quilómetros de caminhos de ferro. Em Portugal, porém, não chegamos aos 250 quilómetros.
Estes dados comprovam uma opção política clara que passou pela estruturação da mobilidade rodoviária em torno da rede de autoestradas, em detrimento não só das redes secundárias, mas também e sobretudo, dos restantes sistemas de transporte - ferroviário, portuário e aéreo.
Podemos então dizer que há um incentivo, decorrente das próprias infraestruturas, que conduz à dependência do automóvel e provoca impactos no país.
O impacto de escolher o carro
Em primeiro lugar, e este impacto chega até nós de forma muito direta, adquirir e manter um automóvel é tendencialmente mais dispendioso para as famílias do que utilizar transportes públicos. Mas há outra consequência económica, porventura menos óbvia.
Os congestionamentos nos centros urbanos, e em particular nas áreas metropolitanas, implicam frequentemente uma diminuição dos níveis de produtividade.
Pensando agora nos impactos sociais, quem não tem acesso a um automóvel vê o seu direito à mobilidade condicionado. O que acaba por condicionar o exercício de muitos outros direitos.
Limitações ao nível da mobilidade impactam negativamente o acesso a serviços básicos como saúde e educação, afetando, sobretudo, estudantes, pessoas idosas e/ou com mobilidade reduzida, pessoas mais pobres, etc.
Consequências incontornáveis para o ambiente
Finalmente, a dependência excessiva do automóvel tem impactos ambientais incontornáveis. Desde logo, devido às emissões de CO2, já que o automóvel é o principal emissor deste gás com efeito de estufa dentre os vários transportes.
Associado ao uso excessivo do automóvel está também o agravamento da qualidade do ar e da poluição sonora, além dos problemas de segurança rodoviária que são um flagelo nacional.
Falamos em desigualdades e impactos negativos, mas sabemos que estes não são sentidos da mesma forma em todo o país.
Há fortes desequilíbrios regionais no que diz respeito à mobilidade?
A resposta é sim. Um dos principais objetivos da política de desenvolvimento das infraestruturas rodoviárias, e em particular da rede de autoestradas, foi o de assegurar um maior equilíbrio no desenvolvimento regional. Tal não se verificou.
Contudo, houve melhorias que é preciso assinalar.
A Área Metropolitana do Porto foi a que registou um maior crescimento na acessibilidade rodoviária entre 1986 e 2019, seguida da Área Metropolitana de Lisboa.
Ao nível da acessibilidade geográfica ferroviária as duas Áreas Metropolitanas são as que apresentam as melhores taxas de acessibilidade entre todas as regiões.
Mas, nas últimas décadas, muitas regiões perderam o serviço ferroviário, como foi o caso de Trás-os-Montes e Alto Tâmega. E muitas mais ainda registaram uma diminuição das acessibilidades ferroviárias, como Viseu-Dão-Lafões, Alentejo, Douro, Coimbra, Tâmega e Sousa, Aveiro, Lezíria do Tejo e Beiras. A lista é muito extensa.
A rede rodoviária e o encerramento de muitas linhas ferroviárias, particularmente, em áreas periféricas, reforçou o centralismo das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto.
O Estado tem investido o suficiente ou da melhor forma nos sistemas de transportes? Os problemas referidos até agora parecem indicar que não.
Os sistemas de transportes são de capital intensivo, isto é, requerem investimento significativo para assegurar a sua operacionalidade e a resposta adequada a aumentos de procura.
Desde 1978, o investimento público em infraestruturas de transportes tem correspondido, em média, a 1,2% do PIB. O valor mais alto, 2,5%, foi atingido em 2001 e o valor mais baixo, 0,3%, em 2018. Na última década o investimento médio foi de apenas 0,5% do PIB.
Nas décadas de 1990 e 2000, verificou-se o maior nível de investimento. Até então, Portugal possuía um défice de infraestruturas muito elevado cuja resolução se deveu, sobretudo, ao acesso a fundos europeus.
No caso das infraestruturas rodoviárias, o Estado adotou o modelo de parcerias público-privadas o que permitiu alavancar de forma significativa, do ponto de vista técnico e financeiro, a capacidade de desenvolvimento de estradas.
Esse modelo traduz-se, nos dias de hoje, em pagamentos às PPP rodoviárias na ordem dos 1.000 milhões de euros anuais.
Como é que se distribui o investimento público pelos diferentes sistemas de transportes?
Não surpreendentemente, há um grande desequilíbrio nas opções de investimento.
Em termos agregados, o investimento nas estradas representou 73% do total de investimento, seguido pelas infraestruturas ferroviárias (20%), portuárias (4%) e aeroportuárias (3%).
Se nos focarmos nos últimos anos, podemos ver que estas proporções não se têm alterado significativamente Há claramente uma política de continuidade e aposta no sistema rodoviário.
A viabilidade dos setores portuário e aéreo
O futuro de ambos os setores é muito relevante para a economia.
É através das estradas que se faz a maior parte do transporte de mercadorias em Portugal. No entanto, quando se trata de exportações é o transporte portuário que assume a dianteira.
Em 2022, passaram 18,5 milhões de toneladas de mercadorias pelos portos nacionais.
No entanto, ao contrário do que acontece com os nossos vizinhos espanhóis, em Portugal o setor portuário tem perdido competitividade, apesar da sua centralidade para a economia. Isto deve-se, por um lado, à falta de investimento, mas também aos conflitos laborais que historicamente têm afetado o setor, bem como à burocratização dos processos administrativos que prejudicam, desde logo, o funcionamento das alfândegas.
E depois de tanta discussão sobre o futuro aeroporto, o que podemos dizer quanto ao transporte aéreo?
Desde logo que a falta de investimento se tem traduzido em grandes constrangimentos nos aeroportos. Nos últimos anos, Portugal tornou-se muito atrativo a nível internacional.
O transporte aéreo atingiu, em 2023, mais de 61 milhões de passageiros que comparam com apenas 20 milhões em 2020. Em apenas 22 anos, o número de passageiros triplicou e o aumento não se ficará por aqui.
Portugal é o nono país da UE com maior volume de passageiros por milhão de habitantes, sendo que os quatro países que lideram o ranking são os países-ilha: Islândia, Malta, Chipre e Irlanda.
Face ao posicionamento geográfico de Portugal, o transporte aéreo assume um papel determinante. O aumento extraordinário verificado no volume de passageiros transportados exige um consequente investimento nos aeroportos com vista a aumentar a sua capacidade de processamento.
O caso particular de Lisboa é ainda particularmente gravoso e exige a implementação de soluções para aumentar a capacidade aeroportuária.
Em suma, é preciso mais investimento, mas também repensar em que setores e como pretendemos investir para que os sistemas de transportes respondam às necessidades de mobilidade das pessoas, promovam o desenvolvimento da economia e contribuam para o cumprimento das metas climáticas com que estamos comprometidos.